Tudo pelo segredo
Há dois anos guardado na Polícia Federal, o iPhone 6S do ex-diretor jurídico da JBS e delator Francisco de Assis e Silva segue mobilizando as estruturas de poder em Brasília. Nos últimos dias, o esforço para evitar que os investigadores tenham acesso aos arquivos contidos no aparelho ganhou novos capítulos e chegou ao Supremo Tribunal Federal depois de uma controversa intervenção da Ordem dos Advogados do Brasil.
Era noite de segunda-feira, 13, quando chegou à corte um pedido da OAB para impedir que deputados da CPI do BNDES burlassem a liminar que vem impedindo policiais e procuradores de terem acesso ao iPhone de Francisco. Um requerimento que seria votado no dia seguinte pela comissão, com grandes chances de aprovação, pretendia finalmente quebrar o sigilo do aparelho.
O habeas corpus caiu para a ministra Cármen Lúcia, que no dia seguinte acolheu o pedido. Faltava pouco para o início da sessão quando o presidente da CPI, o deputado paulista Vanderlei Macris, do PSDB, foi informado da decisão. Foi a própria Cármen Lúcia quem telefonou para o parlamentar para dar a notícia.
Começava ali uma ruidosa confusão. O habeas corpus havia sido impetrado pelo Conselho Federal da OAB, presidido pelo advogado carioca Felipe Santa Cruz. Só que, horas depois, ao ser informado do assunto, Santa Cruz fez saber que não havia dado aval para que fizessem o pedido ao Supremo em nome da OAB — e ainda ordenou que os advogados da entidade desistissem da petição, o que foi feito em seguida.
O interesse sobre o conteúdo do aparelho surgiu após virem a público mensagens de WhatsApp trocadas por Francisco com a advogada Renata de Araújo Prado, contratada para ajudar a JBS nos tribunais de Brasília. Algumas das mensagens indicavam que a advogada, filha de uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, atuava de maneira não muito ortodoxa para destravar interesses da empresa nos processos que corriam na capital. Ela tinha acesso facilitado, inclusive, a gabinetes de ministros de tribunais superiores. Em reportagem publicada em março, Crusoé mostrou a gravidade do caso.
Algumas das chaves para entender as mensagens trocadas entre Renata e Francisco dependem do acesso ao aparelho do ex-diretor da JBS. Daí o interesse dos investigadores – e, agora, da CPI – em ter acesso ao aparelho. A medida, porém, vem sendo dificultada de diversas maneiras. Logo após a descoberta da existência das mensagens, uma intensa operação de bastidores foi deflagrada para manter o celular intocado. A pedido de Francisco, uma liminar foi concedida por um desembargador do TRF-1 – o mesmo onde atua mãe de Renata – para impedir que os investigadores tentassem desbloquear o iPhone. A decisão está em vigor até hoje.
Nesse HD estão centenas de mensagens trocadas por Renata com Francisco e com outros personagens. É de lá que surgem as suspeitas sobre relações impróprias da dupla com magistrados das altas cortes de Brasília. Só que, também nessa frente, a iniciativa dos investigadores foi frustrada. Se já estavam impedidos de ter acesso ao celular de Francisco, eles também acabaram esbarrando em outra liminar, desta vez para que a perícia no HD, autorizada pelo juiz de primeira instância, fosse abortada. O pedido foi feito pela própria Renata. E, novamente, foi um desembargador do TRF-1 quem expediu a ordem.
Os diferentes obstáculos enfrentados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público mostram o quão sensível é o caso. Em um ano, os investigadores depararam com dificuldades incomuns para realizar até as diligências mais básicas. A batalha deve prosseguir na Justiça, mas por ora a esperança está depositada na CPI — que, ao investigar as relações escusas da JBS com o BNDES, quer também avançar sobre os laços da companhia com o Judiciário, algo que passou ao largo do acordo de delação firmado pela turma de Joesley Batista, o patrão de Francisco.
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