Roberto Casimiro /Fotoarena/Folhapress

O novo dono do PSDB

João Doria assume o comando do partido para tentar virar a social-democracia tucana pelo avesso e ser candidato a presidente da República
31.05.19

João Doria flanava com a sua gravata borboleta preta com listras brancas em um salão do hotel Marriot Marquis, na Times Square, no coração de Manhattan, em Nova York, na noite de 16 de maio. Flanou até sentar-se à grande mesa central, próximo ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e ao então embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Sergio Amaral. Depois, subiu ao púlpito para um breve discurso com direito a alguns trechos em inglês — segundo ele, para que os americanos presentes “compreendessem bem”. Disse ter divergências políticas com o presidente Jair Bolsonaro, mas afirmou que o respeitava. Ao final, brindou ao Brasil. Foi assim que ele concluiu o discurso em outro jantar, na véspera, no luxuoso restaurante da University Club of New York, promovido por Joseph e Vick Safra, com a presença de endinheirados americanos e brasileiros.

O presidente Jair Bolsonaro era para ser o grande homenageado no Marriot, escolhido que fora “personalidade do ano” pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, e havia confirmado presença no convescote dos Safra. Até cancelar a viagem em razão da grosseria do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, que lhe deitou ofensas no Twitter, principalmente, e o considerou persona non grata na cidade. Doria, então, ocupou o espaço de Bolsonaro. É dessa maneira que o empresário, ex-prefeito de São Paulo e atual governador do estado mais rico do país planeja trilhar seu caminho até a sucessão presidencial de 2022: mostrando-se como alternativa de poder à direita.

Enquanto Bolsonaro vacila em se entregar à agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, hesita em fazer alianças partidárias, embarca em guerras ideológicas e refuta agenda com empresários, lá está Doria para fazer tudo ao contrário. O governador, por exemplo, estruturou um amplo programa de privatizações e concessões. Ele também montou um governo com espaço para a maioria dos partidos — Centrão, inclusive. Se Bolsonaro incentiva manifestações a seu favor, Doria as critica. Se há contingenciamento de recursos nas universidades federais, Doria diz que nas paulistas isso não ocorrerá. Se o presidente se irrita com o vice Hamilton Mourão, o governador se aproxima dele. E, enquanto Bolsonaro vive às turras com seu partido, o PSL, Doria passa a partir desta sexta-feira a ser o dono absoluto e inconteste de sua legenda, o PSDB. Para que o partido se adapte ao seu projeto presidencial, ele tentará virar a social-democracia tucana pelo avesso.

Doria é um estranho no ninho tucano original, formado nas hostes da esquerda caviar da USP e adjacências. Fernando Henrique Cardoso torcia o nariz quando ouvia alguém pronunciar o seu nome. José Serra o detestava. Tasso Jereissati mal o tolerava. Economistas e intelectuais tucanos nutriam por Doria uma aversão quase física. Até pouco tempo atrás, Geraldo Alckmin se sentia traído porque a sua criatura abandonou o barco furado alckmista durante a última eleição presidencial e embarcou de última hora no de Bolsonaro — do qual, agora, tenta manter distância conveniente. Não importa. O ninho foi  estraçalhado e Doria quer reconstruí-lo à sua imagem e semelhança. Não será tarefa fácil. Em 2018, Alckmin teve menos de 5% dos votos, o pior resultado dos tucanos em uma eleição nacional. O número de governadores eleitos foi o menor desde 1990. A bancada federal despencou. Foi de 54 para 29 deputados. No Senado, passou de 6 para 4 representantes. A receita que o governador paulista aposta para reverter esse quadro é bem clara: descer do conhecido muro tucano e dar uma guinada à direita, com apoio explícito a bandeiras como abertura econômica e endurecimento de política de segurança. E, evidentemente, a desvinculação do governo estadual com o federal. A ordem de Doria é para que o partido seja independente em relação ao Planalto. Apoiarão a pauta econômica, mas não embarcarão na agenda conservadora de costumes defendida pelos bolsonaristas. O esforço é para se mostrar como uma agremiação de centro-direita. Trata-se de uma virada e tanto do ponto de vista do discurso. Os tucanos mais emplumados do PSDB sempre declararam que o partido era de centro-esquerda, apesar de terem promovido um vasto programa de privatizações e de implementação de boas práticas práticas fiscais durante o governo FHC.

Gustavo Lima/STJGustavo Lima/STJO novo presidente do PSDB, Bruno Araújo: dúvidas sobre sua capacidade de amarrar o Nordeste com o PSDB
“O PSDB segue liberal na economia. Tem no estado um importante agente de redução de desigualdades sociais e de desenvolvimento regional. E respeita os costumes formados pela sociedade”, disse a Crusoé o novo presidente do PSDB, Bruno Araújo. Aos 47 anos, o advogado, empresário, ex-deputado federal por Pernambuco e ex-ministro das Cidades de Michel Temer foi o escolhido de Doria para a missão partidária. Ninguém sabe ao certo porque Doria optou por ele, uma figura desconhecida nacionalmente. Seu entorno diz que parte é por ele ser uma cara nova, parte por ser habilidoso politicamente, parte porque ele é do Nordeste, reduto mais forte do petismo. Ainda assim, muitos tucanos consideraram a escolha arriscada. O motivo é que Bruno, embora articulado em Brasília, não tem trânsito justamente entre lideranças nordestinas. Nem sequer é uma figura influente em seu estado, onde ficou em quarto lugar na disputa para o Senado no ano passado. Teria dificuldades, portanto, para atrair a região para o campo de Doria em 2022. Além disso, ninguém está seguro de que ele seja a figura ideal para limpar o nome da sigla, um dos objetivos de Doria. Bruno era muito ligado a Aécio Neves. Estava na lista da Odebrecht como beneficiário de caixa 2, mas o Supremo Tribunal Federal acabou arquivando o inquérito no qual figurava. Neste ano, também se viu citado na delação de Henrique Constantino, um dos donos da Gol, como “beneficiário financeiro” de campanhas. Foi sócio ainda de um advogado investigado na Lava Jato.

Nada disso, porém, impede que ele seja ungido por Doria nesta sexta-feira, 31. De acordo com tucanos, o governador conseguiria bancar quem quer que fosse para o cargo, por ser considerado o único capaz de levar a legenda de volta ao palácio do Planalto. Em razão disso, até mesmo a velha guarda do partido rendeu-se a ele. Sempre incomodada com seu estilo empresarial demais e intelectual de menos, vê nele a chance de que a sigla retome a era de ouro tucana dos anos 1990. Fernando Henrique Cardoso, que sempre fez previsões pessimistas quanto à capacidade de ele ganhar uma eleição (Doria, ao contrário do previsto, ganhou duas, em sequência), hoje o apoia. Costumam trocar mensagens pelo WhatsApp. O senador José Serra se aproximou após o governador nomear seu aliado, Aloysio Nunes Ferreira, para um cargo no primeiro escalão do governo de São Paulo (ele teve de deixar o posto após ser envolvido na Lava Jato). Atualmente, conversam com frequência. O novo chefão do PSDB delegou a Serra o papel de interlocutor do estado de São Paulo nos debates em Brasília sobre a reforma tributária. No último domingo, inclusive, Serra foi à casa de Doria para discutir o assunto. Com Geraldo Alckmin, que patrocinou sua candidatura a prefeito em 2016, a relação permanece fria, mas já não é mais gelada. Alckmin nutre a expectativa de que, em 2022, ele possa disputar um cargo de relevo com o apoio de Doria. O de senador, quem sabe.

Em Minas Gerais, aecistas aderiram a Doria por falta de opção. “É o que temos”, resumiu um parlamentar mineiro. O mesmo parlamentar declarou também, sempre sob reserva, que Aécio tem consciência de sua situação política e concorda com a avaliação de que, no cenário atual, o governador paulista é a única chance de o PSDB voltar à Presidência da República. “O Aécio respeita a necessidade de o partido ter um projeto de poder”, diz outro tucano mineiro. Hoje, o único dentre os fundadores da sigla que ataca publicamente Doria é o ex-governador Alberto Goldman, seu desafeto pessoal, que não terá cargo de comando no partido.

Agência BrasilAgência BrasilAliados de Aécio Neves viram-se obrigados a aderir a Doria por falta de opção
O destino de Aécio e dos outros tucanos enrolados em denúncias de corrupção, como o ex-governador do Paraná Beto Richa, será um dos primeiros testes para verificar se o novo PSDB é novo mesmo. A legenda deve aprovar nesta sexta-feira regras de compliance e seu primeiro código de ética (sim, não havia um). O código prevê sete tipos de punição para políticos flagrados em desvios de conduta, da simples advertência à expulsão. Ocorre que ele não retroage. Ou seja, Richa ou Aécio não necessariamente serão punidos. Doria e Bruno Araújo, segundo interlocutores, esperam que os investigados tomem a iniciativa de se desfiliar, como fez Eduardo Azeredo, ex-presidente da sigla e atualmente preso por peculato e lavagem de dinheiro. Mas não têm controle sobre isso. O código prevê que a decisão final da punição é da executiva nacional. Se eles não saírem, Doria e Bruno Araújo toparão expulsá-los?

A resposta é incerta. O governador vem tentando afastar de si a imagem que a velha guarda tucana tentou lhe cravar de político traidor e que passa por cima de qualquer um para atingir os seus objetivos. O termo “traidor”, aliás, foi utilizado explicitamente por Alckmin contra Doria, durante uma reunião interna em Brasília no ano passado, depois da campanha presidencial. Os dois já haviam se desentendido antes, quando Doria tentou ser o indicado do PSDB para disputar o Planalto no lugar de Alckmin. Para mostrar que é homem de partido  e não pensa apenas em si mesmo, Doria tentará reeleger em 2020 o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, com quem teve atritos no início deste ano e em relação ao qual ensaiou um afastamento. O governador cogitou apoiar um nome de outro partido na sucessão municipal, como a do líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, do PSL, de quem é próximo. Mas desistiu, inclusive porque seria estranho validar uma bolsonarista. Vai de Covas mesmo, com todos os riscos que isso embute para o seu projeto nacional.  A administração do prefeito paulistano é mal avaliada em pesquisas internas do partido e o PT começa a retomar redutos na periferia da cidade. O PSL de Bolsonaro também dá sinais de que irá disputar com candidatura própria o comando da maior e mais rica cidade do país — e, daqui a um ano, o partido do presidente poderá ser imbatível nessa disputa, se a e economia brasileira voltar a crescer em ritmo forte.

O partido do presidente da República, que tem a maior bancada na Assembleia Legislativa paulista, não dá trégua ao tucano. O líder da agremiação na casa, Gil Diniz, ex-assessor de Eduardo Bolsonaro, chegou recentemente a se juntar ao PT para tentar emplacar uma CPI para investigar o ex-diretor de engenharia da Dersa, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como o operador tucano no estado. Também se aliou à oposição para atrasar a tramitação do primeiro projeto para privatizar empresas estaduais. O próprio Diniz foi ao Twitter recentemente criticar a fala de Doria sobre as manifestações de domingo em favor de Bolsonaro. “‘Inútil e inadequada’, dizem alguns políticos graúdos sobre as manifestações populares que ocorrerão hoje! Alguns desses nomes já estão se posicionando dessa maneira para em 2022 se lançarem candidatos à Presidência. Doria é candidato declarado, mas há os que ainda se escondem!”, escreveu.

Doria ignorou. Sua ideia é diferenciar-se dos bolsonaristas apresentando-se como moderado. Quer ser um contraponto ao PSL para atrair o eleitorado de direita que votou em Bolsonaro apenas para não deixar o PT voltar ao poder. Nesse caminho, além de repaginar o PSDB, busca agradar outros partidos com cargos. O vice-governador, Rodrigo Garcia, é presidente estadual do DEM e toca o dia a dia da máquina administrativa. Alexandre Baldy, secretário de Transportes, do PP, é um dos expoentes do Centrão. A secretaria dos Esportes está com Aildo Rodrigues Ferreira, do PRB. O secretário de Fazenda, Henrique Meirelles, é do MDB. Rossieli Soares, da Educação, é filiado ao PSD. Partidos como PR e PTB ocupam o segundo e terceiro escalões. Doria, por sua vez, privilegia em sua agenda encontros nacionais, internacionais e com empresários. Desde que tomou posse, já recebeu pelo menos 50 executivos de empresas como AT&T, Bank of America, Basf, Boeing , Bosch, BTG Pactual , Caterpillar, Cisco , Coca-Cola, Cosan, CSN , Embratel, GE, IBM, Latam, Magazine Luiza, Mastercard, Nestlé, Novartis, Souza Cruz e Tramontina. Também gosta de se encontrar com as representações formais de outros países, como embaixadores e cônsules. Já esteve com diplomatas da África do Sul, Argentina, China, Espanha, Finlândia, Holanda, Qatar, Reino Unido, Singapura, Suécia e Uruguai.

Com cinco meses de governo, a sua equipe diz que esses encontros já se traduzem em investimentos garantidos no estado. A ver. Uma pesquisa do instituto Paraná feita em abril apontou que 53,1% da população aprovava a gestão de Doria, ao passo que 41,3% a desaprovava. A maior parte (31,5%) a considerava regular. Doria terá de melhorar bastante o seu nível de aprovação, tanto para eleger Bruno Covas prefeito da capital paulista — o seu primeiro grande teste nas urnas na condição de governador –, como para viabilizar o seu nome para a disputa presidencial em 2022. Do PSDB, ele já tomou conta. Agora só falta combinar com os eleitores.

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