Mateus Bonomi/Crusoé

O efeito Intercept

Nos bastidores, congressistas enrolados aproveitam os vazamentos para operar contra a Lava Jato. À luz do dia, porém, alguns amaciam o discurso temendo a reação dos eleitores
21.06.19

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, tinham duas soluções à mesa para aproveitar o momento político provocado pelo vazamento de diálogos atribuídos a procuradores da Lava Jato e ao ministro da Justiça, Sergio Moro, e finalmente emplacar a aprovação de um projeto de lei contra o abuso de autoridade. Uma das propostas já havia sido aprovada pelo Senado e enviada à Câmara em abril de 2017, mas, desde então, Maia a segurava, à espera do momento mais propício. O texto relaciona quase 30 ações que podem ser consideradas abusivas se postas em prática por servidores dos Três Poderes, incluindo militares. Algumas, com potencial para atingir em cheio a atividade de investigadores, como a que limita a decretação de prisões e conduções coercitivas, pune quem não solta presos em algumas situações, torna indisponíveis ativos financeiros quando a parte demonstra “excesso da medida” ou mesmo nega acesso à investigação. Outras, um tanto subjetivas, como a que pune a autoridade que não corrige “erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”. Nada muito surpreendente a se considerar a origem da proposta: ela era resultado da fusão de um projeto do senador Renan Calheiros e de um outro relatado pelo ex-senador Roberto Requião, dois críticos contumazes da Lava Jato.

Maia e Alcolumbre, porém, consideraram que levá-la adiante neste momento não cairia bem. A medida poderia ser vista como uma afronta a Moro e à Lava Jato. O oportunismo também ficaria patente. Ficou definido, então, que a segunda solução sobre a mesa era a melhor: acelerar um outro projeto já aprovado pela Câmara e que estava no Senado. Nesse caso, a origem e o conteúdo da proposta dificilmente seriam questionados: o texto era parte do pacote das Dez Medidas anticorrupção apresentado pelo Ministério Público Federal ao Congresso, mas foi desfigurado pela Câmara durante a votação, em novembro de 2016. Essa segunda proposta já estava no Senado, esquecida desde o início de 2017. Até que no início deste ano o senador Rodrigo Pacheco, do mesmo DEM de Maia e Alcolumbre, assumiu sua relatoria. O conteúdo mantém apenas uma pequena parte do pacote original dos procuradores, como a criminalização do caixa dois e a inclusão dos crimes contra a administração pública no rol de crimes hediondos. O resto é produto da intervenção da turma que quer torpedear os investigadores. Inclui, por exemplo, dois artigos inseridos e aprovados na Câmara por sugestão do PDT que tratam exatamente de abuso de autoridade, mas com uma peculiaridade: ambos são direcionados apenas a juízes e ao Ministério Público. No entanto, como essa proposta tinha o carimbo da Lava Jato na origem, Alcolumbre e Maia decidiram que ela seria o melhor caminho para arrefecer as críticas e, finalmente, tirar do papel o abuso de autoridade sem causar muito espanto. Era, na verdade, uma esperteza, como se verá adiante.

O plano foi em frente. Os debates para que o texto fosse aprovado se deram a toque de caixa no Senado. Começaram logo nos dias que se seguiram à publicação, pelo site The Intercept, dos primeiros supostos diálogos entre Moro e o coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol. Primeiro Alcolumbre tentou forçar a apreciação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ, passando por cima do fato de ele não constar da pauta de votações. Houve reação e o debate foi adiado. Alcolumbre não desistiu e consultou lideranças do Senado, especialmente as mais críticas à Lava Jato, para legitimar a estratégia de aprovar o texto diretamente no plenário, sem passar pela CCJ. Nem mesmo a presidente do colegiado, Simone Tebet, sabia da manobra. Parlamentares que foram eleitos defendendo a bandeira do combate à corrupção, como o senador Major Olímpio, não foram consultados. “Me insurgi porque a matéria não havia sequer passado na comissão e fomos informados de que ela seguiria diretamente ao plenário diante de um acordo do presidente da casa de líderes. Só que eu sou líder e não havia sido consultado”, disse Olímpio a Crusoé. Ante os protestos, fez-se então um acordo para que o projeto seja analisado na próxima semana, seguindo o rito completo.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéMaia, o parceiro: ideia é não confrontar a Lava Jato diretamente para evitar danos à imagem
Há chances de a proposta ser aprovada. Se for, como querem Maia, Alcolumbre e outros tantos parlamentares empenhados em dar uma resposta dura à Lava Jato, será o primeiro resultado prático dos vazamentos das supostas mensagens. E a forma como a estratégia foi desenhada é bem característica de como muitas das excelências têm lidado com a questão. Não é novidade que há no Congresso, especialmente por parte de quem já foi alcançado de alguma forma, um sentimento de ódio contra a operação. Ao mesmo tempo, porém, existe a percepção de que uma campanha aberta contra as investigações pode ser um mau negócio para a imagem perante os eleitores, porque significa agir contra o combate mais bem-sucedido à corrupção no país. Por essa razão, à exceção dos conhecidos críticos que já não ligam para isso, como os petistas que repetem a cantilena do “Lula Livre”, os demais políticos que operam contra a operação agem de maneira sorrateira. Querem impor travas aos investigadores sem deixar a intenção muito clara. Vem daí a opção por tentar aprovar o abuso de autoridade em um projeto cuja origem é um pacote anticorrupção.

Também é por causa do cuidado de parte dos congressistas para não aparecer publicamente operando contra a Lava Jato que a proposta de CPI para investigar os investigadores, um plano gestado pelo PT e executado pelos seus satélites, ainda não conseguiu obter as 127 assinaturas necessárias para a instalação da comissão na Câmara. São poucos os dispostos a deixar a digital em medidas anti-Lava Jato. Não por outra razão, na sessão em que Moro prestou esclarecimentos aos senadores ao longo de nove horas, na quarta-feira, 19, a ampla maioria dos presentes cuidou de elogiar a operação. Mesmo os mais críticos, cujos partidos e correligionários (ou eles mesmos) caíram em desgraça. “Eu sempre defendi a Lava Jato e sempre defendi todas as investigações”, disse Renan Calheiros, do MDB, em uma declaração capaz de arrancar risos até de quem não acompanha de perto o dia a dia do Congresso. “Não se trata de parar, de interromper, ou de acabar com a Lava Jato”, afirmou Paulo Rocha, do PT, amigo do peito de Lula e José Dirceu. “Não podemos esquecer dos avanços da Lava Jato, de forma alguma”, declarou Vanderlan Cardoso, do PP, um dos partidos com a maior leva de investigados. “A Operação Lava Jato foi de grande valia para o combate à corrupção e o Brasil agradece a todos que se envolveram”, afirmou Ângelo Coronel, do PSD, entusiasta da proposta de CPI. Os que resolveram criticar foram atacados depois. O caso mais notório é o de Fabiano Contarato, da Rede, que se elegeu com a bandeira de combate à corrupção, criticou Moro na audiência e agora enfrenta uma cruenta campanha dos seus próprios eleitores nas redes sociais.

Moro saiu da exaustiva sessão na CCJ da Câmara mais forte do que entrou. Na avaliação de deputados e senadores, se não surgir algo muito forte contra o ex-juiz e contra a própria Lava Jato, o embate político renovado a partir dos vazamentos continuará morno. O próprio PT desacelerou na ideia da CPI. A estratégia agora é extrair respostas de Moro no Congresso (o ministro irá à Câmara na próxima quarta-feira, 26) e tentar explorar eventuais contradições com o que, torcem, aparecerá nos próximos vazamentos. “Moro se escuda na Lava Jato e na ideia de que querem acabar com a operação. Ele ainda é popular. A gente vai ficar na dependência por enquanto de novas revelações”, diz o petista Humberto Costa. No grupo de que o senador faz parte, por ora a torcida maior é para que o Supremo Tribunal Federal considere Moro suspeito no julgamento do processo do tríplex, em que Lula foi condenado e pelo qual cumpre pena. A previsão era a de que a Segunda Turma da corte julgasse o pedido da defesa do ex-presidente na próxima terça, mas até mesmo ministros da ala anti-Lava Jato, como Gilmar Mendes, têm avaliado que talvez seja melhor adiar o julgamento para esperar pelo surgimento da bala de prata que, até agora, não veio.

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