Reprodução/redes sociaisO ex-deputado em Manchester: ele já deu palestras em pelo menos quatro países europeus e nos Estados Unidos

O Big Brother viajante

A dolce vita europeia de Jean Wyllis, que cedeu o mandato para o ativista David Miranda e apostou no plano de multiplicar seu capital político como opositor "exilado" pela democracia brasileira
21.06.19

Apenas nos últimos quatro meses, o ex-deputado federal Jean Wyllys, do PSOL, deu palestras em universidades e fundações da Alemanha, Portugal, Estados Unidos, Espanha e Bélgica. Em Coimbra, onde falou no Centro de Estudos Sociais, provocou uma movimentação nunca vista na instituição, que precisou reforçar as medidas de segurança. Wyllys encontrou-se ainda com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e com a de Barcelona, Ada Colau. Também deu entrevistas ao jornal português Expresso, ao site Huffington Post, a um programa da televisão catalã e a um canal belga. Em maio, ainda passou por Bogotá, na Colômbia, para receber uma medalha da Federação Internacional de Planejamento Familiar.

Ao comunicar em janeiro que não tomaria posse para seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados, Jean Wyllys disse o faria para “exilar-se” na Europa, por medo de ameaças de morte. Como ele e Bolsonaro cresceram politicamente hostilizando um ao outro – com direito até a cuspida por parte de Wyllys –, a vitória eleitoral de um na eleição presidencial serviu de trampolim para o outro. O baiano nascido em Alagoinhas, que ganhou fama nacional ao conquistar o programa Big Brother Brasil, em 2005, tornou-se celebridade entre os círculos de esquerda americanos e europeus, martelando a ideia de que o presidente brasileiro é uma ameaça à democracia, por ser autoritário, racista, homofóbico, feio e bobo. Tudo aquilo, enfim, que os gringos querem ouvir a respeito do “Trump tropical”. “Bolsonaro não tem melhor antítese”, escreveu o jornal francês Libération, em perfil publicado em maio. O texto define Jean Wyllys como  “um ativista de esquerda, abertamente gay, afrodescendente e intelectual”, o contrário da “ultradireita homofóbica, racista, sexista e nostálgica da ditadura militar”.

Reprodução/redes sociaisO ex-BBB com a prefeita de Paris, Anne Hildalgo, do Partido Socialista
O eixo da narrativa do ex-deputado – e que é aceito tranquilamente pelos seus seguidores –, é o de que ele é um exilado político. A conferência que proferiu na Casa do Alentejo, em Lisboa, intitulava-se “Por que se exilar do Brasil hoje”. No Watson Institute, da Universidade Brown, nos Estados Unidos, o título da palestra era “O que significa ser um exilado político sob o governo Bolsonaro?”. No evento americano, Wyllys participou ao lado de Marcia Tiburi, candidata derrotada ao governo do estado do Rio de Janeiro pelo PT em 2018 e que também foi embora dizendo ter sido ameaçada (ajudou muito o fato do seu marido juiz ter conseguido uma licença remunerada para fazer um pós-doutorado em Paris) , e de Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília. Os três deixaram o Brasil no início do ano culpando Bolsonaro. Mas, de todos, o ex-deputado é de longe o que mais ganha confetes. Segundo o Huffington Post, “em janeiro Wyllys se tornou o mais proeminente exilado político desde o retorno da democracia há três décadas”.

Berlim, a capital da Alemanha, foi a cidade escolhida pelo ex-BBB para viver. Lá, ele mora com um amigo. Em visita a Barcelona, onde foi comemorar seu aniversário de 45 anos, o ex-deputado explicou para o jornalista Pedro Bial, da TV Globo, a razão da escolha. “Berlim é uma cidade mais cosmopolita, em que existe anonimato. Nessa cidade eu posso viver a solidão, andar pelas ruas e me sentar em um boteco para tomar cerveja sem ser necessariamente reconhecido”, afirmou. Jean Wyllys, que tem mestrado em Letras e Linguística, diz-se interessado em fazer doutorado no Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim. O tema do seu trabalho misturaria fake news, política e minorias étnicas, sociais e religiosas.

Para pagar as contas, diz ter como fonte de receitas as palestras que dá em vários lugares e o que recebe por assinar uma coluna no portal UOL, onde publica textos desde março. Para financiar os seus estudos, espera contar com uma bolsa — que poderia vir da Fundação Rosa Luxemburgo ou da Open Society Foundation, do bilionário George Soros.

Reprodução/redes sociaisWyllys dá entrevista para um canal de televisão belga: #LuteComoUmaMenina
Em momento nenhum, Jean Wyllys fala em abandonar a política para se dedicar à vida acadêmica. Pelo contrário. Na coletiva de imprensa que deu para explicar a sua ida para a Europa, ele avisou: “Isso não significa que eu vou deixar o front. É possível fazer política fora do Parlamento”. Na quarta-feira, 18, dia em que o site The Intercept Brasil publicou conversas atribuídas a Sergio Moro e Deltan Dallagnol sobre a prescrição de um suposto crime do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1996, Wyllys publicou ou repercutiu mais de vinte postagens no Twitter. “Grande dia!”, escreveu ele, na derradeira. A frase é a mesma que Bolsonaro publicou, também no Twitter, quando soube que Wyllys tinha deixado o país: “Grande dia!”.

O ex-BBB e o Intercept, do americano Glenn Greenwald, trocam costumeiras loas nas redes sociais. Os dois tiveram entreveros no início do ano passado, quando Wyllys tentou aproximar o PSOL de Israel. O americano publicou críticas no Twitter. “Existe um pequeno grupo no PSOL (liderado por Jean) que quer torná-lo um partido pró-Israel – o que faria dele um caso único entre os partidos de esquerda do mundo democrático. Por ora: Jean Wyllys deve parar de explorar a grave acusação de antissemitismo (e homofobia) contra críticos de Israel dentro do PSOL”, escreveu Greenwald. A relação mais tarde foi normalizada. No início deste ano, ao abandonar o Brasil, Wyllys deixou sua vaga na Câmara dos Deputados, o que permitiu que o primeiro suplente David Miranda, marido de Greenwald, assumisse o posto de deputado federal pelo PSOL.

Reprodução/redes sociaisWyllys na Times Square, em Nova York: palestras sobre fake news na política
Na terça-feira, 18, o apresentador de televisão Ratinho entrevistou o ministro da Justiça, Sergio Moro. Ao falar sobre Greenwald, Ratinho disse: “Esse jornalista é namorado de um deputado e comprou o mandato do deputado Jean Wyllys. Tudo isso eu recebi, não sei se é fake news. Recebi. Se for verdade, é muito maior do que a gente imagina, porque envolve outro país”. O apresentador se referia a um texto de origem anônima postado nas redes sociais que também foi repercutido pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, durante o depoimento de Moro ao Senado, na quarta. “Isso pode ser fake news, contrainteligência, pode ter algum respaldo. Enfim, as três alternativas são possíveis. É muito prematuro uma conclusão”, respondeu o ministro, evitando dar vazão ao boato da internet.

Wyllys disse que irá processar o apresentador por calúnia e difamação. Em sua coluna do UOL, publicada na quarta-feira, 19, culpou o presidente pelas suspeitas lançadas contra ele. “Jair Bolsonaro é o resultado último e, portanto, o responsável indireto pelas ações ilegais e antiéticas, logo, criminosas, perpetradas pelos protagonistas da Lava Jato – Sergio Moro e Deltan Dallagnol – e denunciadas pelo Intercept. E é o responsável indireto pelo fato de o apresentador Ratinho (Carlos Massa) durante sua entrevista com Moro, ter espalhado deliberadamente e com má-fé uma calúnia contra mim”, escreveu.

Elza Fiuza/Agência BrasilElza Fiuza/Agência BrasilDavid Miranda, do PSOL, com Glenn Greenwald, do Intercept
O antípoda de Bolsonaro também ataca os filhos do presidente. Na segunda, 17, ele mirou em Carlos Bolsonaro: “O filho do presidente teve todas as chances e meios de enfrentar a homofobia do pai e ser uma bicha como eu sou – orgulhosa de mim, inteligente, ativista e honrada, disposta a lutar por justiça social – mas optou por ser essa vergonhosa fábrica de fake news homofóbicas”.

Bolsonaro também tem um prazer especial em cultivar o ódio de Wyllys. Na quarta, 19, ele não só voltou a sugerir que o ex-deputado federal vendeu o mandato para o marido de Glenn Greenwald, como se referiu ao desafeto como “menina”. Wyllys respondeu no Instagram, com uma foto na Bélgica: “Bem menininha, fora do Brasil, na Bélgica, convidado para um fórum de ativistas, parlamentares e intelectuais”. Para completar, usou a hashtag #LuteComoUmaMenina.

Na verdade, Jean Wyllys ligou-se de tal maneira a Bolsonaro que só existe politicamente em função do presidente, como antípoda. Apoiado por instituições estrangeiras, diz que voltará ao Brasil quando o atual governo acabar. Mas, quando isso ocorrer, talvez ele também perca a graça.

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