Reprodução/FacebookEntre os candidatos a liderar o Partido Conservador, Johnson é o que mais recebeu apoio entre os colegas de partido

Carismático e incendiário

Boris Johnson, o favorito para ser o novo primeiro-ministro do Reino Unido, promete fazer o Brexit na marra. Se vai conseguir, é outra história
07.06.19

Ex-prefeito de Londres e ex-ministro de Relações Exteriores do Reino Unido, Boris Johnson é o político mais bem posicionado para se tornar o novo líder do Partido Conservador e, por tabela, o primeiro-ministro do país. Na primeira etapa desse processo, os deputados conservadores escolherão os seus preferidos entre onze candidatos. Se Johnson for um dos dois finalistas, ele disputará uma eleição interna, em que poderão votar todos os 124 mil membros da agremiação. Nessa segunda fase, prevista para julho, a sua vitória seria certa. A maior parte dos filiados ao Partido Conservador acha que ele é a pessoa certa para sacramentar de vez o Brexit, a saída do país da União Europeia (UE). Na segunda-feira, 3, Boris lançou sua campanha com um vídeo nas redes sociais. “Se eu assumir o posto, vamos sair com ou sem acordo”, promete ele a um eleitor no filme. Na semana passada, o candidato ainda contou com um afago do presidente americano, Donald Trump. “Boris faria um bom trabalho. Ele seria excelente. Gosto dele. Sempre gostei”, disse Trump em entrevista ao jornal inglês The Sun. O presidente americano, que odeia a União Europeia, também prometeu assinar um grande acordo comercial com o Reino Unido, depois de consumado o Brexit.

A maior parte dos eleitores conservadores não pensaria duas vezes em votar em Boris Johnson. Em geral, eles se deixam encantar pela sua erudição e autenticidade. Johnson foi aluno colégio de elite Eton e estudou clássicos gregos na Universidade Oxford. Fala francês e italiano. Jornalista, escreve textos e discursos com naturalidade. Quando dá declarações, parece dizer o que pensa sem se conduzir pelas orientações de assessores. Seu comportamento excêntrico, para os padrão ingleses, como o costume de chegar atrasado a compromissos, e suas aparições circenses, como a de descer de uma tirolesa para fazer propaganda dos Jogos Olímpicos de 2012, o tornaram uma celebridade. “Como político, ele se sente compelido a tornar as coisas mais interessantes. Ele é um mestre do teatro da política. Vive o momento”, escreveu seu biógrafo Andrew Gimson, no livro “Boris, the Adventures of Boris Johnson”.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisBoris, à direita: “Um mestre do teatro da política”
Na vida privada, Johnson já teve diversas relações com mulheres casadas e troca de parceira com frequência. “Ele apenas acha que a monogamia é uma coisa estúpida e não civilizada”, disse uma de suas ex-mulheres ao seu biógrafo. Em 1993, Johnson se separou da primeira esposa para se casar, doze dias depois, com a advogada Marina Wheeler, com quem teve quatro filhos. No final do ano passado, aos 54 anos, ele deixou Marina para morar com Carrie Symonds, uma jovem de 30 anos que trabalhava no Partido Conservador.

Amado pelos eleitores, Johnson é visto com reservas pelos seus pares políticos. Entre os parlamentares, ele é considerado incendiário e pouco confiável. É visto como alguém excessivamente ambicioso e capaz de fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Daí ser chamado frequentemente de demagogo e populista. “Boris Johnson não seria o nome de escolha entre muitos deputados conservadores. Ele é tido como um político que quer desesperadamente ser primeiro-ministro, mas que carece de uma ideologia ou de uma visão clara, qualquer coisa que vá além da sua promessa de realizar o Brexit”, diz o cientista político britânico Roger Eatwell, da Universidade Bath. Até o momento, 48 parlamentares conservadores, de uma bancada de 313 integrantes, apoiam abertamente o seu nome para disputar a eleição interna para líder do partido. É pouco, mas ele é o nome que mais recebeu declarações favoráveis até agora.

Analistas gostam de compará-lo, por oposição, à ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, principal referência do Partido Conservador. Antes de assumir o cargo, em 1979, Thatcher tinha uma agenda clara para reduzir o tamanho do estado. Johnson, por sua vez, é uma incógnita. Se ganhar o posto, ele poderia até mesmo ir contra o legado liberal de seu partido. “Nos seus pronunciamentos mais recentes, ele se mostrou a favor de afrouxar as políticas de redução de impostos e aumentar o gasto público em saúde, educação e segurança”, diz o cientista político britânico Richard Hayton, da Universidade de Leeds. “Johnson está menos à direita do que outros candidatos do Partido Conservador.”

A fama de pouco confiável vem principalmente de sua decisão repentina de apoiar a saída da União Europeia, em 2016. No tempo em que a palavra Brexit ainda não tinha se cristalizado no linguajar popular, Johnson afirmava que não pretendia ser um “outer” – alguém a favor da retirada do bloco. Havia até mesmo um acerto entre ele e o então primeiro-ministro David Cameron, pelo qual Johnson se tornaria chanceler após a vitória da opção por ficar no bloco. Em fevereiro de 2016, quatro meses antes do plebiscito, Johnson pegou todos de surpresa ao anunciar que apoiaria a saída da UE. Cameron ficou furioso. Nas semanas seguintes, Johnson viajou por várias cidades do país em um ônibus vermelho de dois andares. “Nós mandamos 350 milhões de libras por semana para a União Europeia. Em vez disso, vamos investir no sistema de saúde”, dizia uma frase na lataria do veículo (na semana passada, uma juíza afirmou que irá chamá-lo para uma audiência por ter divulgado informações falsas com essa mensagem).

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisO ônibus com a frase, em 2016: “Nós mandamos 350 milhões de libras por semana para a União Europeia. Em vez disso, vamos investir no sistema de saúde”
Outra mudança de postura foi com relação à imigração. Johnson tem ancestrais turcos, nasceu em Nova York e cresceu em Bruxelas, filho de um funcionário – surpresa, surpresa – da então Comunidade Europeia. Enquanto foi prefeito de Londres, entre 2008 e 2016, enxergava a atração de talentos estrangeiros como um dos motores da economia. Em uma cidade cosmopolita em que a população é majoritariamente de esquerda e inclinada ao Partido Trabalhista, ele se vendeu como alguém a favor de integrar legalmente imigrantes clandestinos. “Sou pró-imigração, meus amigos. Tenho orgulho de ser descendente de imigrantes turcos e vou mais além: não sou apenas pró-imigração, como a favor de uma anistia para os imigrantes ilegais que vivem aqui há mais de 12 anos”, disse ele. Na campanha do Brexit, em 2016, Johnson assumiu a missão de retomar o “controle” do país, algo que a maior parte dos seus seguidores entendeu como um pedido pela fechar os postos de fronteira. Em 2018, dois anos após o plebiscito, ele escreveu uma coluna no jornal Daily Telegraph comparando mulheres que usam burca com caixas de correio.

Na política, a capacidade de adaptação é muitas vezes uma necessidade que permite a formação de consensos. Com Boris Johnson, as guinadas parecem ter ido longe demais, a ponto de gerar resistência entre seus colegas. “Boris Johnson pode mudar à vontade, pois ele sempre foi capaz disso. O maior problema para ele é que o Parlamento continuará o mesmo”, diz o historiador britânico Matthew Cole, da Universidade de Birmingham.

No Partido Conservador, muitos deputados apoiaram a permanência do Reino Unido na União Europeia em 2016. Para eles, a obsessão de Boris Johnson em conseguir um Brexit de qualquer jeito pode enfraquecê-los em suas bases eleitorais. Alguns de seus pares já ameaçaram renunciar caso ele se torne primeiro-ministro. Outros criaram um grupo dentro do partido, o One Nation, que se diz a favor de uma saída negociada com a UE e contra o nacionalismo exacerbado. Mas Johnson segue inabalável. Em uma sabatina promovida pelo One Nation na terça-feira, 4, ele afirmou que todos devem se preparar para a eventualidade de uma saída sem acordo da União Europeia. “Se adiarmos o Brexit, nosso partido se aproximará da extinção”, disse Johnson. “Nós não seremos perdoados se não entregarmos o Brexit no dia 31 de outubro.”

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisNo Parlamento inglês, o acordo do Brexit apresentado pela primeira-ministra Theresa May já foi rejeitado três vezes
Entre parlamentares de outros partidos, Johnson teria um problema ainda maior pela frente, caso venha ser primeiro-ministro. Liberais-democratas, verdes e integrantes do Partido Nacional Escocês (SNP) são contra o Brexit. A chance de um acordo com os trabalhistas é improvável. As trocas de farpas entre Johnson e o líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, são frequentes. “Vamos garantir que Jeremy Corbyn e sua corja de marxistas antissemitas e defensores do cripto-comunista Hugo Chávez e apologistas do Kremlin nunca cheguem perto das chaves de Downing Street”, disse ele no final de maio, em referência à casa do primeiro-ministro. Corbyn, neste momento, age para que o Partido Trabalhista se torne mais refratário ao Brexit, em consonância com o eleitorado mais jovem, que é pró-Europa.

A promessa de Johnson de sair da União Europeia com ou sem acordo é uma bravata. Em março, o Parlamento votou contra a hipótese de um “Brexit duro”. “Do jeito que as coisas vão, essa opção seria fortemente rejeitada pelo Parlamento. Se Johnson insistir nisso, os deputados poderiam votar uma moção de censura e convocar novas eleições”, diz Richard Hayton, da Universidade de Leeds. A Europa aguarda ressabiada o que os ingleses – esses neuróticos – vão decidir.

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