ReproduçãoMédicas cubanas com o ditador Nicolás Maduro: maior parte dos casos de assédio ocorreu na Venezuela

As escravas cubanas

As histórias das médicas que sofreram assédio no exterior, foram negociadas como objetos sexuais e silenciadas quando pediram ajuda
23.05.19

Quatro em cada dez médicos cubanos que participaram de missões em outros países sofreram ou testemunharam abusos sexuais. O dado consta na denúncia que as ONGs União Patriótica de Cuba e Defesa dos Prisioneiros Cubanos apresentaram ao Tribunal Penal Internacional em meados de maio. A partir dos depoimentos de 46 profissionais que integraram programas em 10 países, essas duas entidades acusam os ditadores Raúl Castro, Miguel Díaz-Canel e outros quatro membros do governo comunista de crimes contra a humanidade e escravidão.

Crusoé conversou por telefone com quatro cubanas que teriam sofrido abusos em programas de saúde do governo cubano no exterior. Segundo elas, na Venezuela, a violência começa assim que os cubanos desembarcam. No aeroporto de Maiquetía, perto da capital Caracas, os médicos que chegam são solicitados a formar fila única. Então, um dos coordenadores seleciona algumas mulheres, que ficam em um local apartado. “Ele separava as pessoas sem qualquer explicação, mas todo mundo logo percebeu que o que ele estava fazendo era pegar as mais bonitas”, disse uma cubana que pediu para ser identificada como Mercedes.

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Do aeroporto, os profissionais são enviados para dezenas de cidades com o objetivo de prestar atendimento à população. O critério de seleção, novamente, depende do gosto dos chefes. “Aquelas das quais eles gostam mais são acomodadas em Caracas e nas grandes cidades. As mais velhas ou que não são atraentes acabam nos lugares mais distantes e pobres”, disse outra médica, Reina, que também pediu para ser citada sob nome fictício.

Assim que são assentadas nas cidades de destino, as médicas sofrem investidas dos superiores. “Meu chefe de missão era o ser mais asqueroso da Terra. A todo momento ele falava grosserias e me chamava para fazer sexo. Tudo o que aconteceu de mal comigo depois foi porque eu recusei as suas propostas indecentes. Eu não quis ser a amante dele”, disse Reina. Em poucos dias, ela foi enviada para um povoado pequeno, perto da fronteira com o Brasil, onde não havia sequer sinal de telefone.

Reina passou a morar em um casebre isolado, juntamente com outra cubana. Um dia, ela notou que a porta de alumínio da entrada tinha sido arrombada e comunicou o ocorrido. Seu superior respondeu que não havia o que fazer. Na noite seguinte, dois homens mascarados e armados com pistolas entraram por um buraco no teto do banheiro e a estupraram. Sua colega, na cama ao lado, foi ameaçada de morte e teve de se calar. Como Reina passou a chorar muito nos dias seguintes, ela foi levada para Caracas, onde passou a ser atendida por uma psicóloga. “Ela não me ajudou em nada. Só disse que eu tinha tido sorte porque os dois mascarados não me espancaram.”

Assim que chegou à Guatemala, Miriam, que também pediu anonimato, começou a atender um engenheiro muito rico, que ela visitava de carro na companhia do chefe da missão. Uma vez, quando estava dentro do veículo, ele lhe disse que o paciente tinha uma queda por cubanas. Se ela aceitasse ter relações com ele, poderia ter uma condição de vida muito melhor e não precisaria mais trabalhar em vilas de difícil acesso. Enquanto conversavam, os dois eram seguidos por uma camionete com homens armados. Miriam se negou. O chefe, contudo, passou o número de telefone dela para o engenheiro, que começou a ligar para a cubana com insistência. “Acho que meu superior recebia dinheiro desse homem. Ele vivia muito bem e chegou a comprar um carro. Seu objetivo era o de me convencer a ter relações com esse senhor”, diz Miriam.

Uma vez que as tentativas não progrediram, o dirigente avisou que Miriam passaria a ser tratada como uma “possível desertora”. Como punição, ela foi enviada para trabalhar em uma comunidade indígena distante, onde ficou por dois anos. O engenheiro, como ela viria a saber depois, era um narcotraficante procurado pelo Exército que mais tarde se envolveu com outra cubana. “Sempre que novas médicas chegavam à Guatemala, elas eram oferecidas para ele”, diz Miriam.

Ao sofrer essas violências, as cubanas reagiram de formas variadas. Em um único caso entre as entrevistadas por Crusoé, a doutora alertou imediatamente as autoridades do país em que estava trabalhando, o que levou o embaixador cubano a acionar seus contatos para que ela fosse deportada. A maioria não pensou em fazer isso, justamente por medo de serem enviadas de volta para Cuba. “Se eu retornasse para a ilha, passaria a sofrer represálias dos Comitês de Defesa da Revolução, que poderiam atingir também minha família”, diz Miriam.

As médicas também foram desencorajadas pelos colegas a noticiar os casos para os dirigentes com cargos mais altos nas missōes. A explicação: os chefes, quase todos homens, são muito amigos entre si. Formam uma espécie de clube machista em que todos se protegem. Nas missões ao exterior, dizem, quase todos têm amantes médicas e nenhum deles jamais foi sancionado por causa de abusos entre seus comandados. Em todos os casos em que relataram seus problemas aos superiores diretos, a resposta que receberam foi a de que nada poderia ser feito e que elas deveriam guardar silêncio.

As quatro médicas cubanas entrevistadas também afirmaram que, no exterior, elas não gozam de direito algum. Uma profissional que foi trabalhar na cidade de Penedo, em Alagoas, reclamou que não queria ficar com outros homens na mesma moradia. Foi imediatamente levada para Cuba. “Onde eles nos mandavam, nós tínhamos de ir. Eles eram os nossos donos”, diz Reina. Na Venezuela, ela foi forçada a morar com onze mineiros, que estavam sempre bêbados. Uma noite, precisou fugir da casa para não ser atacada. Nos finais de semana, Reina ainda tinha de participar de festas.Todos os encontros terminavam em bebedeira. Depois, ela era obrigada a arcar com parte dos custos.

Arquivo PessoalArquivo PessoalA cubana Yarennis Rodríguez, que integrou o Mais Médicos em Batalha, no Piauí: sem direito a licença-maternidade
É fato que na Cuba comunista não há qualquer tradição de luta por direitos das mulheres “Meu país é eminentemente machista. Não havia como nós brigarmos por coisas assim”, diz Reina. No exterior, longe de familiares e amigos, a condição das mulheres fica ainda mais frágil. A cubana Yarennis Rodríguez comunicou a seus chefes que estava grávida quando já atendia brasileiros no município de Batalha, no Piauí. Ouviu como resposta que deveria voltar para Cuba ou assumir as consequências. “Eles deixaram claro que eu não teria licença-maternidade”, diz Yarennis. “Tive de trabalhar até um dia antes da cesárea. E eles ainda queriam que eu voltasse ao posto de saúde trinta dias depois.”

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