A jogada de Cristina
Em um vídeo emotivo de treze minutos postado nas redes sociais no sábado, 18, a senadora e ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, comunicou uma decisão inesperada. “Pedi para Alberto Fernández que encabece a chapa que integraremos juntos. Ele como candidato a presidente e eu como candidata a vice”, disse ela. A incongruência de uma candidata a vice anunciar uma chapa que ela mesma criou não escapou a nenhum argentino. Todos sabem que, no fundo, ela mandará nele. Nas pesquisas eleitorais feitas após o anúncio, a dupla Cristina-Alberto ou, corrigindo, Alberto-Cristina, aparece com 41% das intenções de voto, dez pontos percentuais acima da do atual presidente, Mauricio Macri. O risco de uma volta de Cristina – que comandou o país por dois mandatos com arrogância, atacou a imprensa e o Judiciário, destruiu as finanças públicas, maquiou dados de inflação, apoiou os ditadores da Venezuela e fez acordos para encobrir terroristas iranianos – nunca pareceu tão real.
Com seu lance surpresa, Cristina busca atrair aliados no âmbito do peronismo, que deve apresentar três candidaturas para as eleições de outubro. “Eu disse a eles na sede do Partido Justicialista (peronista). Os líderes devem deixar de lado as ambições pessoais e as vaidades, e eu estou disposta a contribuir a partir do lugar em que eu possa ser mais útil”, disse ela no vídeo. Assim que a chapa foi anunciada, Alberto Fernández, conhecido por seus dotes de articulador político, começou a se aproximar de governadores e dirigentes peronistas. “Cristina pode ter reconhecido que talvez não tenha votos suficientes para ganhar. O que ela fez foi mandar um gesto ao peronismo e tentar trazer mais nomes para o seu lado. Alberto poderia até funcionar como uma moeda de troca e deixar a chapa mais adiante”, diz o cientista político argentino Patricio Giusto, diretor da consultoria Diagnóstico Político, em Buenos Aires.
Na terça-feira, 21, Cristina compareceu pela primeira vez ao tribunal para ouvir a acusação de que ela orquestrou uma organização criminosa. Segundo os promotores, ao assumir a presidência no final de 2007, Cristina manteve o esquema de corrupção montado pelo seu marido, Néstor Kirchner. Da Casa Rosada, ela ordenou que seus ministros direcionassem licitações em favor da firma Austral, de Lázaro Báez, para realizar obras viárias. A província de Santa Cruz, de Néstor e Cristina, foi a mais beneficiada pelas licitações. Os projetos quase sempre foram entregues fora do prazo e receberam recursos, em média, 65% acima do previsto. Valores extras recebidos por Báez foram depois remetidos para Cristina e seus filhos, Máximo e Florencia, por meio do aluguel de propriedades e de hotéis da família presidencial.
Assim que Cristina deixou o tribunal, outro juiz começou a tomar as providências para mais uma citação. Ela está sendo acusada de ocultação, destruição ou exportação ilegal de documentos históricos. No ano passado, uma busca policial em sua casa na Patagônia encontrou uma carta do libertador do pais, José de San Martín. O documento histórico tinha sido doado para a Biblioteca Nacional do Chile em 1979 e desapareceu dois anos depois. Quando a carta reapareceu, Cristina disse que a tinha recebido de presente do presidente russo Vladimir Putin em 2015.
Mas não é a Justiça, e sim a economia, o que mais deve pesar na balança eleitoral. Para quase 40% dos argentinos, o maior problema é a inflação, que nos últimos doze meses está em 50%. A corrupção, que tem Cristina como principal símbolo, só é citada por 15%. Em economia, Macri não tem bons números para mostrar, ainda que tenha adotado a receita correta. O presidente reduziu os gastos públicos para tentar zerar o déficit fiscal este ano, mas será difícil bater a meta. O PIB caiu 2,5% no ano passado e este ano deve ter nova contração. A pobreza passa de 30%. Os números elevaram a desaprovação do presidente para 67%, uma barreira e tanto para qualquer pretensão eleitoral.
A grande dificuldade de Macri é que suas medidas, que demoraram algum tempo para serem realizadas, não terão resultados tão cedo. Neste ano, espera-se que a inflação mensal baixe de 4% para 2%. “Macri conseguiu estabilizar o câmbio, o que o ajudará a controlar a inflação. Não estamos falando de uma situação catastrófica como a que aconteceu na crise de 2001”, diz o economista argentino Roberto Luis Troster. Para que suas decisões possam produzir um aquecimento da economia, com geração de empregos, seria preciso mais tempo. Além disso, a política tem nublado o horizonte. “Há muita incerteza sobre o que aconteceria em um mandato de Cristina”, diz outro economista portenho, Juan Luis Bour. Segundo ele, o receio de um retorno do kirchnerismo tem feito empresários segurarem os investimentos. O apetite para comprar bônus de dívidas emitidos pela Argentina diminuiu, com medo de uma nova moratória. “A incerteza política matou a recuperação que poderia ocorrer este ano”, diz Bour.
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