A grande derrota de Lula
Ciro Gomes foi para a Europa e voltou esnobando os petistas. Manuela d’Ávila provavelmente verá o PCdoB sumir, absorvido pelo PSB ou o PDT. Guilherme Boulos teve pouco mais de 600 mil votos pelo PSOL. Menos ainda do que Marina Silva, considerada uma terceira via em 2014, mas que, em 2018, foi a escolhida de não mais que 1 milhão de eleitores no primeiro turno. E para culminar, Fernando Haddad perdeu a eleição para um candidato que não tinha tempo de TV, partido estruturado, apoio de formadores de opinião e currículo de gestor.
Tudo deu errado nas eleições presidenciais de 2018 para a esquerda – e, especialmente, para Luiz Inácio Lula da Silva. De dentro da cela onde cumpre pena na Polícia Federal em Curitiba, o ex-presidente arquitetou o esvaziamento da aliança com PSB e PDT que faria de Ciro o nome para unir a esquerda em 2018. Manteve até onde pôde o discurso de que iria se candidatar a presidente, mesmo condenado em segunda instância. Quando não era mais possível, lançou Haddad.
De derrotado no primeiro turno ao tentar se reeleger prefeito de São Paulo, Haddad passou para o segundo turno na campanha presidencial, catapultado como “o candidato de Lula” — e, no segundo turno, tentou descolar-se da imagem do presidiário, para tentar vencer o antipetismo, numa das estratégias mais esquizofrênicas da história da democracia brasileira. Foi nessa etapa da eleição que chegou a conta das articulações do líder petista de quem o candidato herdou os votos. O PDT de Ciro Gomes declarou “apoio crítico” ao petista e o próprio Ciro exercitou esse apoio de longe — praticamente nenhum –, viajando para o exterior. Deixou no Brasil o irmão Cid, senador eleito pelo Ceará, para comprar briga com os petistas no Ceará em um evento destinado em teoria a apoiar Haddad. Cid pregou a necessidade de autocrítica do PT. Ouviu vaias e gritos de “Lula” em resposta e subiu o tom: previu a vitória de Bolsonaro e soltou a frase que talvez tenha sido a mais memorável desta campanha: “Lula tá preso, babaca”.
“Enquanto os intelectuais discutem banheiro misto, o Brasil tem 60 mil assassinatos por ano”, reclamou à Folha de S. Paulo um eleitor de Jair Bolsonaro, numa reportagem que reuniu apoiadores do capitão reformado, publicada no dia 24 de março deste ano, explicando a opção pelo candidato do PSL. Na mesma edição dominical, o cientista político americano Mark Lilla alertava em entrevista que, para voltar a vencer eleições para o Executivo, a esquerda tinha de abandonar as políticas voltadas para promover grupos minoritários, voltando-se a causas mais amplas para os trabalhadores. Professor da Universidade Columbia e de esquerda, Lilla passou a ser odiado por seus pares intelectuais ao defender essa tese em um artigo no jornal The New York Times, em 2016. Publicado dez dias depois da derrota de Hillary Clinton para Donald Trump, tornou-se o mais lido da página de opinião do jornal americano naquele ano.
Com intelectuais preocupados com banheiro misto e militantes preocupados em manter o banheiro privativo do seu líder presidiário, o PT e suas linhas auxiliares se desconectaram da realidade brasileira e dos princípios da maioria dos cidadãos do país. Contem a Mark Lilla sobre a derrota de Lula. E contem também que um oligarca do Ceará quer assumir a liderança da esquerda brasileira, no lugar do ex-operário preso por corrupção e lavagem de dinheiro. Talvez ele escreva um bom artigo a respeito. Mas o que os petistas aguardam com ansiedade é outro texto: a sentença de Sergio Moro para Lula, no caso do sítio de Atibaia.
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