MarioSabino

Sou uma lagosta

10.05.19

O STF, aquele tribunal que resolveu censurar o milenar, saudável e democrático hábito de se falar mal do chefe, só contrata bufê que serve lagosta. Não gosto de comer lagosta, assim como não gosto de beber champanhe. Sou mais chegado a moules et frites (come-se com as mãos), acompanhado de cerveja ou vinho branco decente (são poucos). Mas li em 12 Regras para a Vida – Um Antídoto para o Caos, do psicólogo canadense Jordan Peterson, que devo inspirar-me nas lagostas vitoriosas, “com seus 350 milhões de anos de sabedoria prática”, para levantar a cabeça, manter as costas eretas e ombros para trás.

Longe de mim querer ridicularizar Peterson, um homem corajoso que resolveu peitar as idiotices politicamente corretas e, com isso, atraiu o ódio e a intolerância da esquerda universitária. Comparado ao dele, o meu QI é de ostra. Estou realmente fascinado com o exemplo das lagostas. Um crustáceo desses é capaz de calcular a chance de vencer ou não uma luta com um semelhante, lançando sobre o rival uma substância que contém informações sobre o seu tamanho, sexo, saúde e humor e recebendo igualmente um banho de dados do outro lado. Antes disso, a lagosta “começará a dançar como um boxeador, abrindo e fechando suas pinças abertas, movendo-se para trás, para a frente e para os lados, imitando seu oponente”. Substâncias lançadas uma contra a outra, cada lagosta avalia se parte para cima da desafiante ou cai fora da briga. Quando o combate ocorre, o resultado para a perdedora pode ser a morte literal, com um pedaço do seu corpo sendo arrancado pela vencedora, ou uma espécie de morte psíquica. Diz Peterson: “Se uma lagosta dominante for seriamente derrotada, seu cérebro praticamente se descontrói. Então, um novo cérebro, de subordinado, surge – um mais apropriado para sua nova posição, inferior”.

A nossa neuroquímica básica é a mesma de uma lagosta. De acordo com Peterson, “aquelas em posições inferiores produzem níveis baixos de serotonina. Isso também é válido para seres humanos em posições inferiores (e esses níveis baixos caem mais a cada derrota)”. O contrário ocorre com as lagostas dominantes. Evidentemente, no caso dos seres humanos, não se trata de colocar antidepressivos na água dos reservatórios, para elevar os níveis de serotonina no cérebro de todo mundo, numa espécie de distribuição socialista do neurotransmissor da satisfação pessoal. Mas, como já dito, de levantar a cabeça e manter as costas e ombros para trás, pois adotar uma postura mais altiva “não é algo somente físico pois você não é apenas um corpo. Por assim dizer, você também é um espírito – uma psique. Levantar a cabeça fisicamente também significa, evoca e demanda erguê-la metafisicamente”. (Vou usar esse argumento para tentar convencer o meu filho adolescente a sentar-se direito.)

Em resumo, com a atitude de uma lagosta dominante, você poderá até ser uma lagosta perdedora, mas aceitará “o fardo da terrível responsabilidade da vida com os olhos bem abertos” e “o fim do paraíso inconsciente da infância, em que a finitude e a mortalidade são apenas vagamente compreendidas”, diz Peterson. Trata-se de encorajar “a serotonina a fluir plenamente através dos caminhos neurais, sedentos por sua influência calmante”. Arthur Schopenhauer assinaria embaixo, creio eu, embora não tivesse conhecimento da química cerebral. Em A Arte de Ser Feliz, que conta com 50 regras para a vida, bem mais concisas do que as 12 do psicólogo canadense, o filósofo alemão recomenda evitar a inveja. Para colocar nos termos de Peterson, uma lagosta perdedora jamais será feliz se invejar uma lagosta dominante. Inveja provavelmente impede a serotonina de fluir livremente pelos caminhos neurais. Reconhecer e aceitar os seus próprios limites, portanto,são essenciais. Como diz Schopenhauer, você não deve apenas saber o que quer, mas saber o que pode fazer. Seja a lagosta possível.

Na gradação das lagostas, acho que sou um crustáceo relativamente atrevido. Procuro manter a cabeça alta e as costas e ombros para trás — e, assim, enfrentar outras lagostas que vivem lançando o seu líquido informativo sobre mim, a fim de mostrar que são maiores e mais fortes do que eu. Não sei até quando manterei os meus níveis de serotonina suficientemente adequados, depois de aceitar o fardo da terrível responsabilidade da vida e não fugir da briga, como faria um crustáceo ajuizado. Tenho a impressão de que, como lagosta, encontrarei a minha finitude e a minha mortalidade dentro de uma panela. Se esse for meu destino, espero estar vencido o suficiente para causar uma tremenda infecção alimentar nos poderosos que me almoçarem a custo de dinheiro público. Se não posso falar mal do chefe, que ao menos eu faça mal ao seu estômago.

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