LeandroNarloch

A esquerda contra a arte degenerada

12.06.20

Muito se fala hoje em dia sobre a “onda de autoritarismo” que “ameaça a democracia, a liberdade de expressão e os direitos individuais”. De fato, vivemos um pouco de tudo isso aí, mas a ameaça não vem dos populistas da direita, não vem só dos bolsonaristas mais obcecados. Vem da esquerda.

Tijolo por tijolo, a esquerda constrói um novo discurso contra a liberdade de expressão. Cada vez menos tolera, cada vez mais se sente ultrajada por opiniões contrárias. Censura filmes, protesta contra palestras em universidades, derruba estátuas de personagens do século 16 que não se comportaram conforme os valores do século 21. Interdita a opinião de quem não tem “lugar de fala”.

A reação ao assassinato de George Floyd nos deu diversos exemplos disso. O protesto legítimo e necessário contra o racismo e a violência policial acabou dando palco a cenas de uma idiotia de cair o queixo.

A HBO Max decidiu esta semana retirar “E o Vento Levou” do seu catálogo – justamente “E o Vento Levou”, que rendeu o primeiro Oscar a uma atriz negra, Hattie McDaniel. O filme deve voltar nas próximas semanas com um aviso alertando quanto a reprodução de estereótipos negros. Será que vão usar o termo “arte degenerada” nessa advertência?

Já a Paramount Network anunciou o cancelamento de “Cops” porque a série trataria a polícia com glamour. Eu nem conhecia o programa – agora fiquei com vontade de assistir.

Também esta semana, os “fascistas do bem” vandalizaram estátuas de Cristovão Colombo, Churchill e, no Brasil, do Padre Vieira. Lembram integrantes do Estado Islâmico destruindo ruínas romanas na Síria, mirando contra qualquer um que pareça pagão ou herege.

Um caso novelesco deixou evidente a diferença entre a nova esquerda, contrária a qualquer manifestação que possa abalar sua segurança emocional, e a velha esquerda, menos sensível e intolerante. Falo da guerra civil que aconteceu entre os jornalistas do New York Times.

Em 3 de junho, o jornal publicou um artigo de opinião do senador Tom Cotton, republicano do Arkansas, que defendia ação imediata da polícia contra manifestantes fora da lei. Diversos funcionários do jornal, principalmente os mais jovens, protestaram no Twitter: “Publicar esse artigo coloca os funcionários negros do New York Times em perigo”, disseram.

James Bennet, chefe da editoria de Opinião, enfrentou as críticas. Disse o óbvio: justamente porque os argumentos de senador Cotton eram perigosos que mereciam escrutínio público e debate.

“A Velha Guarda progressista do jornal acreditava dividir a mesma visão de mundo dos jornalistas esquerdistas mais jovens. Mas estava errada”, escreveu no Twitter outra editora de opinião do NYT, a jornalista Bari Weiss. “A Nova Guarda tem uma visão diferente (…) na qual o direito de se sentir emocionalmente e psicologicamente seguro supera valores que antes eram considerados essenciais à esquerda, como a liberdade de expressão.”

Essa nova esquerda, ao lutar contra uma ameaça de fascismo e autoritarismo, é ela própria fascista e autoritária. Abafa vozes divergentes por medo dos que, segundo ela, estão prestes a abafar vozes divergentes. Diz defender a tolerância, mas humilha publicamente qualquer um que não seja seu espelho moral.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO