Adriano Machado/Crusoé

Ilusões perdidas

O senador Randolfe Rodrigues diz que a oposição erra ao insistir na libertação de Lula, defende mudanças nas regras da Previdência e reconhece que a eleição do amigo Davi Alcolumbre para a presidência do Senado dificilmente abolirá os maus hábitos da casa
17.05.19

Randolfe Rodrigues é hoje um dos conselheiros mais próximos de Davi Alcolumbre, o conterrâneo amapaense que, com a ajuda dele, se elegeu presidente do Senado. Os dois se conhecem desde a juventude. Ainda nos anos 1990, em Macapá, Randolfe costumava frequentar com o pai a loja de autopeças do pai de Alcolumbre. Não eram exatamente íntimos, mas se esbarravam regularmente, até em festas familiares — a irmã de um namorou um tio do outro. Na política, porém, sempre estiveram em lados opostos. Randolfe dava aulas de história e era ligado ao movimento estudantil. Alcolumbre dava seus primeiros passos na política à sombra de José Sarney, maranhense politicamente radicado no Amapá. Até que a situação começou a mudar no segundo turno da eleição para a prefeitura de Macapá em 2012.

Alcolumbre traiu Sarney e não apoiou o candidato do velho cacique naquele ano. Optou por ajudar o candidato do outro extremo, um aliado de Randolfe Rodrigues. A aliança local entre os dois senadores evoluiu. E se estendeu para Brasília. Randolfe foi um dos principais articuladores da eleição do amigo para a presidência do Senado. Na disputa, ao menos no papel, Alcolumbre se portava como o novo contra o notório Renan Calheiros. Nesta entrevista a Crusoé, Randolfe traça um quadro não muito colorido do que veio a seguir. O senador da Rede, de 46 anos, admite que a gestão do aliado está longe de suprir “grandes expectativas revolucionárias”. Também diz que o governo de Jair Bolsonaro tem se mostrado “anárquico”, critica a parcela da oposição que insiste na libertação de Lula e defende a necessidade de reformar a Previdência. Eis os principais trechos.

Por que Davi Alcolumbre, seu amigo e aliado político, até agora não mostrou nada de nova política em sua gestão no comando do Senado?
É preciso primeiro entender as circunstâncias da eleição do Davi. Foi o nome que se credenciou como o anti-Renan (Calheiros). Desde outubro, estava convencido que tinha espaço para derrotar o MDB, que comandava o Senado havia 30 anos. Outros nomes não viabilizaram a candidatura no tempo certo. Davi percorreu o Brasil, conversou com senadores. Só que a vitória dele foi a aliança de dois grupos. De um setor que representava a renovação, no qual me incluo, com outros parlamentares da esquerda à direita. E de outro setor que é uma espécie de Centrão do Senado. Hoje o Davi tem que atuar em relação a esses dois setores que o elegeram. Haverá sempre essa queda de braço entre nós e esse Centrão. Por vezes, nós, que representamos a renovação, ganhamos essa queda de braço.

Essas vitórias têm aparecido pouco, não?
Tem momentos que a gente não consegue. Mas, às vezes, sim. Tem uma coisa que tem funcionado no Senado e que não funcionava em outras épocas que é o colégio de líderes. Há debate. Contratos de alto valor estão sendo revistos. Eu gostaria de avançar muito, mas não tenho grandes expectativas revolucionárias aqui. Se minimamente a gente conseguir organizar republicanamente a instituição do Senado, garantir mais transparência e democracia, já é luz de lamparina na noite dos desgraçados.

A promessa de instituir o voto aberto em todas as votações da casa, por exemplo, não avançou.
Façamos justiça. Tem que haver um acordo no colégio de líderes para que isso possa ir ao plenário.

Na fraude na eleição para a presidência, houve uma operação abafa e o caso está parado até hoje.
É. Teve. Mas vamos tratar concretamente. A responsabilidade não é só do presidente. Vários personagens ajudaram para que isso ocorresse.

E a CPI da Lava Toga, que foi enterrada?
Ainda não foi enterrada. Tenho esperança. Tivemos divergências aí. E houve um papel fundamental de alguns integrantes do STF, notadamente do presidente atual (Dias Toffoli) e dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Cabe a cada um ceder ou não ceder às pressões. Alcolumbre não estaria cedendo além da conta?
Eu diria que o saldo ainda está em balanço porque temos avanços em alguns aspectos. Mas, sim, tem outros aspectos em que a gente não consegue avançar. Eu procuro disputar os rumos aqui do Senado porque fiz parte da condução que levou à vitória do Davi. Poderia ir por um caminho mais cômodo e confortável que era entregar de vez para o outro lado. Eu prefiro disputar posições aqui dentro.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Teve (operação abafa no caso da fraude). Mas a responsabilidade não é só do presidente”
Para o sr., que se declara um político de esquerda, a aliança com Alcolumbre, do DEM, não soa contraditória?
Sabe o que aprendi na vida? Ter firmeza de princípios e flexibilidade na tática. Foi o povo amapaense e o destino que aproximaram duas lideranças políticas da mesma faixa etária, eu e Davi, para uma renovação do ambiente político no Amapá. Nos unimos para derrotar o sarneysismo. O Davi era um político jovem identificado com o que nós representávamos.

Que leitura o sr. faz do governo de Jair Bolsonaro?
O governo é contraditório, confuso. Anárquico é a palavra mais certa. Não tem unidade de ação. Tem muitos núcleos que não se conversam. Um que comanda lá da Virgínia, nos Estados Unidos, com um astrólogo (refere-se ao escritor Olavo de Carvalho), que por sua vez é a referência política do chefe do Itamaraty (Ernesto Araújo), do ministro da Educação (Abraham Weintraub) e dos filhos do presidente. Esse núcleo confronta abertamente o núcleo militar. Chegou ao absurdo de atacar uma das mais importantes referências das Forças Armadas, que é o general Villas Bôas (ex-comandante do Exército, atual assessor especial no Gabinete de Segurança Institucional), que foi aviltado, ofendido da pior forma pelo astrólogo virginiano. E o presidente, em vez de solidarizar com ele, teceu loas ao Olavo de Carvalho instantes depois de ele ofender o general.

O que pode resultar desse embate?
Os militares têm que refletir. Nunca foram tão ofendidos quanto agora. Nunca. Nem nos governos do PT, nem no governo Fernando Henrique Cardoso. Sempre se respeitou a hierarquia militar. O presidente Bolsonaro nesse episódio envergonhou, aviltou as Forças Armadas na condição que ele tem de comandante em chefe.

Caiu por terra a expectativa de que seria um governo tutelado pelos militares?
Os militares de certa forma se tornaram fator de estabilidade no governo. Se não fossem os militares, estaríamos em uma aventura na Venezuela, uma aventura que rompe completamente nossa tradição diplomática. Nesse contexto, o vice-presidente Hamilton Mourão tem capacidade muito maior de diálogo que o próprio presidente. Os militares têm de refletir até onde vão aceitar tanto desaforo, tanta esculhambação. Se vale a pena ficar num governo sendo ultrajados por um cara que manda ordens e nem mora no Brasil. E eles têm que tomar cuidado para não serem levados pelo fosso da rejeição popular juntamente com o governo.

A oposição repetiu por muito tempo o discurso de que Bolsonaro representaria um risco à democracia. O sr. compartilha dessa visão?
Muito se especulava nas eleições que o governo seria autoritário. Ao contrário do que se pensava, é um governo que não tem autoridade. Quando governo não tem a autoridade emanada da Constituição, transforma-se em anarquia. Vejo, sim, medidas que comprometem a democracia, mas o governo é tão incompetente que não consegue ameaçar as instituições. É descoordenado, sem rumo, e não respondeu ainda aos graves problemas brasileiros. O desemprego aumentou e estamos já há mais de 120 dias de mandato. Tem pelos menos 600 mil novos desempregados que são da conta desse governo. Daqui a pouco haverá quase 1 milhão.

Até há pouco, se dizia que a criação de dois novos ministérios poderia melhorar a relação do governo com o Congresso. Isso é algo possível?
Não acredito em melhora na relação. Você conhece o Centrão. Eles são insaciáveis. Não se ajusta o Congresso com dois ministérios. Daqui a pouco vai ter que abrir mais espaço para eles. A criação dos dois ministérios e a destinação dos dois ao Centrão serve apenas para nos apresentar o diagnóstico. É a primeira sinalização de que o governo já está caindo nos braços do fisiologismo.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Quando governo não tem a autoridade emanada da Constituição, transforma-se em anarquia”
Mas não é um movimento que pode ser visto como início de um diálogo?
Não. Porque ao mesmo tempo que abre diálogo com Congresso também apresenta a maior ofensa já vista ao Legislativo, com a edição do decreto que flexibiliza o porte de armas. O decreto é uma ofensa ao Congresso. Na prática, ele revogou uma lei aprovada pelos parlamentares.

Essa articulação não ajuda a aprovar a reforma da Previdência?
Bom, quero partir do seguinte princípio: não sou contra a reforma, sou contra essa reforma. Não sou favorável a uma reforma que amplia idade mínima dos aposentados rurais, que na prática acaba com o Benefício de Continuidade Continuada (BPC). Tem uma reforma alternativa que queremos debater aqui. Tínhamos que discutir, por exemplo, o imposto sobre herança, que no Brasil é de 5% a 8% e nos países desenvolvidos chega a 40%. Se aumentássemos para 15%, 20%, teríamos pelo menos 300 bilhões de reais desse 1 trilhão que o ministro (da Economia), Paulo Guedes, está propondo. Precisaríamos ainda ampliar a tributação do topo do serviço público.

Mas o espírito geral da reforma é de atacar os privilégios, inclusive de parlamentares.
Quando eu tomei posse, minha primeira atitude foi não aceitar a aposentadoria do Senado. Eu renunciei a esse instituto. Nem Paulo Guedes nem ninguém pode me acusar disso. Mas Paulo Guedes não enfrenta esse tipo de coisa. Só os próximos parlamentares perderão esse benefício. Também não concordo com a capitalização (regime que cria uma espécie de poupança individual). Onde a capitalização ocorreu, ela caminha para ser revista. Também não concordo com a ampliação da idade mínima para militares, professores e trabalhadores rurais.
A oposição ainda não apresentou uma proposta de reforma da Previdência.

Apresentará?
Ainda estamos analisando como a reforma saiu da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Oposição não é só criticar e jogar pedra, é ter responsabilidade. O que seria do Brasil se o presidente tivesse assinado decreto das armas e não tivesse nenhuma oposição para ir ao Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar o decreto? Oposição tem que propor, tem que ter responsabilidade com o país. E inclusive, em alguns momentos, aquiescer. Veja, sou da oposição, mas encaminhei a votação para que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, ficasse no Ministério da Justiça, enquanto parte do governo ou parte dos que vão entrar no governo com o acordo de novos ministérios votaram diferente. Votei contra limitar poder de investigação de auditores da Receita. Tem aspectos do pacote do ministro Sergio Moro, como a criminalização do caixa 2, que nós, deste setor da oposição do qual faço parte, apoiamos. Por outro lado, como oposição, não aceitamos corte de dinheiro de 30% para universidades públicas e não aceito dar uma arma para cada brasileiro.

A oposição está fragmentada. É possível que ela se una?
Nos unimos em temas. Estivemos juntos, por exemplo, na votação para que a Funai ficasse na Justiça e para que a demarcação de terras indígenas ficasse na Justiça.

Por que a oposição não gira mais em torno exclusivamente do PT?
Se você estivesse me entrevistando há dois anos, eu diria que o fracasso do PT levaria todos os setores progressistas do país a uma fragorosa derrota na eleição de 2018. Fui motivo de piada no PSOL e no PT por essa avaliação, e o que eu disse acabou acontecendo. Não sou profeta, mas aquilo estava anunciado. Foi o que criou a semente fértil do bolsonarismo.

Por quê?
Ao passo que o PT se distancia da bandeira do combate à corrupção e se alia com setores mais atrasados, conservadores da política e identificados com a corrupção, a sociedade brasileira não ia seguir nessa nave e acabou mesmo indo para outro caminho. Há dois anos eu dizia que o PT precisava de autocrítica. Hoje não espero isso do PT. Eu quero é construir um programa alternativo. Nós aqui temos um bloco parlamentar com Cidadania, PDT, PSB e Rede. Estamos construindo um caminho alternativo para o Brasil. Pontualmente, em vários temas estaremos juntos com o PT. Mas em muitos, não. Porque o PT não quer fazer autocrítica dos seus erros.

O que acha da insistência do PT com o “Lula Livre”?
Eu acho que é um erro tremendo levar os problemas do país para uma palavra de ordem, seja “Lula Livre” ou “Lula Preso”. E é outro erro tremendo querer levar a oposição do país para essa palavra de ordem. Um erro crasso. O povo brasileiro, o cidadão, quer uma oposição que fale do desemprego. Que se levante contra a retirada de direitos de indígenas, contra o decreto de armas. Isso tem que ser a agenda. Levar toda a oposição para um grito de ordem, a fim de atender a uma vaidade pessoal ou a um tema quase messiânico, não dá. E é preciso entender ainda que toda vez que se leva para esse debate, o bolsonarismo, como contraface da mesma moeda, cresce. A gente tem que apontar as contradições do bolsonarismo, a ameaça a direitos individuais, a aliança com o Centrão, a metamorfose desse governo que começar a ter cara de velho.

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