Querem hackear o Brasil

21.06.19
Ana Paula Henkel

“Carwash”. É assim que aqui nos EUA as pessoas se referem à operação contra a corrupção mais bem-sucedida da história do Brasil e provavelmente de qualquer democracia. Os esquemas de propinas desmontados pela operação Lava Jato e a queda de grandes políticos e empresários que sempre tiveram a certeza de que o braço da lei jamais os alcançaria deixam até o mais estoico dos americanos de boca aberta. O império da lei que tanto vemos em séries e filmes americanos – o Rule of Law nos EUA, princípio de que todas as pessoas e instituições estão sujeitas e são responsáveis perante a lei – finalmente saiu das telas de Hollywood e dos sonhos dos brasileiros e aterrissou no Brasil.

Você já parou alguma vez e pensou: “e se não fosse a Lava Jato, onde estaríamos?”. Quem não se lembra de investigações que precederam essa força-tarefa – e que já mostravam os caminhos intrínsecos da corrupção na política nacional – e foram anuladas para alívio de muitos políticos e seus empresários de estimação? Lembram da famosa Operação Castelo de Areia, que investigou e revelou um já avançado esquema de pagamento de propina por uma empreiteira, ou a Boi Barrica, que mostrou um vasto esquema de corrupção em torno do ex-presidente José Sarney? Dezenas de operações enterradas, alvos de corruptos e seus agentes infiltrados em instituições, no Congresso e até na imprensa que hoje, minados e acuados, ainda não medem esforços para que a Lava Jato tenha o mesmo fim.

A recente ação criminosa que hackeou celulares de procuradores da Lava Jato e do ministro Sergio Moro mostra o total desespero daqueles que sempre tiveram a certeza de que a lei jamais os alcançaria. Até agora, muito se falou das mensagens supostamente trocadas por integrantes da força-tarefa e o então juiz Moro, mas pouco foi comprovado sobre a autenticidade ou se foram editadas. No centro do picadeiro está o jornalista americano Glenn Greenwald, casado com um parlamentar do PSOL, partido-satélite do PT. Muitos no Brasil não conheciam Greenwald que divulgou as supostas mensagens, mas aqui nos EUA Glenn é figura conhecida que conseguiu unir Democratas e Republicanos, mesmo em um cenário político tão polarizado como no Brasil. O jornalista do The Intercept, através do seu então espaço no jornal britânico The Guardian, foi o porta-voz de Edward Snowden, um antigo empregado da NSA (National Security Agency), que em 2013 roubou mais de 1 milhão de dados sigilosos do governo americano.

A dobradinha Snowden e Greenwald publicou informações sobre como cidadãos americanos poderiam estar sendo monitorados depois do ataque terrorista às Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001. A narrativa (agora conhecida também por brasileiros) para a divulgação de vasto material que continha informações editadas e também sensíveis à segurança nacional era de que seria de “interesse público”. A dupla diz que não foi provado que informações sensíveis foram divulgadas, mas oficiais do Departamento de Inteligência dos EUA questionam quais e como dados foram obtidos por Snowden, e afirmam que, além de terem exposto segredos de segurança nacional e de operações militares, até hoje o monitoramento das divulgações e da extensão de seus danos é necessário.

Glenn Greenwald, depois de inicar uma série de publicações com o material criminosamente adquirido por Snowden, disse na época que os jornalistas envolvidos receberam de 9 a 10 mil documentos secretos sob a condição de não divulgarem qualquer informação que pudesse prejudicar pessoas inocentes. O Pentágono, no entanto, rebateu essa declaração e afirmou que as revelações do acervo de documentos sigilosos roubados por Snowden – e amplamente divulgado pelo jornalista, inicialmente no The Guardian e posteriormente no The Intercept – fazem parte de um crime que é considerado o maior e mais prejudicial roubo de dados da inteligência americana.

Durante dois anos, Republicanos e Democratas se debruçaram sobre o vasto material roubado e a extensão dos danos à segurança nacional depois de sua divulgação. Adam Schiff, do Partido Democrata e membro do Comitê de Inteligência da Câmara, disse que a investigação revelou que a grande maioria do que Snowden roubou não tinha nenhuma relação com a narrativa inicial de que era sobre a privacidade de cidadãos americanos: “A maior parte do que ele roubou tem a ver com segredos militares e segredos de defesa”, afirmou Schiff. O republicano Devin Nunes, presidente do Comitê, disse que Snowden traiu seus colegas e seu país: “Ele colocou nossos membros do serviço secreto e o povo americano em risco”. Snowden ainda insiste que ele não compartilhou documentos confidenciais, mas o relatório final do Comitê observa que o vice-presidente do comitê de defesa e segurança do Parlamento Russo admitiu publicamente que “Snowden compartilhava inteligência” com seu governo.

Snowden se encontra hoje exilado na Rússia. Parlamentares de ambos os partidos enviaram uma carta ao então presidente Barack Obama pedindo que ele não perdoasse o criminoso. Em 2015, a Casa Branca rejeitou uma petição para perdoar o parceiro de trabalho de Glenn Greenwald e mantém até hoje sua posição de que ele deve retornar aos EUA e enfrentar a justiça. Uma vez em solo americano, ele pode ser julgado por crimes de espionagem, roubo de propriedade do governo e vazamento ilegal de documentos confidenciais. Pode pegar até 30 anos de prisão.

Em 2014, quase na mesma época em que os EUA lidavam com um dos maiores crimes cibernéticos, começava no Brasil a maior operação da história de combate à corrupção do país e que hoje é alvo de quem esteve e ainda está na mira da lei. Cinco anos depois, a matemática da Lava Jato impressiona e não deixa dúvidas porque a operação é odiada por tantos corruptos e seus assistentes: em 60 fases, a operação que já se estendeu a 45 países, atingiu mais de 100 políticos em 14 partidos e totaliza hoje quase 3.000 anos de condenações para quase 160 réus. A Carwash,como é chamada na terra natal de Greenwald, já recuperou com ações e acordos mais de 10 bilhões de reais. O valor total do ressarcimento esperado chega a mais de 40 bilhões de reias.

Não deveríamos estar surpresos com mais esse ataque profissional e inescrupuloso contra a força-tarefa que salvou o Brasil das garras do crime organizado com vários endereços em Brasília. A operação já condenou 155 pessoas judicialmente — grande parte delas em decisões de Sergio Moro, hoje no Ministério da Justiça. A narrativa da turma “Lula livre” de que a Lava Jato foi e é parcial e persegue o bandido mais inocente do país não se sustenta. As investigações, além de colocarem na cadeia um ex-presidente corrupto, alcançaram cinco ex-governadores, um ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-ministros, senadores, deputados, além de empresários ricos e influentes no país. Quando a justiça se mostra efetiva para pessoas tão poderosas, isso se torna uma mensagem que tem efeito cascata de que a justiça é para todos. E é isso que o Brasil quer e precisa.

Ninguém sabe o que resta desse suposto material que agitou o Brasil e o que pode sair de possíveis edições ou manipulações de mais mensagens. O que fica claro é o interesse do PT, seus asseclas e militantes na imprensa e na torcida organizada em tentar a todo custo soltar o bandido de estimação, condenado até agora em todas as instâncias. Fica mais óbvio que o criminoso ato de tentar ou mesmo invadir telefones de um ministro e de procuradores da república não é para fins de interesse público, mas para minar os esforços que hoje comprimem fortemente as artérias da corrupção. Ratos, mais presos do que nunca em suas próprias ratoeiras e já sem fôlego, tentam encurralar o homem que deu um banho de justiça no país e sufocou não apenas as vias que financiavam verdadeiras farras com dinheiro público, mas a quadrilha que tomou conta da máquina estatal e dilapidou o país moral e economicamente, sempre apostando na impunidade como sua maior aliada.

O “golpe”, palavra que é lema em passeatas travestidas de “pela educação” para defender bandidos, fica cada dia mais claro que é contra o Brasil. Sem adesão à mais nova falácia de quem defende marginais e cúmplices de hackers, a bolsa segue batendo recordes, medidas importantes para o país são aprovadas no Congresso, o cenário para as reformas nunca foi tão positivo, investidores se animam novamente com o país e o futuro pede passagem.

O presente ignora não só as supostas mensagens e o suposto jornalista, mas também os cavaleiros do caos e os apologistas da ação criminosa contra o Brasil. O país cansou de tanta hipocrisia, cansou de passar vergonha. O Brasil cansou do teatro tosco encenado por políticos como Renan Calheiros, alvo de 13 ações judiciais, e que tem a desfaçatez de interrogar um símbolo do combate à corrupção. O Brasil não aceita mais ser hackeado por bandidos, de qualquer estirpe e de qualquer área, que tentam posar de xerifes. Ao dono do circo onde só há palhaços, a mensagem da plateia é clara: sem tempo, irmão. In Lava Jato we trust.

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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