ReproduçãoO Palácio de Miraflores, sede do governo: o ditador Maduro está cada vez mais pressionado

Um país, dois presidentes

Com apoio americano, brasileiro e europeu, Juan Guaidó fala em governo de transição e eleições livres. Maduro aumenta a repressão. Crusoé foi à Venezuela e viu o caos de perto
01.02.19

Desde que o deputado Juan Guaidó proclamou-se presidente interino na quarta-feira, 23, a Venezuela é um país com duas cabeças. Governar, de fato, eles fazem muito pouco ou quase nada. Mas ambos são onipresentes na vida dos venezuelanos. Guaidó conclama o povo para três coisas: o fim da usurpação de Nicolás Maduro, cujo segundo mandato é ilegítimo, a instalação de um governo de transição e a realização de eleições livres. Maduro insiste na mesma tecla: ditadura, ditadura, ditadura.

Desde que viu sua liderança contestada pela aparição surpresa de Guaidó, o ditador tenta responder como pode. Pelas ruas de Caracas, há cartazes com a faixa presidencial e a frase: “Eu sou presidente”. Mas os anúncios são poucos. Nada comparável à propaganda da época de Hugo Chávez. A falta de recursos governamentais tem feito com que mesmo essa área tão sensível para ditaduras tenha se enfraquecido. Maduro também tem feito visitas diárias a quartéis, para assegurar a lealdade dos generais e da tropa. O ditador martela o bordão “Leais, sim. Traidores, jamais”. Os discursos e os enfadonhos exercícios militares de pontaria com tanques são transmitidos à noite em cadeia nacional de televisão. “Maduro perdeu a capacidade de governar. Ele só fala em lealdade. Seu único objetivo é manter-se no poder”, diz o advogado venezuelano especialista em direito constitucional Manuel Rojas Pérez, professor da Universidade José María Vargas, em Caracas.

Assim como Maduro domina o chavismo, Guaidó é a voz única da oposição, mas por razões muito diferentes. Toda a sua autoridade está assentada na Assembleia Nacional, que foi eleita em 2015. Ele nunca toma decisões sozinho. Tudo é acertado pela plenária ou pela direção da Assembleia. Guaidó é o seu executor e porta-voz. Para ganhar o apoio da população e evitar a aparência de rachas internos, os demais líderes da oposição se resignaram ao silêncio. Poucos falam e nenhum critica o presidente interino. A estratégia tem dado certo e o nome de Guaidó tornou-se  unanimidade na oposição.

A força que separa esses dois polos opostos está nos Estados Unidos. O país tem dado todo suporte para Guaidó e participou com a Colômbia das negociações que duraram um ano e levaram à proclamação do deputado como presidente encarregado. Washington também tem sido o maior algoz de Maduro. Na segunda-feira, 29, veio o golpe de misericórdia. O governo americano declarou o bloqueio de 7 bilhões de dólares em ativos da PDVSA, além de 11 bilhões de dólares em receitas. Empresas americanas serão proibidas de negociar com os venezuelanos. Receitas de vendas futuras de petróleo para a subsidiária Citgo serão colocadas em contas bancárias às quais o regime não tem acesso.

AssembleaVEAssembleaVEMais uma manifestação em Caracas, na quarta-feira: a maioria da população apoia Juan Guaidó
A paulada é forte porque os americanos eram os principais clientes de Maduro, apesar de toda a rixa política e ideológica. “Entre 80% e 84% de todo o petróleo que a Venezuela exportava era para os Estados Unidos. Isso era um montante importantíssimo, porque todo o resto ia para Cuba ou para pagar a dívida que temos com a China”, diz o economista Óscar Torrealba, do Centro de Divulgação do Conhecimento Econômico (Cedice), em Caracas. “A situação ficará crítica, porque quase toda a produção venezuelana ficará sem comprador.” Sem esse ingresso, o país ficará carente dólares para importar quase tudo, incluindo solventes, que são produzidos nos Estados Unidos. Essas substâncias são necessárias para diluir o petróleo venezuelano, que é muito pesado, e fabricar gasolina. A decisão americana, ao final, deixará a Venezuela não apenas sem dólares, mas também sem gasolina.

A União Europeia, ainda que mais devagar, também seguiu na direção de Guaidó. Os líderes mais ansiosos em abraçar o deputado são a primeira-ministra Angela Merkel e o premiê espanhol Pedro Sánchez. Socialista, Sánchez conseguiu até uma insólita declaração da Internacional Socialista (IS) apoiando o presidente interino. “Quem contrapõe socialismo e liberdade e responde com balas e com prisões ao desejo de liberdade não é socialista, é um tirano”, disse Sánchez em um encontro da IS na República Dominicana na terça-feira, 29. Como as principais potências europeias, incluindo França, Inglaterra, colocaram-se ao lado de Guaidó, o bloco como um todo deu um ultimato de oito dias para que Maduro convoque eleições livres. O prazo acaba no domingo, dia 3 de fevereiro. Nesta quinta, 31, em mais uma derrota internacional para Maduro, o Parlamento Europeu reconheceu Guaidó como presidente interino.

Um plano para que as famílias dos diplomatas europeus deixem o país já foi traçado para entrar em operação no dia seguinte. Na embaixada do Brasil, que foi um dos primeiros a reconhecer Guaidó, essas medidas ainda não estão no horizonte. Todos os contatos com a ditadura foram cessados desde o dia 23 de janeiro, mas ainda não foram realizadas reuniões com membros do novo governo. Como há muita vigilância, considera-se que encontros poderiam ser arriscados para os auxiliares de Guaidó, e ainda poderiam causar problemas para os diplomatas. Há 25 pessoas trabalhando no prédio da embaixada, entre adidos militares e componentes da Polícia Federal, e tanto eles como seus familiares estão aguardando a evolução da crise.

Nesta semana, a chegada de um avião de passageiros russo ao aeroporto de Caracas fez surgirem especulações de toda sorte entre os venezuelanos. Alguns apostavam que o misterioso voo, que saiu de Moscou diretamente para a capital da Venezuela, serviu para o transporte de mercenários enviados por Vladimir Putin. Outros diziam que a aeronave estava ali, de prontidão, para levar Maduro e seu entourage para o exílio.

NoticiasVenezuela/TwitterNoticiasVenezuela/TwitterO Boeing 777 russo que pousou em Caracas: capacidade para 400 passageiros
Os fatos nos últimos dias só recrudesceram a repressão perpetrada pelo regime de Maduro. No dia 23, em que Juan Guaidó se proclamou presidente e ocorreram manifestações em massa, foram realizadas 696 prisões. Considerando um período maior, entre 21 e 28 de janeiro, o número de detidos chegou a 850. É a maior quantidade de prisões na história da Venezuela desde que essas cifras começaram a ser levantadas, em 1999, o primeiro ano do governo de Hugo Chávez.

Entre os que foram para os calabouços, estavam 77 menores de idade. Os mais novos tinham 12 anos. “Esse tipo de coisa jamais tinha acontecido na Venezuela. Até agora, quando um menor chegava a uma delegacia, era imediatamente solto”, diz a deputada Adriana Pichardo, representante do Comitê de Presos Políticos da Assembleia Nacional. Segundo ela, a repressão aos menores acontece porque a maioria dos que têm se manifestado contra o governo nos últimos dias é de jovens de bairros pobres. “Ao prender menores, a ditadura quer calar os demais e tentar impedir que saiam novamente às ruas.”

Uma semana depois, dos 77 menores, 27 tinham sido liberados. Eles apresentavam marcas de golpes no peito e nas costas, aparentando que foram agredidos a pauladas e chicoteados. Entre os que foram soltos, estava Jickson Rodríguez, que havia sido preso no dia 23 de janeiro e é epilético. Ele contou o que passou no cárcere para o site Caraota Digital: “O guarda me batia com mais força porque eu não chorava. Aí eu perguntei… Por que você está nos batendo se já estamos presos? Aí ele bateu ainda mais na minha cabeça”. Entre os menores que permaneciam presos na quinta-feira, 31, havia um com síndrome de Down. Não havia qualquer informação sobre uma índia de 14 anos.

Na Venezuela, a tensão nunca arrefece. Em qualquer horário, as ruas de Caracas são percorridas por por homens a bordo de motos sem placas, uniformizados como policiais e portando rádio e pistolas. Segundo os venezuelanos, trata-se de um aprimoramento dos colectivos, as milícias de motoqueiros que recebiam dinheiro do governo para amedrontar a população e reprimir protestos. Há quem diga que entre eles há russos que chegaram ao país recentemente. Muitos desses russos estão hospedados nos melhores hotéis de Caracas, como o Gran Meliá, da cadeia espanhola. A agência de notícias Reuters cravou que, a mando de Moscou, paramilitares que lutaram nas guerras da Ucrânia e da Síria foram enviados à Venezuela com a missão de proteger o ditador Maduro.

Não há como saber ao certo qual é o tipo de tarefa que cumprem. O Gran Meliá, que também serve de moradia para vários oficiais do governo, é palco de rondas do Sebin, o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, que mantém calabouços na cidade e comete torturas. O porão de um dos prédios, bem no centro, é conhecido como “a tumba”. Crusoé chegou a presenciar uma incursão de cinco homens do Sebin ao hotel. Apenas na semana passada, um jornalista brasileiro, dois franceses, dois chilenos e dois venezuelanos foram detidos.

Em meio a tanto descalabro e abuso, Guaidó é a voz do bom senso. Seu apoio popular supera os 80%. Na última semana, Maduro tentou fazer atos a seu favor em vários pontos, mas os moradores locais expulsaram os chavistas contratados. Na cidade Colônia Tovar, foram escorraçados. Quem magnetiza os venezuelanos é mesmo Guaidó. Maduro só desperta raiva. Na partida final do campeonato de beisebol que aconteceu no domingo na capital, a torcida do time Leones de Caracas substituiu o grito da equipe “León, León, León” por “Guaidó, Guaidó, Guaidó”. A algazarra podia ser escutada de fora do estádio. A população não tem dúvida sobre qual é o presidente de sua escolha. Só falta arrumar o que fazer com o ditador.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Maduro, ditador sarcástico com apoio da Rússia de Putim, outro meliante ducaPTa.....o lugar desses perversos é no inferno junto ao Diabo......e eles são amicíssimos do Luladrão preso.

    1. porque vc não vai morar na Venezuela se acha tão vsemelhante?

  2. Bem esclarecedor o texto. É isso que esperamos de uma revista como esta. Mostrem de que lado estão, sem deixar dúvidas, porra... Dá um toque no pessoal aí, Duda.

  3. Na propaganda da CRUSOÉ no site do O Antagonista,tem um dado errado sobre a produção de petróleo da Venezuela. Lá consta como uma quantidade anual o que acredito ser diária.

  4. A Venezuela, com sua trágica experiência socialista, libertou a AL com o seu exemplo as avessas. O Brasil, assim como outros países, recuou da aventura e abortou o experimento. O Fórum de São Paulo ruiu graças ao sangue dos nossos irmãos. Sim, devemos muito a Venezuela.

  5. Excelente matéria. Dá bem uma idéia da realidade do "novo" socialismo do foro de São Paulo. Lembrem-se que o PT continua apoiando isto aí! Eles são isto aí!

  6. Maduro, cabo do sargento Chaves merece urgentemente ser destronado, preso e julgado por crimes contra a humanidade. Não só Hitler e seus asseclas.

  7. Neste tema concordo com a linha de pensamento do Mourão : Pressão política dos países do Ocidente, Cortar recursos financeiros, negociar com os militares da Venezuela que já percebem a insustentabilidade de Maduro e disponibilizar um corredor de escape. Se maduro cometer alguma loucura o banho de sangue será inevitável .

Mais notícias
Assine agora
TOPO