Reprodução/SBT

Os recados de Queiroz

Os movimentos e as chantagens do policial militar reformado apontado pelo Ministério Público como “o operador financeiro” do esquema
20.12.19

Um fantasma assombra o Palácio do Planalto. E ele tem nome e sobrenome: Fabrício Queiroz. O ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro faz questão de alimentar o medo na família presidencial. Manda recados ao clã e não esconde o temor quanto aos efeitos das investigações de um suposto esquema de “rachid” na Assembleia Legislativa do Rio, a Alerj. Reclama de abandono daqueles que um dia foram seus grandes amigos, como no áudio vazado em 26 de outubro, por meio da imprensa: “Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí”. Na conversa, o protagonista do escândalo escancarou seus receios. “O MP está com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente e não vi ninguém agir”, disse ao interlocutor desconhecido. O nome disso é chantagem.

Fabrício Queiroz tem motivos para se preocupar com a investigação. Relatório do Ministério Público do Rio de Janeiro obtido por Crusoé com exclusividade nesta semana classifica o policial militar da reserva como “operador financeiro” e “arrecadador” de parte dos salários dos funcionários do gabinete do antigo chefe. Segundo os promotores, Queiroz começou a operar em 2007, quando foi contratado pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O núcleo sob investigação inclui a mulher do ex-assessor, Márcia de Oliveira Aguiar, as filhas Nathália Melo de Queiroz e Evelyn Melo de Queiroz, além de pessoas próximas à família. Ao todo, o acusado recebeu 483 depósitos em sua conta, que somaram 2 milhões de reais.

O relatório do MP do Rio esmiúça a forma como Queiroz operava e sua relação com outros acusados de envolvimento no esquema. Provas que embasam a investigação foram retiradas do telefone celular da ex-assessora Danielle Mendonça da Costa, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa de seu então marido, o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega. Acusado de chefiar o grupo conhecido como Escritório do Crime, Adriano está foragido há quase um ano. Os autos da Operação Intocáveis, que mirou a atuação das milícias, foram compartilhados com os investigadores do esquema de rachid na Alerj.

Aloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressAloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressO MP-RJ classifica Queiroz como “operador financeiro” e “arrecadador”
A partir das conversas, o MP concluiu que Queiroz e Adriano “tentaram embaraçar” a apuração de supostas irregularidades no gabinete de Flávio Bolsonaro. Os dois operaram, por exemplo, para que Danielle faltasse a um depoimento no MP. Para os promotores, as conversas também indicam que a prática de rachid era de conhecimento de superiores hierárquicos de Fabrício Queiroz.

Ele também demonstra preocupação com o fato de Danielle ser casada com um conhecido miliciano. O risco, segundo ele, era de que isso arranhasse a imagem da família Bolsonaro. Em dezembro de 2017, Queiroz diz que gostaria de conversar com a então assessora sobre o assunto por “não querer correrem (sic) risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão” (sic).

Em meio ao turbilhão, no final da tarde de quinta-feira, 19, o advogado Paulo Klein abandonou a defesa do ex-assessor de Flávio, além da de sua mulher e filhas. Klein alegou ter tomado a decisão “por questões de foro íntimo” e não quis detalhar o motivo da saída do caso por “questão de ética”. Crusoé apurou que Queiroz estava devendo honorários advocatícios ao defensor, que tinha assumido a defesa do ex-policial militar havia exatamente um ano. Klein afirmou ter “absoluta convicção da inocência” da família Queiroz e, antes de anunciar sua saída, havia divulgado uma nota dizendo que “houve distorção” na forma como foram divulgados os depósitos de 2 milhões de reais na conta do ex-assessor.

Fred Wassef, à esquerda, irá assumir o comando da defesa de Queiroz
A baixa acontece no momento mais delicado da investigação que fecha o cerco a Queiroz e o filho do presidente Jair Bolsonaro. Após a operação de busca e apreensão da última quarta-feira, 18, e a revelação do conteúdo das quebras de sigilo bancário dos investigados, a defesa de Queiroz já se preparava para uma possível prisão ou denúncia do MP contra o ex-assessor de Flávio em janeiro. A renúncia de Klein abre espaço para que o advogado do senador, Fred Wassef, assuma o comando da estratégia de defesa. Wassef não exercia influência sobre Klein e chegou a criticar a aliados as versões apresentadas por ele, embora Queiroz sempre tenha poupado Flávio de culpa.

Foi Klein quem ajudou a articular uma entrevista concedida ao SBT em dezembro de 2018, a única de Queiroz, em que ele tentou explicar as movimentações atípicas em sua conta. “Eu sou um cara de negócios, eu faço dinheiro”, afirmou, com a justificativa de que comprava carros usados para revendê-los. Três meses depois, forneceu outra explicação para o trânsito de recursos em sua conta. Disse em depoimento por escrito ao MP do Rio que, à revelia de Flávio Bolsonaro, gerenciava valores repassados por servidores do gabinete com a finalidade de “ampliar a rede de colaboradores”. Ocorre que, em mensagens telefônicas incluídas no relatório final do Ministério Público, Queiroz cobra o contracheque de uma funcionária com a justificativa de que teria que “prestar contas” a terceiros.

Pouco depois de se transformar em um dos mais célebres personagens do cenário político nacional, Queiroz sumiu do radar. Faltou a quatro convites para depor sob a alegação de problemas de saúde. Seu desaparecimento rendeu à oposição um mote — “Cadê o Queiroz?”. Ele surgiria em um vídeo, gravado na noite da última virada de ano, em seu quarto no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde se trata de um câncer intestinal. Nas imagens, Queiroz dançava animadamente com a mulher e as filhas. Diante da repercussão negativa, o advogado Paulo Klein declarou que “os familiares de Fabrício Queiroz gravaram o vídeo de alguns segundos, em raro momento de descontração”. Doze dias depois, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro gravou novas imagens em que se dizia “revoltado” com a divulgação. “Estão dizendo que, com esse vídeo, eu estava comemorando o meu não comparecimento ao Ministério Público. É muita maldade”, desabafou Queiroz. O PM da reserva pagou 133,5 mil reais em espécie pelo procedimento de retirada do tumor no cólon. Queiroz submergiria de novo, até ser fotografado na sala de espera do Albert Einstein, em agosto, quando intensificou os recados aos Bolsonaros, com mensagens e imagens propositalmente vazadas, segundo interlocutores do ex-assessor.

Com a investigação cada vez mais próxima do primogênito de Jair Bolsonaro, o mal-estar no governo ganhou outra dimensão. O presidente nunca havia negado a proximidade com Fabrício Queiroz. Relação que, segundo Bolsonaro, acabou depois da abertura da investigação do MP. O presidente foi diretamente atingido quando se soube que o ex-assessor parlamentar havia repassado cheques que somavam 24 mil reais a Michelle Bolsonaro. Ele afirmou que se tratava do pagamento de um empréstimo que fizera ao então assessor do filho. Antecipou ainda que outras prestações poderiam aparecer. Foi o suficiente para a oposição relacionar o presidente a Queiroz. Confrontado com os novos passos dados pelo MP do Rio, Bolsonaro disse: “O Brasil é muito maior do que pequenos problemas. Eu falo por mim. Problemas meus podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso.” E completou: “Se eu afundar vocês afundam juntos.”

Reportagem de Fabio Leite

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