Thiago Lontra/Alerj

O sigiloso ‘rachid’ do PT

As apurações que envolvem o petista André Ceciliano, presidente da Assembleia do Rio, cujo gabinete movimentou 49 milhões de reais, e outros 21 deputados seguem envoltas em mistério
20.12.19

Presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o petista André Ceciliano ocupa uma cadeira que já foi o trono da corrupção no estado. Os seus três antecessores no cargo, que por duas décadas comandaram a casa, estão na cadeia trancafiados pela Lava Jato. No final de novembro, Ceciliano também sofreu um dissabor na Justiça. O Supremo Tribunal Federal manteve a ação penal contra ele por fraude em licitação e desvio de verba na compra de uma ambulância, realizada ainda em 2004, na época em que era prefeito na Baixada Fluminense. Fora o contratempo desse processo que até ameaça caducar, o deputado navega em calmaria na política fluminense. A investigação do “rachid”, que aperta o senador Flávio Bolsonaro, até agora não deu em nada para o petista, embora seu gabinete na Assembleia esteja no topo da relação de movimentações suspeitas. Segundo o antigo Coaf, atual Unidade de Inteligência Financeira, quatro assessores de Ceciliano movimentaram 49 milhões de reais, quarenta vezes o valor de 1,2 milhão atribuído a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio.

O mesmo se aplica aos demais 21 parlamentares sobre os quais o Coaf identificou operações suspeitas num total de cerca de 200 milhões de reais. O Ministério Público Estadual até abriu investigação criminal contra oito deles, incluindo Ceciliano, que tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados. O inquérito, no entanto, está em segredo de Justiça, o MPE não divulga nomes de investigados relacionados aos casos e nem sequer é possível acompanhar as etapas do processo no site do Tribunal de Justiça. A quebra de sigilos ocorreu em 11 de abril. No começo de julho, houve uma audiência no Tribunal de Justiça do Rio entre advogados dos acusados e os promotores. O Ministério Público não quis responder a Crusoé em que estágio estão as investigações contra o petista e demais parlamentares. Além de Ceciliano, outros dois deputados cujos assessores registraram movimentação expressiva, conforme o Coaf, foram Paulo Ramos, do PDT, hoje deputado federal (30 milhões de reais), e Márcio Pacheco, do PSC, líder do governo de Wilson Witzel na Assembleia (25 milhões de reais).

Agência SenadoAgência SenadoPaulo Pimenta: “profecia” sobre Flávio, mas seu colega do PT segue blindado
O inquérito contra Flávio Bolsonaro é menos blindado. Na terça-feira, 17, véspera da operação de busca e apreensão contra o senador, o seu teor virou assunto na tribuna da Câmara dos Deputados. O deputado petista Paulo Pimenta, do Rio Grande do Sul, disse no plenário que “Queiroz é o caixa da família Bolsonaro e recebeu dinheiro de milicianos”. São acusações muito semelhantes às usadas pelo Ministério Público para convencer a Justiça a determinar buscas contra Flávio. Após a operação, Pimenta gracejou nas redes sociais dizendo que fez uma “profecia que se confirmou”. Sobre Ceciliano, seu companheiro de partido, nenhuma previsão.

Não por falta de elementos. Apenas dois funcionários do petista, o empresário Carlos Alberto Dolavale e sua ex-mulher Elisangela Barbiere, movimentaram mais de 40 milhões de reais entre 2011 e 2017, segundo o antigo Coaf. Eles possuem negócios em Paracambi, município onde o deputado foi prefeito e comprou a tal ambulância numa licitação sob suspeita de fraude. “Esse dinheiro é meu mesmo. Eu faço movimentação nas lojas aqui da cidade. Nada a ver com Assembleia”, disse Dolavale. “Já procurou ver o do Queiroz?”, perguntou o empresário. Dolavale esteve nomeado na Assembleia entre 2011 e 2012. Diz que saiu do emprego porque o salário era baixo. O filho trabalhou no gabinete de Ceciliano até março, com vencimentos de 3,3 mil reais. Em novembro, abriu juntamente com o pai uma construtora com capital de 500 mil reais. Elisangela deixou a Assembleia em janeiro e entrou para o ramo de estacionamento. Tudo em Paracambi, uma cidadezinha de 47 mil habitantes. Por meio de sua assessoria, Ceciliano afirmou que abriu mão de seu sigilo bancário e mandou seus funcionários entregarem extratos de contas e cópia do imposto de renda para o Ministério Público. Ele afirma ainda que um dos citados no relatório do Coaf nunca foi empregado de seu gabinete. “Portanto, o montante de 49 milhões não corresponde à realidade. A apuração do MPE se refere a movimentações nas contas de funcionários e não na do deputado”, disse a assessoria. Os deputados Paulo Ramos e Márcio Pacheco não responderam a Crusoé. Eles já negaram irregularidades anteriormente.

Nas eleições de 2018, Ceciliano declarou bens de 1,9 milhão de reais, 362 mil em dinheiro vivo. Ele assumiu o comando da Assembleia Legislativa no final de 2017, quando a Lava Jato prendeu o presidente Jorge Picciani, do MDB, acusado de receber propinas das empresas de ônibus em troca de aprovar projetos favoráveis ao setor. O ex-deputado Paulo Melo e o ex-governador Sérgio Cabral, outro que presidiu a Assembleia, também estão presos. Com trânsito em vários partidos, o petista conseguiu se eleger presidente em 2019, mesmo em desvantagem, uma vez que o PT possui apenas três parlamentares contra 12 do PSL, o então partido de Bolsonaro. Até agora, tudo vem dando certo para ele.

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