Carlos Magno/GERJ

O inferno de Witzel

Suspeito de receber propina, o governador do Rio de Janeiro é afastado por decisão do Superior Tribunal de Justiça, a pedido da PGR, e acusa Brasília de operar contra ele
28.08.20

Em maio deste ano, uma reportagem de Crusoé mostrou a coincidência entre a investigação aberta pela Procuradoria-Geral da República de Augusto Aras sobre o governador do Rio, Wilson Witzel, e um dossiê que havia aportado dias antes no gabinete do presidente Jair Bolsonaro. Os elementos que fundamentaram o pedido de investigação da PGR não guardavam relação direta com o que fora descoberto àquela altura pelos promotores fluminenses, mas o objeto da apuração era exatamente o mesmo descrito no tal dossiê oferecido ao chefe do Planalto.

Ainda houve um pedido expresso do presidente da República, tão logo ele teve acesso ao material, para que fossem “tomadas providências”, no que o peso da determinação presidencial se encarregou por si só de fazer fluir. Era fundamental, como ainda é, averiguar a fundo todos os contratos emergenciais milionários celebrados pelo governo Witzel no enfrentamento ao coronavírus. Os culpados por eventuais ilícitos, obviamente, devem ser punidos. Mas não se pode deixar de lado a gravidade da associação entre uma coisa e outra, o que configuraria a tentativa do presidente da República de transformar a PGR, um aparato de estado, em instrumento político a serviço de seus interesses.

Da publicação da reportagem para cá, os lances e movimentos de Augusto Aras sugeriram que a conexão entre os anseios presidenciais e o voluntarismo do procurador-geral seria até maior do que se imaginava. Por isso, uma nova coincidência envolvendo aquele dossiê revelado por Crusoé em maio e a operação deflagrada nesta sexta-feira, 28, pela Lava Jato do Rio de Janeiro em conjunto com a Procuradoria-Geral da República, responsável por denunciar Witzel por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e por afastá-lo do cargo por seis meses, não pode ser desconsiderada.

Reprodução/TwitterReprodução/TwitterO governador afastado, com a primeira-dama: trânsito de dinheiro entre ela e ele
Além de Witzel e do Pastor Everaldo, que teve a prisão decretada, outro alvo da operação foi o advogado Roberto Bertholdo, influente lobista de Brasília que foi contratado pelo Instituto de Atenção Básica de Saúde, o Iabas, para abrir portas em governos como o do Rio, onde um contrato emergencial de 835 milhões de reais para a construção de hospitais de campanha assinado por Witzel foi suspenso por suspeita de superfaturamento. O nome de Bertholdo, curiosamente, estava no material que passou pelo Planalto antes de seguir para a PGR – exatamente para as mãos da subprocuradora Lindôra Araújo, que é quem assina a denúncia contra Witzel. Agora, segundo a investigação, o lobista recebeu 7 milhões de reais do Iabas desde o ano passado por meio de seu escritório de advocacia. O fato por si só corrobora as suspeitas de que o dossiê que circulou pelo Planalto deu origem à investigação sobre Witzel.

Noves fora a trama rocambolesca que indica a existência uma mão política na origem da apuração, não há dúvida de que as suspeitas precisam ser investigadas — e punidas. Ao que tudo indica, há no material que embasou o pedido de afastamento de Witzel do cargo uma fartura de provas contra ele. “Na operação de hoje nós nos vimos como no túnel do tempo. Velhos fatos envolvendo novos personagens”. Foi assim que o coordenador da Lava Jato no Rio de Janeiro, Eduardo El Hage, descreveu a operação deflagrada nesta sexta-feira, 28. A sensação de déjà vu fica evidenciada com a minuciosa descrição do suposto esquema e com os nomes dos demais alvos da denúncia: a advogada Helena Witzel, primeira-dama do estado, o ex-secretário Lucas Tristão, homem de extrema confiança do governador, e seis empresários que possuem contratos milionários com o governo fluminense.

A denúncia assinada por Lindôra Araújo diz que Witzel usou o escritório de advocacia da mulher para receber propina de fornecedores contratados pelo governo, mesmo expediente utilizado pelo ex-governador Sergio Cabral e a ex-mulher dele, a advogada Adriana Ancelmo, para assaltar os cofres do estado. Ao todo, afirma a PGR, a banca de Helena Witzel recebeu 554,2 mil reais entre agosto de 2019 e maio de 2020 de quatro empresas vinculadas a contratos com o governo do marido. Três deles pertencem ao grupo do empresário Mário Peixoto, acusado de operar o mesmo esquema de desvio de dinheiro nos governos de Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos presos pela Lava Jato por corrupção. As quebras de sigilo detectaram que Witzel recebeu ao menos 74 mil reais diretamente do escritório da mulher.

Se dependesse da Procuradoria-Geral, a cadeia também teria sido o destino de Wilson Witzel nesta sexta-feira, mas o ministro Benedito Gonçalves, relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (ele próprio também já apareceu em tramas investigadas pela Lava Jato), entendeu que o afastamento do governador de seu mandato por 180 dias é o suficiente para impedir a continuidade da prática criminosa ou qualquer tentativa de obstrução das investigações. Agora, no lugar das fotos de Cabral e Pezão, é o retrato de Witzel que aparece no topo da pirâmide, como líder de uma sofisticada organização criminosa que se utiliza de velhos mecanismos para saquear o estado. A operação foi batizada de Tris in Idem, adaptação do termo jurídico bis in idem para dizer que o esquema estava se repetindo pela terceira vez.

Danilo Verpa/FolhapressDanilo Verpa/FolhapressPastor Everaldo, o “dono” do PSC, exercia influência sobre o governo
Além dos contratos assinados pelos clientes da primeira-dama com o governo, os investigadores apontam como prova do envolvimento de Witzel no esquema dois e-mails que o próprio governador enviou para a mulher na manhã do dia 19 de março, uma quinta-feira. As mensagens continham a minuta de um contrato de “honorários advocatícios” do escritório de Helena com um hospital de Volta Redonda, que previa um pagamento mensal de 30 mil à primeira-dama, além de um adiantamento de 240 mil reais. Ao todo, segundo a PGR, 280 mil reais foram pagos à banca, valor que corresponde a 5% de um financiamento de 5,3 milhões de reais concedido pelo governo Witzel à empresa GLN Serviços Hospitalares, que pertence à família do deputado estadual Gothardo Lopes Netto, também proprietária do hospital de Volta Redonda, onde ele foi prefeito. Amigo de Witzel, o parlamentar foi preso nesta sexta-feira.

Toda a articulação, segundo a PGR, foi conduzida pelo advogado e ex-secretário de estado Lucas Tristão, outro amigo do governador que também foi preso por decisão do STJ. Tristão era o homem de confiança de Witzel dentro do governo e empregou o governador em seu escritório de advocacia depois que o ex-juiz federal largou a magistratura, em março de 2018, para disputar a eleição. No período em que, embora estivesse em campanha, Witzel esteve vinculado ao escritório de Tristão, o advogado recebeu repasses de uma das empresas do grupo de Mário Peixoto, empresário que mantém mais de 180 milhões de reais em contratos com o governo do Rio. Para Witzel, o ex-secretário pagou 412,3 mil reais, segundo declaração do Imposto de Renda. A PGR considera que esses pagamentos de Peixoto a Tristão foram vantagens indevidas pagas de forma antecipada a Witzel, antes de ele ser eleito.

A denúncia contra o agora governador afastado foi robustecida pelo acordo de delação premiada assinado pelo ex-secretário de Saúde Edmar Santos com a PGR. Ele foi preso acusado de desviar dinheiro de contratos emergenciais para enfrentar a pandemia. Em um de seus anexos, o ex-secretário, que foi afastado do cargo em maio, após a primeira operação do Ministério Público para combater fraudes na Saúde, apontou detalhes sobre o funcionamento da organização criminosa e o envolvimento de novos personagens no esquema. Entre eles, Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, partido de Witzel. Segundo o delator, o governador entregou 15 mil reais em espécie a Pastor Everaldo um dia antes da Operação Placebo, deflagrada pela PGR e que fez buscas e apreensões na residência oficial do governador e no escritório de advocacia da primeira-dama.

Gil Ferreira/Agência CNJGil Ferreira/Agência CNJLindôra Araújo: Witzel acusou a subprocuradora de agir em linha com os interesses de Bolsonaro, seu inimigo
Apontado como um dos líderes do grupo criminoso que desviou dinheiro de contratos da Companhia de Água e Esgoto do Rio, a Cedae, do Detran, e da Secretaria de Saúde do Rio, no governo Witzel, Pastor Everaldo foi preso junto com o filho, Filipe Pereira, que era assessor especial do governador. As suspeitas não param por aí e recaem sobre toda a cúpula política do Rio, mesmo filme do período Cabral e Pezão, cujo esquema de corrupção também levou para a cadeia presidente e ex-presidentes da Assembleia Legislativa fluminense, a Alerj. O vice-governador, Cláudio Castro, filiado ao mesmo PSC e ligado ao Pastor Everaldo, e o presidente da Alerj, André Ceciliano, do PT, também foram alvos de busca e apreensão. Há suspeita de que deputados estaduais tenha desviado dinheiro do Fundo Estadual da Saúde por meio de indicações de repasses a prefeituras. Cláudio Castro já se preparava para assumir o comando do estado antes do afastamento judicial de Witzel, por causa do iminente impeachment do governador que será votado na Alerj – o processo estava paralisado por ordem de Dias Toffoli, mas também nesta sexta-feira Alexandre de Moraes revogou a decisão do colega. Agora, até a sucessão de Witzel virou uma incógnita.

Em duro pronunciamento ainda pela manhã, Witzel classificou a operação como mais um “circo” e disse estar sendo perseguido pela subprocuradora Lindôra Araújo por ela ser, segundo ele, bolsonarista. Lindôra é o braço-direito do procurador-geral da República, Augusto Aras, na área criminal. Há motivos para Witzel lançar suspeitas sobre uma eventual perseguição política emanada do Palácio do Planalto. Do mesmo modo que sobram razões para justificar as medidas tomadas contra ele no âmbito da operação desencadeada nesta sexta-feira, 28. A julgar pela parte conhecida da investigação, acomodado ou não na trincheira oposta à de Bolsonaro, o agora governador afastado tem muitas contas a prestar.

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  1. Reportagem perfeita: Apure-se, como manda a lei; não, sob encomenda do Planalto. Aliás: " não vou deixar f.... meus filhos e amigos", da boca do próprio presidente suspeito de envolvimento com as milícias. Esse é o nosso calvário!

  2. Este Estado do RJ já merecia uma Intervenão a muito tempo !! GERAL..principalmente naquela Alerj ! UM NOJO aquilo...Inacreditavel...Eqto 5 ex governadores deitam e rolam..tudo bandido..As facções matam inocentes na troca de chumbo..Isso não é um Estado;;sorry..Isso é o FIM do Mundo

  3. Não entendo porque até hoje ninguém investigou, ou se investigou não publicou, o vínculo do Governo do RJ com o tráfico de drogas. O pacote deve ser o mesmo. Isso deve ter nascido muito tempo atrás. Quem não se lembra da década de 1980?

    1. Não me surpreenderia se a revista conclui-se que Bolsonaro é o responsável pelo rombo de bilhão de respiradores e hospitais de campanha, entre outros. Dizem que engravidou quase 1000 mulheres em uma noite de “fúria”.

  4. O governo do estado do RJ vive uma maldição. Entra governador, sai governador e a maldição do esquema de corrupção permanece o mesmo (mesmo quer dizer igualzinho mesmo).

    1. Esclareça Carlinhos. Ou é fofoquinha da candinha e vc acreditou. Será que se eu falar o que fiquei sabendo de um parente próximo vc acreditaria ?

  5. Interessante, Witzel chama o secretário de saúde de bandido, vagabundo. Será que esqueceu que foi ele, Witzel, que o escolheu para ser secretário de saúde? Witzel tem muita coisa para explicar.

    1. Paulinho veio aqui em nome da Secon?... Defesa péssima hein... elencar os pontos horriveis do sr. Bolso nem a revista esta conseguindo atualizar direito... Wtizel é fichinha perto do sr. Bolso... e Witzel seria interessante permanecer no cargo pra insonia da familícia.

    2. Difícil acreditar que alguém correto, honesto e inteligente faça essa narrativa. Nos convença, cite pelo menos três defeitos e qualidades que ambos possuem. Sei que Bolso, “nem que a vaca tussa”, conseguirá roubar 1% do seu ídolo, o Rato de Curitiba.

  6. Impressiona como as primeiras damas estão despretigiadas. Helena Witzel 554 mil (um apartamento medianamente bom no Rio); Michelle Bolsonaro 89 mil (um bom mas relativamente modesto carro). Espero que as investigações revisem estes números e que coloquem-as num patamar mais decente.

  7. Uma coisa é o que o Wilson cometeu e a punição que deve vir. Outra é a curiosa e incomum celeridade de uma PGR tão omissa e amigável ao Presidente, e a coincidência do afastamento de quem vai indicar o procurador do Rio que deve continuar com as investigações de parte da família Bolsonaro. É grave o uso político dirigido da PGR hoje, a serviço de um presidente como o atual.

    1. se o Presidente da aRepública manda investigar um Governador ladrão,merece elogios e nao críticas.

  8. Roubou é cadeia, simples assim. Estou lendo comentários de pessoas acusando a PGR, a PF e outros de serem usados para a política. Ele saíra da cadeia, quando for, e pode processar o estado pelo erro. Mas lembrem-se que a cadeia é para todos, sem exceção!

  9. O desmando do governo do RJ são evidentes de as investigações deveriam ocorrer sem o pedido do Bozo. A certeza da impunidade é tanta, que repetem o mesmo crime do governo anterior sem nenhuma preocupação. O RJ é um antro de corrupção!!

    1. E se Witzel for caçado,o Rio vai erguer o troféu de”Penta”!

  10. Se são interesses do Bozo e só por isto foram deflagradas as investigações pela PGR é uma tristeza, já que é claro que a administração do RJ tem algo errado pelo desmandos no enfrentamento da pandemia

  11. Se o governador do Rio fosse aliado de Jair Bolsonaro, nada disso teria acontecido. Com certeza a Polícia Federal e a PGR estão sendo usadas. Para os amigos tudo e aos inimigos os rigores da lei. Simples assim.

  12. São tantos nomes e conexões que se cruzam, vão e voltam, que no final só podemos concluir que essa gente é muito criativa pra roubar o povo. Fazem isso e depois conseguem dormir? Espero que aqueles que realmente tem culpa no cartório, durmam tendo pesadelos com demônios como eles e acordem no dia seguinte com a certeza que, em algum momento, pagarão pelo que estão fazendo. Torçam por isso junto comigo, por favor.

  13. Não é cabível supor-se que a atual PGR passou a ser apenas um braço armado, com seu poder de intimidação persecutória, da presidência da República. Estamos vivendo a consolidação da advocacia administrativa a serviço do palácio do Planalto. É de se perguntar: até quando cambada, esses arreglos vão continuar no BR? apscosta/df

    1. amigos vai continuar muito tempo a culpa de todo esso e anafalfabetismo político de nosso povo

  14. Tem que ter prisao, todavia, sem a VONTADE POLÍTICA de JB, A PGR não iria por este caminho: o MP virou ferramenta política

  15. Não entendi as insinuações contra Bolsonaro no início da matéria. Witzel foi afastado porque é ladrão. Será que pra Crusoé o presidente deveria bater palmas pra isso?

  16. Corrupção sem limites e sem medo continua, juízes, ex juízes, governadores, senadores, prefeitos, deputados, vereadores todos comandando e participando de organizações criminosas.

  17. Com toda essa narrativa de corrupção, atribuir a condenação a perseguição política... O Sr Wintzel tá de brincadeira né. Falta o que pra ser considerado corrupto? Escrever na testa dele?

    1. Realmente a Crusoe tá estranha... começaram a defender o crime organizado? Não sabemos se o Bozo está nesta ou não... ainda! Mas a Crusoe dá a entender q a investigação ocorreu SÓ por ordem do presidente! Pergunto: não havia nenhuma evidência de corrupção ter q construir 7 hospitais de campanha e ter feito 2 ? E sem funcionarem a contento??? Poupe-nos!!!

    2. Tá faltando pouco pra Crusoé achar que os crimes do pt tem o dedo de Bolsonaro

  18. Qual governo que não usou a PGR politicamente, a PF etc... enquanto houver indicação política pra todos os cargos de alto poder, inclusive STF, o país não se libertará. A constituição precisa ser mudada neste sentido. É óbvio que onde tem corrupção, tem que ter investigação, com ou sem interesse político. Recordo do Lula quando mandou o exército montar barracas no RJ para atendimento de saúde a população. Pq né???

  19. Não se salva ninguém no meio político que não tenha envolvimento com corrupção. Somente uma revolta popular para valer para que tenhamos alguma chance de sair da sarjeta. Mas que liderará isso, se ninguém e confiável?

    1. Brasil é a vergonha do mundo. Tds debocham do Brasil e dos brasileiros. Ñ temos o respeito , o mundo acha que nós somos cidadãos ignorantes e bobos. Sempre a corrupção no país consegue crescer.

    2. Que situação vem sendo desencadeada na cúpula da politcada do Estado do Rio de Janeiro, sai uns entram outros e dão sequência no mesmo esquema de corrupção. Até parece que está combinado com políticos anteriores que passam o bastão para seus sucessores. Estes sucessores ou "sucessor"ja chegam todos treinados pensando que dado a pondemia passava despercebido a propina p/ os proprineiros. Infelizmente corrupção no Brasil compensa, tira uns dias na prisão depois vao casa. Somente Cabral esta pres

    3. Rosana. Triste a situação do Brasil. Em Brasília também continua a mesma coisa. Saiu os PTralhas e entrou os milicianos, raspainhas, cloquina cheques depositados pelo Queiroz na conta da primeira dama e outra coisa mais. Um PGR advogando pra eles, um Min. da Economia que só rouba os trabalhadores. E todos são inocentes.

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