Roberto Casimiro /Fotoarena/FolhapressFHC: ele tenta segurar o ímpeto dos aliados para que não queimem a largada

O fiador da ‘alternativa’

Entre Luciano Huck, João Doria e o gaúcho Eduardo Leite, FHC tenta mediar disputas e exercer o papel de árbitro na definição do candidato do centro para 2022
13.12.19

A palavra conciliação assume uma coloração nostálgica quando associada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No início da década de 1990, quando ainda exercitava a habilidade de costurar apoios improváveis, FHC recomendou aos tucanos mais refratários a uma aliança com o PFL a obra Um Estadista no Império, de Joaquim Nabuco. Trata-se de um tratado sobre a política conciliadora do polêmico Marquês do Paraná, ex-primeiro ministro do Brasil Imperial responsável pela estabilidade do reinado de D. Pedro II. Convencer a ala tucana mais à esquerda a digerir a união com os liberais do PFL não foi uma tarefa trivial, mas deu certo. Agora, quase três décadas depois, o ex-presidente avoca para si uma missão não menos complexa: a de construir uma candidatura de consenso no espectro político de centro para as eleições presidenciais de 2022.

Na quarta-feira, 11, FHC começou a ler o livro This Blessed Plot, Britain and Europe from Churchill to Blair, de Hugo Young, ex-comentarista político do jornal The Guardian. É um relato da ambivalência britânica em relação à integração europeia desde o pós-guerra. “A Grã-Bretanha lutou para conciliar o passado que ela não podia esquecer com o futuro que não podia evitar”, escreve Young. O livro, evidentemente, não guarda relação com a política brasileira nem com os partidos daqui. Mas esse pode ser exatamente o caminho para os políticos de centro, se quiserem obter êxito eleitoral daqui a três anos: saber conciliar um passado que não pode ser deixado para trás com o futuro inevitável, qual seja, ou eles se unem ou morrem na praia de novo.

Ao contrário do PSDB e do antigo PFL, o bloco que se convencionou chamar de “centro democrático progressista” pode até convergir nas ideias — a maioria se declara liberal na economia e nos costumes. A questão, nesse caso, é harmonizar interesses políticos e pessoais. Não são poucos. O governador de São Paulo, João Doria, trabalha com afinco para ser o candidato do PSDB. Como ele acha que controla o partido, espera que os tucanos marchem com ele. Ainda sem legenda, mas assediado por mais de uma, o empresário e apresentador Luciano Huck cada vez se preocupa menos em esconder almoços, jantares e encontros para discutir uma possível candidatura. Já o governador do Rio Grande do Sul, o tucano Eduardo Leite, embora neófito na política, apresentou-se recentemente para o jogo — como Huck, incensado por FHC.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressDoria com Leite em reunião do PSDB: estresse contornado
O desafio primário de Fernando Henrique é resolver os problemas domésticos. Um episódio ilustrativo de sua atuação no sentido de tentar equilibrar os pratos no PSDB ocorreu na semana passada. Não satisfeito com os movimentos do colega Eduardo Leite, Doria havia concedido uma entrevista dizendo que o partido não deveria fazer “testes” em 2022. “Experiência é importante”, afirmou. No sábado, 7, durante o Congresso do PSDB, Leite e Doria dividiram os holofotes. Chamado ao palco, o governador foi recebido pela plateia sob gritos de “Eduardo 2022″. Na sequência, foi a vez de Doria ser aclamado como futuro candidato a presidente: “Brasil pra frente, Doria presidente”, entoaram tucanos. Apesar da troca de afagos públicos, regada a elogios mútuos, instalou-se um clima de disputa no ar. No domingo, 8, FHC convocou Doria para um encontro em sua casa em Higienópolis. Na conversa, agiu como algodão entre cristais. “Ninguém ganha eleição, nem ganha o poder, que é importante para o Brasil, sozinho. É juntos”, disse, ao fim do bate-papo. Segundo aliados, depois do encontro com o ex-presidente, Doria mudou o estado de ânimo. Se antes demonstrava certo incômodo com a desenvoltura de Eduardo Leite, passou a trabalhar a fim de atraí-lo a sua órbita política. Agora, ele está jogando pesado em outra frente: para eleger o líder do PSDB na Câmara.

Em reuniões com líderes e dirigentes partidários, FHC tem dito que os partidos interessados em marcar diferenças em relação a PT e Bolsonaro devem ser enérgicos o bastante de modo a não emitir sinais de fraqueza no jogo sucessório, mas cautelosos o suficiente para não conferir pressa na escolha do candidato, expondo-o prematuramente. Por isso, ao mesmo tempo que lança hipóteses eleitorais no tabuleiro do xadrez político, ele trabalha nos bastidores para impedir que se assanhem antes da hora – e cometam harakiri, o ritual japonês de autodestruição. Dentro do que sempre chamou de a “utopia do possível”, o ex-presidente defende o lançamento da candidatura até o segundo semestre de 2021, se possível por consenso.

No trabalho de acomodar posições aparentemente inconciliáveis, o objetivo de FHC é não reeditar 2018, quando a pulverização de candidaturas minou as chances das siglas de centro de alcançar o segundo turno. O risco de o filme se repetir é real. Segundo as últimas pesquisas, Bolsonaro se solidifica no patamar de 33%, com viés de alta caso os bons auspícios da economia se confirmem. Já o PT, a despeito das sérias dificuldades para aglutinar a esquerda, permanece no nível histórico de 29%. Ou seja, se o centro democrático não conseguir apresentar à sociedade um nome dotado de musculatura eleitoral e densidade política em condições de disputar a eleição de igual para igual com Bolsonaro e o PT, restará pavimentada de novo e mais uma vez a estrada para a polarização.

O ex-presidente não está sozinho na empreitada de unir as legendas de centro. Auxiliam FHC nomes como o presidente do Cidadania, Roberto Freire, o ex-governador Paulo Hartung, o economista Armínio Fraga, o ex-ministro Raul Jungmann, o empresário Guilherme Leal e o publicitário Nizan Guanaes. Recentemente, foi incorporado ao time o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, Malan discorreu sobre o que chamou de “ousadia da moderação”. “Saídas deverão sempre passar pelo diálogo franco, pela resolução de diferenças e conflitos via soluções de compromisso, sem a famosa escolha binária entre o ‘nós e eles’ que tanto mal causou e vem causando ao país”, escreveu.

Frederico Brasil/Futura Press/FolhapressFrederico Brasil/Futura Press/FolhapressFHC nutre simpatia pelo projeto de Huck
Cada componente exerce um papel no grupo. Enquanto cabe a FHC a articulação política, com a ajuda de Freire e Hartung, Armínio fica responsável por coordenar grupos de estudos nas áreas de Saúde, Educação, Previdência e Segurança, com os quais o futuro candidato deve estar alinhado. Já Nizan cuida das estratégias de comunicação. O busílis é que o coração de parte expressiva desse grupo já bate por um candidato: Luciano Huck.

Em 2018, Huck esteve próximo de concorrer. Quase assinou a ficha de filiação do PPS, hoje Cidadania. Sempre muito perto de movimentos de renovação, passou a contratar pesquisas de opinião e a circular com mais assiduidade no meio político. Ele e a mulher, Angélica, recuaram quando perceberam que o noticiário político é bem distinto daquele tradicionalmente dedicado às celebridades de TV. Enquanto um exibe a dolce vita do casal estrelado, o outro é uma máquina de moer: revira a vida do político de cima a baixo e busca uma face que ninguém normalmente gosta de expor aos raios solares. O que mudou de lá para cá é o que Huck classifica intramuros de “chamamento”. “Muitos políticos começaram a bater à porta argumentando que ele seria o único capaz de quebrar a polarização. E ele passou a acreditar nisso”, afirmou a Crusoé um integrante do grupo.

Embora aparentemente disposto a seguir adiante com a candidatura, Huck ainda não bateu o martelo. Sabe que a entrada na política pode representar um ponto de não retorno, como se atravessasse um rubicão pessoal. Por isso, ele tende a ir como se diz na gíria: “só na boa”. Ou seja, quer entrar no jogo se tiver quase certeza de que vai chegar lá. Como isso é quase impossível no atual quadro político, quer no mínimo mitigar os riscos. Falta, porém, combinar com os russos — no caso, os aspirantes ao Planalto das demais legendas — de que ele será o nome certo na hora certa. No PSDB, comenta-se que Doria só abriria mão se uma outra candidatura se impusesse politicamente de maneira irrefutável. Fernando Henrique tece ressalvas: “Huck é uma celebridade. Ainda precisa mostrar que é capaz de ser um líder político”, diz. FHC é amigo da família de Huck, acredita que o apresentador midiático tenha aderência no eleitorado, penetração no Nordeste, mas sabe que política é mesmo como nuvem. E ela se moverá muito até às vésperas do ano eleitoral.

Além disso, assim como os atuais postulantes ao Planalto, o personagem principal do livro de Joaquim Nabuco, aquele recomendado por FHC aos tucanos na década de 1990, não era livre de idiossincrasias. Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês do Paraná, dizia que conciliação era “o sossego do espírito, a calma das paixões”. Mas nem sempre ele conseguiu serenar as suas. Diz a história que Leão era incapaz de conter seus instintos mais primitivos ao lidar com uma prima de primeiro grau, com quem acabou casando. Acusado de enriquecimento ilícito, usou uma justificativa à la João Alves: teria acertado duas vezes na loteria. Aí há mais uma convergência com a tarefa de FHC. Na atual circunstância, unir o centro é quase como acertar na loteria.

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