No sofá de Hollywood

17.01.20

O Brasil vai ao Oscar. Mas não é com Pelé, Sergio Moro ou com uma brilhante produção mostrando os detalhes da nossa política que, dificilmente, seria tão bem imaginada até pelos melhores roteiristas de Hollywood. A força-tarefa que mudou o Brasil e revelou ao mundo os profundos esquemas de corrupção no país, que mostrou que o império da lei é possível colocando políticos poderosos e seus empresários de estimação na prisão, não pisará no tapete vermelho do evento que já foi conhecido como a cerimônia para premiar bons filmes e documentários.

O Brasil que vai ao Oscar é o Brasil socialista que veste Armani e anda de limousine, mas que não mostra o verdadeiro Brasil de Lula e Dilma de mensalões e petrolões, de forte recessão econômica, das empreiteiras corruptas e prostituídas, do dinheiro na cueca, do assalto de um partido às instituições brasileiras, da pilhagem bilionária dos cofres públicos, das verdadeiras fortunas “emprestadas” a ditaduras companheiras, de 60 mil assassinatos por ano, de feitiçarias econômicas como empréstimos sem lastro, do aparelhamento do estado por militantes cleptomaníacos e, principalmente, das fraudes contábeis e fiscais protagonizadas pelo governo petista. O roteiro real de terror em que o país quase morreu no final não será mostrado para os gringos.

Para escrever este artigo, fiz questão de assistir ao filme brasileiro que concorre ao Oscar de melhor documentário, “Democracia em Vertigem” (Crusoé vai ter que me pagar extra por insalubridade), de Petra Costa, herdeira da Andrade Gutierrez, uma das construtoras queridas de Lula e companhia enrolada nos esquemas de corrupção da era petista. Petra, que narra boa parte do filme e tenta esconder sua linhagem oligárquica, teve acesso exclusivo a toda movimentação de Dilma e Lula durante o impeachment e se fartou de um material mais que necessário para produzir uma panfletagem digna de uma seguidora de uma seita.

A filha de Marília Andrade, uma das acionistas da Andrade Gutierrez e que sempre recebia Lula e Dilma em jantares pelo mundo, conta em tom quase melancólico bizarrices e teorias como “o juiz Sergio Moro foi treinado nos Estados Unidos” e diz que a Lava Jato não serviu para combater a corrupção, apenas para que a elite quebrasse as empreiteiras. A moça, no entanto, resolveu deixar de fora da propaganda enganosa que produziu os milhões de brasileiros que foram às ruas pedir o impeachment de Dilma, a explicação da Lei da Ficha Limpa, que Lula tinha a maior rejeição entre todos os possíveis candidatos a presidente (31%), e ignorou por completo um dos mais importantes “detalhes” do nosso recente passado político: que o pedido de impeachment de Dilma Rousseff foi baseado no julgamento do Tribunal de Contas da União e que, em outubro de 2015, o TCU rejeitou as contas da petista devido às fraudes fiscais. Oh, detalhes. O filme, indicado a “Melhor Documentário” até mostra uma boa estética na filmagem, mas não compactua em absolutamente nada com a realidade e deveria estar na categoria ficção. Se entrasse na categoria comédia, então, acredito que teria ainda mais chances de levar a estatueta.

Mas sinceramente? Morando na Califórnia já há 10 anos e conhecendo como opera a Cidade dos Anjos, posso testemunhar que verdade e coerência são coisas, digamos, um pouco cafonas e ultrapassadas para muitos habitantes famosos daqui que mostram, por exemplo, enorme preocupação com o meio ambiente, mas só se deslocam usando seus jatos particulares e iates. Não creio que Hollywood faça tanta questão assim de saber sobre os crimes orçamentários de Dilma que culminaram no seu impeachment, ou as gordas propinas de Lula, ou os anos de silêncio dos habitantes do Planalto enquanto o governo se deitava com empresas e empreiteiras e fazia negócios obscuros e lucrativos para poucos usando dinheiro do contribuinte.

Há grandes chances de Hollywood aplaudir, de pé, a mentira de Petra. Hollywood gosta de mentiras. Muitas atrizes famosas que hoje são festejadas como “quebradoras do silêncio” contra predadores sexuais na maior indústria do entretenimento passaram anos numa bizarra mudez, alimentando uma perturbadora cumplicidade que acabou protegendo os próprios predadores sexuais. Enquanto roteiros de filmes eram trocados e fotos no tapete vermelho com vestidos de grife eram tiradas, outras mulheres sem a mesma projeção que as empoderadas de Hollywood eram vítimas de estupros e assédio sexual. Por que demoraram tantos anos para se tornarem “a voz das mulheres”? Hollywood vai reverenciar a mentira petista porque reverenciou atuações de mulheres poderosas e milionárias que davam belos discursos com os olhos marejados sobre o assédio e a violência contra a mulher, enquanto fingiam não saber quem eram os predadores, alguns deles na plateia, como Harvey Weinstein. Harvey, você tem 20 anos pra tirar a mão daí!

Aqui na capital do cinema mundial corre à boca grande mesmo o fato de que quem recusa o teste do sofá paga um preço, e quem aceita sobe mais rápido. Ser ético e profissional, ter valores e princípios morais dados pela família e não por séries e blogueiros lacradores, optar pelo bom, verdadeiro e justo sem atalhos ou concessões degradantes pode ser um “teto de vidro” profissional e pessoal para quem se dá ao respeito. Se não houver violência ou coerção, é opção. Acertado não é caro. O falso e hipócrita holofote de Hollywood não joga luz no verdadeiro problema do assédio na indústria e fora dela.

Torço para que “Democracia em Vertigem” seja o vencedor do Oscar e mostre mais uma vez que a festa do cinema, que num longínquo tempo já foi referência de qualidade cinematográfica, hoje não passa de um palco político-ideológico do “Eles Não”, mais um panfleto progressista da bolha hedonista de celebridades afetadas e desconectadas da sociedade. Não deveríamos nos incomodar tanto com o novo modelo “progressista” de ser da festa hollywoodiana, mas como fechar os olhos para a hipocrisia de gente que se cala durante anos e se vende por dinheiro e projetos de poder? Estava falando de algumas cabeças de Hollywood, mas, sim, poderia ser do governo petista. Como dizia meu saudoso pai, criado na fazenda: “boi preto conhece boi preto”.

Se você torceu o nariz para a indicação de “Democracia em Vertigem” ao Oscar, acredite, o filme está no lugar certo, rodeado de hipocrisia e atuações dignas da estatueta, com atores da vida real que escondem verdades inconvenientes para blindar uma vida de mentiras. A produção brasileira, que conta com pitadas de pura pieguice (“Lula é um escultor cujo material é a argila humana”!) e é recheado de delírios conspiratórios, perdeu a oportunidade de mostrar um pouco, só um pouco, porque petista não é de ferro, uma pitada de verdade e honestidade intelectual convidando o Partido dos Trabalhadores a uma autocrítica, principalmente depois do vertiginoso declínio do capital político pelo Brasil.

Mas jamais veremos uma autocrítica por parte do partido que quase destruiu o Brasil, e a razão é porque o PT não cometeu erros, o PT cometeu crimes e isso não importa para Petra, Dilma ou Lula. A companheirada socialista que só anda com a elite endinheirada vai para a América vestida de grife para vender vertigem e enganação e se empanturrar do capitalismo malvadão. Afinal, no sofá de Hollywood sempre cabe mais uma empreiteira, mais uma mentira. Boi preto conhece boi preto.

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