Carlos Fernandodos santos lima

Não precisamos de investigação, mas de impeachment

16.04.21

Não precisamos de Comissão Parlamentar de Inquérito, mas do impeachment imediato de Jair Bolsonaro. Há crimes de responsabilidade suficientes cometidos por essa mediocridade que chamamos de presidente, e o Brasil não tem tempo para o jogo político, senão pura chantagem, que caracterizou, nos últimos anos, os trabalhos dessas comissões. Não se trata de produzir manchetes de jornais, fazer propaganda de presidenciáveis ou de tentar convencer partidários do presidente, mas de salvar vidas e famílias, salvar empregos e dignidade, salvar negócios e o futuro. Enfim, salvar o ano de 2022, pois este – e ainda estamos em abril – já está quase completamente perdido.

Investigar pressupõe que os fatos estejam ocultos, mas a omissão do governo federal e o comando pessoal de Jair Bolsonaro nas decisões que levam ao atual genocídio de brasileiros estão escancarados em seus pronunciamentos preconceituosos, em suas decisões equivocadas, em sua politização da saúde pública, em sua falta de empatia pelo sofrimento humano e completo desprezo pela vida. Basta ver que, no dia da instalação da CPI sobre a condução do combate à pandemia da Covid-19 pelo governo federal, tivemos pela primeira vez quatro dias seguidos com mais de 3 mil brasileiros mortos, totalizando quase 360 mil avôs e avós, pais e mães, filhos e filhas mortos em boa parte pela falta de coordenação do Ministério da Saúde e pela insistência em apostar contra a realidade, acreditando que seria possível enfrentar a peste apenas fingindo que ela não existia. Caminhamos para 500 mil mortes e não parece que a CPI vá trazer qualquer solução de curto prazo.

Não quero deixar Bolsonaro indefeso, pois mesmo Hitler deveria ser julgado de maneira justa pelos crimes cometidos. Acredito no contraditório, na livre defesa e no devido processo legal, assim como acredito na punição exemplar e em cadeia para criminosos graves. Ele que venha explicar no procedimento de impeachment, após seu afastamento preventivo, a sua previsão de um total de 3 mil mortos na pandemia; a destruição da capacidade de resposta do Ministério da Saúde, ao colocar lá um intendente incapaz de organizar até mesmo o rancho do quartel; a sua insistência em medicamentos ineficazes, como se a crença neles fosse suficiente para que mortes fossem evitadas; o seu enfrentamento com prefeitos e governadores, cogestores do Sistema Único de Saúde, o SUS, em oposição às medidas destes de isolamento social; a falta de oxigênio e medicamentos para intubação de pacientes e, pior, seu boicote à vacinação, que nos impediu de comprar vacinas já no ano passado e que ainda hoje é o principal entrave para que possamos atingir um nível adequado de imunização da população.

As CPIs são instrumentos desacreditados que consomem dias de negociações de bastidores em torno dos interesses políticos, partidários e pessoais, e pouquíssimo tempo realmente discutindo o interesse da população. Com certeza, essas comissões fizeram num passado distante um trabalho importante no Brasil, mas eu não chamaria uma comissão de passageiros para investigar o comportamento do motorista, enquanto o ônibus avança cada vez mais rápido e desgovernado para o penhasco.

Estamos caminhando a passos de tartaruga na vacinação, única solução viável de longo prazo, por desprezarmos a oportunidade, em 2020, de apostarmos nelas. Ainda assim, hoje, quando 8 em cada 10 vacinas aplicadas são aquelas produzidas pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo, vemos a máquina de desinformação do bolsonarismo insistir em desacreditar o imunizante, buscando uma polarização inconseqüente com João Doria, governador de São Paulo.

Está na hora de tomar o volante do veículo e entregar ao substituto, conforme permite a Constituição. Se não fizermos isso logo, a CPI poderá fazer quantas homenagens quiser para honrar os 500 mil mortos – número a ser alcançado possivelmente ainda durante os seus trabalhos, mas a classe política que ela representa também terá nas mãos o sangue dos mortos e as lágrimas de saudade dos vivos. É certo que estamos diante da pior classe política da história do Brasil, pessoas pequenas e mesquinhas, sedentas de vingança e ávidas por bons negócios, mas, se nem em um momento de dor e morte como o atual essas pessoas conseguem se unir além de seus interesses, temos que repensar como permitimos que fossemos comandados por  tamanhos vilões.

É preciso coragem agora de fazer o certo, e o certo é afastar Jair Bolsonaro. Não precisamos de cálculos políticos e eleitorais sobre a repercussão do impeachment, mas apenas retomar o Estado brasileiro e encaminhar uma solução de transição que busque acelerar a vacinação, diminua a circulação do vírus, garanta a manutenção de empregos e salve brasileiros da fome e do desamparo. Há um momento em que o certo independe do consenso, e o consenso é atualmente impossível com pessoas que secundam Jair Bolsonaro, pois elas preferem acompanhá-lo nas mentiras, no misticismo anticientífico, na polarização política e no desprezo por vidas humanas. O Estado existe para o bem comum e, para isso, dispõe dos meios necessários para impor as suas decisões dentro da lei. Tentar convencer os ignorantes de que são ignorantes é tempo perdido, pois eles querem acreditar simplesmente, e não pensar por si sós.

Assim, se querem se entupir de cloroquina ou ivermectina, essa é ainda hoje uma decisão individual cujo preço cada fígado irá pagar no seu devido tempo. Se a Sociedade Médica Brasileira ainda aceita a prescrição desses medicamentos off-label, ou seja, fora da previsão de uso cientificamente comprovado, isso poderá ser tratado nas instâncias médicas e legais pertinentes, mas gastar dinheiro público com medicamentos sem comprovação científica de eficácia, não usados para esse fim em nenhum outro país desenvolvido, enquanto faltam oxigênio e analgésicos, é inadmissível e constitui crime de responsabilidade. Imaginar que brasileiros estão sendo intubados conscientes e com dor, tentando desesperadamente receber a próxima golfada de ar, enquanto Bolsonaro e sua claque fazem piada disso, é suficiente para enojar qualquer pessoa de bem.

Não podemos nos enganar com a instalação da CPI, portanto, nem podemos “normalizar” 3 mil ou 4 mil mortos diários, na esperança de que nós e os nossos sejam poupados.

A única saída é acreditar na ciência, encontrar soluções para a aquisição de vacinas em grande quantidade e de diversas fontes, garantir recursos para os auxílios sociais, inclusive o emergencial, e buscar a retomada da economia o mais rápido que a realidade nos permitir. Estamos pagando um preço muito alto pela ridícula ideia de Bolsonaro de que poderia confrontar a realidade, impondo sobre ela sua vontade. A realidade sempre prevalece e o máximo que se pode fazer contra ela é enfiar a cabeça num buraco e mentir para si mesmo que ela não está acontecendo. Essa é, em resumo, a política atual do Brasil de Jair Bolsonaro e somente o seu impeachment poderá nos fazer sair dessa armadilha.

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