Vanessa Ataliba/Brazil Photo Press/FolhapressO juiz Moro: animado com o entusiasmo de "cidadãos comuns"

Moro, o superministro

O juiz da Lava Jato aceita convite de Jair Bolsonaro para integrar o futuro governo e se habilita, desde já, para suceder o presidente eleito. Crusoé apurou os bastidores da decisão
01.11.18

Passava pouco das 7 horas da manhã desta quinta-feira, 1º, quando o juiz Sergio Moro chegou ao Rio de Janeiro para uma reunião com o presidente eleito Jair Bolsonaro. A costura para o encontro havia sido feita dias antes por Paulo Guedes, o escolhido para o Ministério da Economia. Coube a Guedes, apresentado a Moro, levar uma proposta ousada de Bolsonaro: o presidente eleito queria tê-lo como ministro da Justiça, o que exigiria do juiz da Lava Jato largar a toga que veste há 22 anos e abdicar da caneta que lhe deu projeção nacional e internacional.

O convite foi feito durante a campanha eleitoral. Moro passou semanas refletindo sobre o assunto. Tinha dúvidas se valeria a pena deixar a magistratura para um mergulho, talvez até sem volta, no mundo da política. Com muito cuidado, procurou entender quais eram exatamente os planos de Bolsonaro para ele. Deixou claro, a todo tempo, que só consideraria a ideia se recebesse garantias de que teria carta branca para, a partir do governo, dar prosseguimento à sua missão de vida: o combate à corrupção.

O pacote oferecido por Bolsonaro era vistoso e deixou o juiz muito tentado. O ainda candidato sinalizou que, futuramente, poderia oferecer também a Moro uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal — um velho sonho do paranaense de Maringá de 46 anos que, há quatro, comanda a maior operação anticorrupção da história do país. Moro já havia dado a entender que aceitaria de bom grado a nomeação para o Supremo, mais adiante. Faltava-lhe, contudo, a segurança necessária para responder ao outro convite, ainda mais importante para Bolsonaro, para que se tornasse ministro do governo.

Essa era a parte mais complicada da equação. Para ser ministro do Supremo, evidentemente, ele não precisaria deixar de ser juiz. Bastaria esperar o surgimento da próxima vaga, prevista para 2020, com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Poderia, assim, permanecer em Curitiba, à frente da Lava Jato. Mas a proposta foi ficando mais e mais tentadora.

Moro quis saber qual seria o desenho do Ministério da Justiça no novo governo. Evidentemente, a pasta como está hoje não interessava nem um pouco. Sob Temer, com a criação do Ministério da Segurança Pública, o Ministério da Justiça passou a ser quase que decorativo. Uma das joias da coroa, a Polícia Federal, por exemplo, foi retirada do organograma e transferida para o gabinete ocupado atualmente por Raul Jungmann. O titular da Justiça, Torquato Jardim, virou personagem desimportante na Esplanada.

Bolsonaro dá entrevista logo após a confirmação do nome de Moro: “Ele queria uma liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado”
Tamanha era a vontade de Bolsonaro de ter o juiz em seu time que as respostas às indagações de Moro eram rápidas. Ele deu garantias de que o ministério não apenas voltaria à configuração original como seria anabolizado. Para Moro, que a cada nova conversa emitia sinais de que estava interessado na ideia, era preciso transformar a pasta em uma grande trincheira a partir da qual fosse possível amplificar o trabalho da Lava Jato e, como ele dizia a interlocutores, criar uma espécie de “Plano Real” contra a corrupção.

Aos poucos, entre uma conversa e outra, foi sendo desenhado o superministério. A Polícia Federal voltaria para a pasta, que passaria a controlar ainda uma parte do Coaf, órgão de inteligência hoje subordinado ao Ministério da Fazenda que tem por atribuição monitorar transações financeiras suspeitas. O Ministério da Transparência e a Controladoria-Geral da União, que fiscalizam a aplicação de recursos públicos e vigiam a conduta de servidores, também passariam a integrar a pasta. Para além de reunir os órgãos de controle, de investigação e de combate à lavagem de dinheiro, ao ministério seria agregada a atribuição de coordenar outra frente de trabalho cara ao presidente eleito: a segurança pública e o combate ao crime organizado.

Oferta lançada, desejos atendidos, faltava a resposta do juiz.

Moro ouviu pessoas próximas. Perguntava o que achavam da possibilidade de ele passar a integrar um eventual governo Bolsonaro. Dizia que ainda estava pensando. O juiz ouviu opiniões em todos os sentidos. Alguns o apoiavam. Outros faziam ressalvas. Ele sabia que, se aceitasse, seria alvo de artilharia pesada, especialmente dos petistas, que sempre tentaram imputar-lhe motivações políticas.

Antes do primeiro turno, Moro já refletia sobre a possibilidade, embora evitasse tocar no assunto. O resultado da eleição, aliás, era a maior preocupação do juiz. Ele acompanhava detidamente os números de cada pesquisa eleitoral. Em caso de vitória de Fernando Haddad, já contava que muito provavelmente teria de deixar o país.

As razões do temor eram óbvias. Desde o início da Lava Jato, Moro foi declarado pelo PT como um dos grandes inimigos do partido. Depois que condenou Lula por lavagem de dinheiro e corrupção, o clima piorou ainda mais. Com pessoas próximas, ele brincava sobre a decisão que sairia das urnas. Dizia que, a depender do vencedor da corrida presidencial, poderia ser exilado ou virar ministro.

Uma vez anunciado o vencedor, Moro respirou aliviado. Em nota, parabenizou Bolsonaro: “Encerradas as eleições, cabe congratular o presidente eleito e desejar que faça um bom governo. São importantes, com diálogo e tolerância, reformas para recuperar a economia e a integridade da administração pública, assim resgatando a confiança da população na classe política”. Persistia, porém, a dúvida. Por mais que estivesse animado com a ideia de ser ministro, ele ainda não tinha certeza se deveria aceitar o convite.

Seguiu-se, então, uma nova rodada de consultas. Foram muitas as reflexões. Tempos atrás, Moro chegou a ser cogitado como possível candidato à Presidência da República. Seu nome foi até lançado em algumas pesquisas, ainda antes do início da pré-campanha, graças à projeção que ganhou com a Lava Jato. Se tivesse topado largar a carreira de juiz para se candidatar a presidente, muito provavelmente teria arrebanhado muitos votos e, quem sabe, até poderia ser hoje o presidente eleito no lugar de Jair Bolsonaro. Como candidato, seria o portador da bandeira anticorrupção que acabou empunhada pelo capitão da reserva.

A trajetória do juiz

 

Moro, porém, não se animou com a ideia de candidatar-se a presidente, embora tenha refletido a respeito. Achou melhor permanecer com a toga. No fim, prevaleceu a avaliação de que não pegaria bem a candidatura de um juiz que prendeu aquele que seria seu principal oponente.

Agora, com a eleição de Bolsonaro e o convite para integrar o governo, a situação enfrentada meses antes voltava à cabeça do juiz: se ele não quis deixar a magistratura para sair candidato ao Planalto, com virtual chance de vitória, por que deixaria para assumir um cargo menor? Era um dos dilemas.

A outra inquietação dizia respeito à própria relação com Bolsonaro e à possibilidade de um desentendimento qualquer nos primeiros anos como ministro inviabilizar a futura nomeação para o Supremo. O juiz também era alertado de que a sua nomeação, em tese, poderia ser muito mais interessante para Bolsonaro do que para ele próprio. Para o presidente eleito, seria um tento poder anunciar como integrante de seu governo alguém com o capital do juiz. Para Moro, poderia ser uma decisão arriscada: o Ministério da Justiça — ainda mais com sua configuração ampliada — é foco constante de crises. De pedra na Lava Jato, ele poderia passar a vidraça como chefe da pasta.

Até a última terça-feira, o juiz estava pensativo, mas bastante propenso a aceitar o desafio. Para bater o martelo, ele queria ouvir de Bolsonaro, em conversa frente a frente, a garantia de que teria amplos poderes no cargo. Ainda naquele dia, depois de Bolsonaro dizer publicamente que gostaria de tê-lo como ministro, Moro manifestou-se pela primeira vez sobre o convite. Em nota oficial, disse que se sentia honrado com a lembrança e que o convite, se formalizado, seria “objeto de ponderada discussão e reflexão”.

Já na quarta, Moro confirmaria, também em nota, que iria ao Rio no dia seguinte para conversar com Bolsonaro pessoalmente. A Crusoé, ele disse que a conversa serviria para tratar da “convergência de planos”. O juiz chegou ao Rio com a decisão praticamente tomada. Já estava decidido que valeria enfrentar o novo desafio. Depois do encontro com Bolsonaro, na casa do presidente eleito, o juiz finalmente confirmou que aceitara o convite.

ReproduçãoReproduçãoCom fama de linha-dura, a juíza Gabriela Hardt substituirá Moro por enquanto
“Após reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para a pasta, aceitei o honrado convite. Fiz com certo pesar pois terei que abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a pespectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão”, afirmou. Ele prosseguiu: “Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior”. Sobre o futuro da Lava Jato, disse que a operação seguirá “em Curitiba com os valorosos juízes locais”.

Moro anunciou que, “para evitar controvérsias desnecessárias”, se afastará imediatamente de suas atribuições na 13ª Vara Federal de Curitiba. O juiz interrogaria o ex-presidente Lula no próximo dia 14, como parte do processo em que o petista é acusado de receber favores de empreiteiras durante a reforma do sítio de Atibaia. A tarefa, agora, deve ficar a cargo da juíza substituta, Gabriela Hardt. A magistrada, que já despachava em processos da Lava-Jato durante as ausências de Moro, é tida como rigorosa. Foi ela, por exemplo, quem ordenou a prisão de José Dirceu neste ano. E, em 2015, determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-ministro petista.

Ao deixar as funções de juiz para ocupar um cargo no governo Bolsonaro, Moro foi alvo de elogios de uns e críticas de outros. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viu com bons olhos. “A corrupção arruína a política e o país. Se Moro a combater, ajudará o país”, disse o tucano. A ex-presidente Dilma Rousseff reprovou. “O juiz Moro anuncia que largará a magistratura para ser ministro do governo que viabilizou a eleição com suas decisões. O rei está nu”, disse a petista, obviamente.

Para Bolsonaro, a nomeação foi uma jogada de mestre. De partida, o presidente eleito traz ainda mais para perto de si todo o capital político e apoio popular que a Lava Jato acumulou ao longo de quatro anos de operação. Para Moro, será, sem dúvida, um desafio hercúleo. De um lado, ele terá a oportunidade de revolucionar o combate à corrupção no país e tentar frear o crime organizado – uma das principais bandeiras da campanha presidencial. De outro, terá que enfrentar uma experiência inédita na administração pública: sob sua caneta, terá agora um orçamento bilionário, além da tarefa de gerir licitações, distribuir recursos aos estados e fazer cortes de gastos e de pessoal.

Horas após a confirmação do nome de Moro como integrante de seu governo, Bolsonaro afirmou em entrevista coletiva que o juiz terá carta branca para combater a corrupção e o crime organizado. “Eu concordei com 100% do que ele propôs. Ele queria uma liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado, e um ministério com poderes para tal (…) Ele tem ampla liberdade, realmente, para exercer o seu trabalho lá”, disse.

Moro deverá ser um dos mais poderosos integrantes do futuro governo. Ao lado de Paulo Guedes, o interlocutor que ajudou a pavimentar a sua chegada ao ministério, tende a catalisar as atenções na nova Esplanada. A essa altura, a possível nomeação para o Supremo Tribunal Federal, o sonho de outrora, terá virado acessório.

Ao aceitar o desafio de largar a toga para se tornar ministro do governo, Moro atravessou a fronteira que o separava da política e, agora, já se cacifa, inclusive, para a sucessão do próprio Bolsonaro. Se antes o incomodava a ideia de deixar o posto de juiz para ser candidato, agora o caminho parece mais livre para uma candidatura presidencial. Claro que tudo dependerá do desempenho do futuro superministro da Justiça. Mas, na prática, a escala que ele fará no governo que tomará posse em janeiro atenua a transposição que antes parecia mais complicada — e o coloca em condições de alçar voos ainda mais altos.

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