ReproduçãoSessão de impeachment de Donald Trump: senadores são obrigados a participar e não podem usar celulares

Julgamento histórico

Entenda quem são os protagonistas e quais são as regras do impeachment de Donald Trump no Senado americano
24.01.20

O episódio final do processo impeachment de Donald Trump se aproxima. Com a possibilidade de a votação no Senado americano ocorrer já no final de janeiro ou início de fevereiro, Trump será o terceiro presidente americano a passar pela experiência. O primeiro foi Andrew Johnson, em 1868, e o segundo foi o democrata Bill Clinton, em 1999.

A Constituição americana afirma que um presidente pode ser removido do cargo pelo Congresso caso incorra em crimes de “traição, suborno e outros crimes qualificados”. Não há leis, contudo, tipificando quais condutas poderiam ser encaixadas nesses delitos. Quem decide se uma atitude do presidente se enquadra ou não nessa lista são os congressistas. É um jogo essencialmente político.

No ano passado, a Câmara dos Representantes, cuja maioria é do Partido Democrata, de oposição ao presidente, iniciou uma investigação sobre diversos eventos que começaram a ser revelados a partir de uma denúncia feita por um analista da CIA. Ele citou uma conversa telefônica datada do dia 25 de julho de 2018, entre o presidente Donald Trump e o presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky. Na conversa, Trump teria pressionado o ucraniano a realizar uma investigação sobre seu rival político e pré-candidato democrata Joe Biden. A Casa Branca divulgou a transcrição da conversa e os deputados iniciaram o processo, entrevistando diversos diplomatas e funcionários do governo.

Ao final, os parlamentares entenderam que Trump cometeu dois crimes, os quais poderiam ser considerados como “traição, suborno e outros crimes qualificados”. Essas duas acusações, ou artigos de impeachment, foram aprovadas em votação na Câmara dos Representantes e agora estão sendo avaliados pelo Senado.

ReproduçãoReproduçãoDonald Trump: “Nós temos todo o material. Eles não têm o material”

As acusações

A primeira acusação é a de abuso de poder. Segundo os democratas, Trump teria se utilizado de sua posição como presidente dos Estados Unidos para obter vantagens pessoais na corrida presidencial deste ano. “O presidente solicitou e pressionou uma nação estrangeira, a Ucrânia, a ajudá-lo a trapacear na próxima eleição presidencial, pedindo que (seu presidente, Vladimir Zelensky) anunciasse duas investigações: a primeira delas sobre um cidadão americano que também é seu rival político (o democrata Joe Biden); a segunda sobre uma teoria da conspiração sem fundamento, promovida pela Rússia, de que a Ucrânia, e não a Rússia, teria interferido nas eleições de 2016. O presidente Trump coagiu a Ucrânia a fazer esses dois anúncios, cancelando dois atos oficiais: a liberação de uma ajuda militar ao país (que está em luta contra separatistas que querem unir-se à Rússia), e o agendamento de um encontro vital na Casa Branca (entre Trump e Zelensky)”, diz um documento divulgado pelos democratas.

A segunda acusação é de obstrução de investigação da parte do Congresso. Trump teria dado ordens para que nove de seus subordinados com conhecimento em primeira mão das conversas com a Ucrânia não respondessem a questionamentos dos deputados. O presidente também teria se negado a entregar documentos aos congressistas. “Honestamente, nós temos todo o material. Eles não têm o material”, disse Trump na quarta-feira, dia 22, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.

A defesa

Para os defensores de Trump, não faz sentido falar em abuso de poder uma vez que o presidente tem total liberdade e autonomia para definir a política externa. Em relação à acusação de obstrução do Congresso, os advogados de Trump afirmam que ele só deu as ordens para silenciar seus subordinados depois de consultar o Departamento de Justiça. Segundo a sua defesa, o presidente solicitou a três de seus conselheiros que não aceitassem os convites para participar de audiências porque eles, por terem cargos elevados, são imunes a esse tipo de convocação. Os advogados também alegam que o processo movido pelos democratas tem motivação puramente política. “A Câmara dos Representantes estava determinada desde o começo a encontrar uma maneira — qualquer maneira — para desvirtuar o extraordinário poder do impeachment, para usá-lo como uma ferramenta política e reverter o resultado da eleição de 2016 e interferir na eleição de 2020”, diz o texto dos advogados.

O time democrata

Os democratas escolheram sete deputados para atuar como promotores do impeachment no Senado. À frente do grupo está Adam Schiff, que é da Califórnia e comanda o Comitê de Inteligência da Câmara. Na quarta-feira, 22, Schiff comandou o primeiro dia de apresentação dos argumentos contra Trump. “Se o Senado não resolver o caso e o presidente não for destituído do cargo, o abuso de poder e a obstrução do Congresso alterarão permanentemente o equilíbrio de poder entre os ramos do governo”, disse Schiff.

ReproduçãoReproduçãoAdam Schiff, um dos democratas que integram o grupo de promotores

O time republicano

Trump recrutou uma equipe de advogados para se defender das acusações formuladas pelos deputados democratas. Kenneth Starr é uma das estrelas do time. Em 1998, como promotor, ele conduziu interrogatórios e acumulou evidências no processo de impeachment contra o presidente democrata Bill Clinton, acusado de perjúrio, ao mentir sobre a sua relação íntima com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky. Entre as provas que guardou, estava o vestido azul de Lewinsky com sêmen do presidente. Outro nome de peso é o de Alan Dershowitz, professor de Harvard que já defendeu o lutador de boxe Mike Tyson, o ex-jogador de futebol americano O.J. Simpson e o milionário Jeffrey Epstein. Este último, que morreu na cadeia misteriosamente, foi acusado de montar um esquema de abuso sexual de menores de idade. Duas vítimas de Epstein disseram que Dershowitz utilizava igualmente os serviços sexuais patrocinados pelo empresário. O advogado da Casa Branca, Pat Cippolone, um dos homens de maior confiança de Trump, também integra a equipe de defensores.

As regras

Com a chegada do processo de impeachment ao Senado, a Casa se transforma em um grande tribunal, no qual os senadores atuam como jurados. O presidente desse tribunal é o juiz-chefe da Suprema Corte, John Roberts Jr. As regras tendem a seguir as mesmas dos processos de impeachment anteriores, mas podem ser alteradas se submetidas a votação pelo Senado. Basta ter maioria na Casa para que uma norma seja implementada.

Seguindo a tradição, o Senado funciona seis dias por semana quando há um impeachment em curso. No processo de Bill Clinton, cada uma das partes teve direito a 24 horas para expor seus argumentos, não podendo ultrapassar quatro dias. O líder dos republicanos no Senado, Mitch McConnel, sugeriu inicialmente que o limite fosse de dois dias. Sob pressão, ele aumentou para três.

A apresentação dos argumentos começa sempre às 13 horas de Washington (15 horas em Brasília). Os promotores democratas deverão terminar a explanação nesta sexta, 24. Os republicanos iniciarão no sábado, 25. Não é necessário usar todos os dias a que se tem direito.

Durante a apresentação dos argumentos, os senadores não podem usar celulares ou tablets. Também não podem trocar bilhetinhos, comer lanches ou tomar café.

Todos os senadores são obrigados a participar. Com isso, quatro presidenciáveis, Bernie Sanders, Elizabeth Warren, Amy Klobuchar e Michael Bennet, tiveram de se afastar da campanha pela nomeação no Partido Democrata. A primeira eleição primária nos Estados Unidos ocorrerá em Iowa, no dia 3 de fevereiro. Os dois pré-candidatos democratas que ganham com a reclusão dos demais são Joe Biden e Pete Buttigieg.

Após a apresentação do argumentos de ambos os lados, a defesa de Trump poderá se opor à utilização de algumas evidências amealhadas pela Câmara dos Representantes. Se isso acontecer, não se sabe se o Senado debateria a questão ou se caberia uma decisão do juiz-chefe da Suprema Corte, John Roberts Jr.

ReproduçãoReproduçãoJohn Roberts, o juiz-chefe da Suprema Corte

As perguntas

Na etapa seguinte, os senadores podem enviar perguntas por escrito ao presidente do tribunal do impeachment, Roberts Jr. Ele selecionará as perguntas que achar pertinentes. Roberts lerá as perguntas escolhidas em voz alta, citando o nome de seus autores, e as direcionará para a defesa de Trump ou para o time de promotores democratas, segundo a sua própria escolha. Essa fase deve ser concluída em até 16 horas.

O imprevisível

Após as perguntas, os senadores devem decidir se é o caso de convidar novas testemunhas para depor e incluir novas evidências. Depois que cada lado defender seu ponto de vista ao longo de duas horas, o presidente do tribunal colocará o tema em votação. Vence quem tiver o voto da maioria dos 100 senadores. Os republicanos têm 53 cadeiras. Os democratas, 45. Dois são independentes e sempre se alinham aos democratas. Sendo assim, basta que quatro republicanos apoiem a convocação de testemunhas, para autorizar essa possibilidade. Se nenhum republicano mudar de lado, o processo pula para o seu desfecho.

Por enquanto, três senadores republicanos já se declararam abertos a chamar testemunhas: Mitt Romney, de Utah, Susan Colins, do Maine, e Lisa Murkowski, do Alasca.

Essa votação será central no processo. Os democratas querem interrogar pessoas que tiveram envolvimento direto nas negociações com a Ucrânia. Entre elas, está John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional de Trump. Ele foi contra o bloqueio temporário da ajuda militar para a Ucrânia, porque entendia que os ucranianos precisavam urgentemente dos equipamentos para conter a influência da Rússia.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisBolton com militares ucranianos em 2019, quando ainda era assessor
Em contrapartida, os republicanos ameaçam fazer uma “troca de testemunhas”. O raciocínio é o seguinte: já que os democratas querem chamar republicanos para depor, eles convocariam o pré-candidato democrata Joe Biden e seu filho Hunter. Embora não existam evidências de que os Biden tenham cometido crime de corrupção na Ucrânia, o conflito de interesses é evidente. Hunter ganhou um posto no conselho na empresa de gás natural da Ucrânia, Burisma, com um salário mensal de 50 mil dólares, quando seu pai, Joe, era o vice de Barack Obama.

Se novas testemunhas forem aceitas, elas serão interrogadas em sessões fechadas e não haveria uma data limite para que fossem concluídas. A chance de isso acontecer, contudo, é baixa.

O desfecho

O Senado fará uma votação para cada um dos dois artigos de impeachment, sem necessidade de debate. Para que Trump seja deposto, será preciso que dois terços dos senadores — 67 votos — acolham pelo menos uma das acusações. Como há 47 democratas na casa, eles precisam convencer vinte republicanos a se posicionar contra o presidente. Nas atuais condições de temperatura e pressão, isso é improvável.

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