Divulgação/Favaro ArquitetosSob o argumento da geração de empregos e da arrecadação de tributos, o lobby do jogo de azar avança no Congresso

Jogo explícito

Antes moderado, o lobby no Congresso Nacional para liberar cassinos no Brasil é cada vez mais escancarado, e desta vez deve funcionar
14.02.20

Os olhos da deputada federal Magda Mofatto cintilam quando ela fala sobre cassinos no Brasil. “O país precisa disso. É o maior gerador de empregos, pois não para, precisa de gente trabalhando o tempo inteiro.” Dona de doze hotéis que somam 15.500 leitos em Caldas Novas, município goiano famoso por suas águas quentes, a parlamentar do PL tem um terreno do tamanho de 20 campos de futebol na entrada da cidade destinado a um resort com cassino. Contando com investimento estrangeiro e a disposição dos colegas parlamentares, ela mantém contato com empresários de Las Vegas, onde esteve com congressistas brasileiros favoráveis à legalização dos jogos de azar. O grupo aposta que um projeto de lei sobre o tema será colocado em votação em breve, conforme prometido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Unidos no notório Centrão, dono de pouco mais de 200 votos na Câmara, os defensores da legalização dos jogos nunca falaram tão abertamente sobre o tema. Eles jogam juntos e, em geral, afinados. Argumentam que, com a medida, podem ser criados até 700 mil empregos e arrecadados 30 bilhões de reais em tributos em todo o país por ano. Só não há consenso sobre o alcance da lei. O grupo se divide entre os que querem a liberação de várias modalidades — incluindo bingos eletrônicos e o popular jogo do bicho — e aqueles que defendem apenas a volta dos cassinos, por considerar que um texto mais restritivo enfrentaria menor resistência.

O sempre investigado Paulinho da Força é um dos representantes do lobby dos jogos na Câmara. Deputado por São Paulo e presidente nacional do Solidariedade, ele implorou ao presidente Jair Bolsonaro, em um almoço no fim do ano passado, para regulamentar a atividade. Paulinho jura pensar apenas na geração de emprego e renda. Ele, que joga no time dos que pedem a liberação total, também veste a camisa de grupos espanhóis que dominam o comércio de máquinas caça-níqueis — os bingos eletrônicos — na Europa e no México e lucraram com o jogo no Brasil nos anos 1990 e 2000, quando o negócio não era criminalizado. “Já conversei muito com eles. Têm total interesse em investir no Brasil de novo”, afirmou o deputado a Crusoé. À frente de um desses grupos com os quais Paulinho fala, está a família Ortiz, que saiu do Brasil quando o STF tornou ilegais todos os bingos, em 2007. Alejandro Ortiz e seu irmão Johnny fundaram duas companhias no exterior, a Ortiz e a Zitro, líderes do setor na Europa. “Tenho meu interesse próprio como jogador. Sim, eu jogo nas maquininhas toda vez que vou a São Paulo, antes das peladas de futebol com amigos. Lá tem maquininha em todo botequim. Todo mundo sabe disso. Só quem não ganha é o Estado”, afirma Paulinho. Ele diz ganhar com as apostas “o suficiente para pagar a cerveja depois da pelada”.

Partido SolidariedadePartido SolidariedadePaulinho da Força veste a camisa de empresários das máquinas caça-níquel
O líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira, é outro defensor do libera-geral. Ele emula o pai, Benedito de Lira, que, em 2017, quando era dono de uma cadeira no Senado, assinou um relatório favorável à legalização do jogo do bicho, do bingo, do videobingo, de apostas esportivas e não esportivas e de cassinos. Pai e filho também estão unidos pela Lava Jato — aliás, se há algo em comum entre os mais proeminentes apoiadores dos cassinos no Brasil é o fato de eles serem encalacrados com a Justiça. Arthur é réu em dois processos no Supremo, além de ser acusado pela ex-mulher de ocultar um patrimônio de 40 milhões de reais construído, segundo ela, por meio de propina. Benedito foi alvo de duas denúncias, uma arquivada e a outra, a do chamado “quadrilhão do PP”, ainda não julgada.

Arthur e Benedito de Lira, que representam Alagoas, argumentam que os jogos aqueceriam o turismo a ponto de acabar com o desemprego no Nordeste do país. É a mesma pregação do deputado Newton Cardoso Jr., do MDB mineiro, só que em favor de Minas Gerais. Presidente da Comissão de Turismo, ele foi um dos principais responsáveis por convencer Rodrigo Maia a colocar o projeto de legalização em votação ainda no primeiro semestre. Newtinho, como é conhecido por ser filho do lendário Newtão — Newton Cardoso, o enrolado ex-governador de Minas — abraçou os planos ambiciosos e milionários de investidores asiáticos, como a Shun Tak Holdings, dona de alguns dos maiores cassinos da Ásia e da Europa. Newtão e Newtinho entendem de negócios. A família tem uma fortuna estimada em 3 bilhões de reais — grande parte em terras à espera de investimentos –, conquistada por meio de transações escusas, conforme uma série de investigações do Ministério Público.

Do mesmo MDB de Newton Cardoso Jr., o paulista Herculano Passos exalta os modelos de Las Vegas, Macau e Singapura, em consonância com o projeto que o Centrão quer logo aprovar. Um deles seria instalado, de preferência, em Itu, da qual Passos foi prefeito por dois mandatos e onde tem restaurantes, casas, prédios e lotes. Ele, assim como os outros integrantes da bancada do jogo no Congresso, também tem contas a prestar à Justiça. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça manteve a sua condenação por suposto direcionamento na compra de cestas básicas quando era prefeito de Itu, em 2005. Ele foi sentenciado à suspensão dos direitos políticos por cinco anos, além de multa, mas não foi afastado do mandato porque a sentença ainda não transitou em julgado.

Reprodução/TwitterReprodução/TwitterNewton Cardoso Jr. com o pai: deputado joga pela liberação dos cassinos
Liberados no governo de Getúlio Vargas, os cassinos fizeram parte do cotidiano de brasileiros endinheirados nas décadas de 1930 e 1940, até que um decreto presidencial fechou os 70 estabelecimentos existentes no país. Desde o fim da ditadura militar, a ideia de legalizar os jogos de azar vai e volta, com mais ou menos força, a cada governo. Em 1993, a Lei Zico legalizou os bingos eletrônicos, sob a justificativa de recolher impostos e estimular os esportes olímpicos. No entanto, em 2004, em meio a denúncias de corrupção, com máfias comandando a jogatina e entidades que seriam beneficiadas com percentual do lucro das casas sem ver a cor do dinheiro, Lula decretou o fechamento de mais de 1.100 bingos. Em 2007, o STF jogou a atividade na ilegalidade de vez — algumas casas ainda funcionavam protegidas por liminares. O próprio Lula mudou de ideia poucos anos depois, ao cunhar o termo “desbanditizar”, para embalar a proposta de legalização não só de bingos como de todos os jogos no país. Embora tenha recebido o apoio do governo Dilma Rousseff, o projeto ficou em banho-maria até este ano. Durante a tentativa de obter o libera-geral nos anos em que o PT esteve no poder, petistas de proa, como Waldomiro Diniz, ex-auxiliar de José Dirceu na Casa Civil, foram pilhados em relações heterodoxas com o submundo da jogatina.

Agora, os parlamentares do Centrão enxergam uma nova oportunidade com a mudança de postura do presidente Jair Bolsonaro. Durante a campanha de 2018, o então candidato nem sequer admitia discutir o assunto. “Nós sabemos que o cassino aqui no Brasil, se tivesse, seria uma grande lavanderia, serviria para lavar dinheiro. E também para destruir famílias. Muita gente iria se entregar ao jogo e casos se fariam presentes no seio das famílias aqui no Brasil”, afirmou Bolsonaro em uma das suas lives no Facebook. Hoje, o presidente demonstra flexibilidade ao abordar o tema. Ele já defende, por exemplo, que cada estado possa estabelecer suas regras. De acordo com auxiliares, Bolsonaro se rendeu aos argumentos de que bingos e cassinos legalizados são potenciais geradores de emprego e renda, além de contribuir para o turismo nacional. Rodrigo Maia estuda levar ao plenário um projeto de lei de 1991, que recebeu alterações até 2015, quando ficou pronto para ser votado. Pela proposta, apenas os cassinos estariam liberados.

O senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do presidente, esteve em Las Vegas em janeiro, com dinheiro do Senado, para se encontrar com representantes de casas de jogos. Entre eles, o empresário salvadorenho Mario Guardado, diretor de um cassino na cidade e um dos maiores lobistas pela legalização dos jogos de azar no Brasil. Flávio também se reuniu com diretores da Las Vegas Sand Corporation, de propriedade de Sheldon Adelson, o bilionário que contribuiu com 25 milhões de dólares para a campanha de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos — o maior doador individual do republicano. “Resorts integrados, como os existentes em Singapura, por exemplo, geram milhares de empregos e alimentam toda uma cadeia produtiva, num curto espaço de tempo. Fizemos mais uma importante reunião, em que grandes empresas reforçaram a disposição de investir bilhões no Brasil, desde que regulemos o assunto para que tenham transparência e segurança jurídica”, disse Flávio, em vídeo gravado em um dos corredores do cassino Venetian e publicado no Instagram. Em março do ano passado, os cassinos em território brasileiro já haviam sido tema de conversa entre Jair Bolsonaro e Trump, em Washington. Para convencer seu eleitorado, principalmente o evangélico, os Bolsonaro citam o potencial da Costa Verde — no litoral sul do Rio de Janeiro, onde a família presidencial tem casa — como um lugar para receber cassinos à beira-mar.

Presidência da RepúblicaPresidência da RepúblicaCrivella convenceu parte da bancada evangélica a dizer “amém” à jogatina
Parte da bancada evangélica já diz amém à proposta, graças ao lobby iniciado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, e abençoado pelo deputado Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara, seu colega de Republicanos. Sob alegação de que os cassinos podem ajudar a alavancar a economia do Rio e contribuir para que a cidade e o estado saiam do atoleiro, Pereira, que assim como Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal, agora tenta convencer o restante da bancada. A equipe do prefeito carioca propaga que, com os cassinos, o turismo injetaria 27 bilhões de reais por ano apenas no estado do Rio.

Os números, no entanto, não encantam o líder da frente evangélica na Câmara, o deputado Silas Câmara, do Republicanos. “Presidente, partido, bancada, nada nos fará mudar de opinião. Isso é uma questão de princípio, é um tema sem discussão. Jogo está relacionado a vício, destruição de família, exploração infantil, corrupção, consumo de drogas, tudo de ruim contra o que lutamos”, afirma o pastor da Igreja Assembleia de Deus, que é apadrinhado por Silas Malafaia. Outros deputados membros da Assembleia de Deus na Câmara, como Sóstenes Cavalcante, do DEM, e Marco Feliciano, do Podemos, engrossam o coro. Para o grupo, além de alimentar o vício, as casas estão ligadas a máfias internacionais e servem para lavar dinheiro de atividades criminosas e enviar irregularmente divisas para paraísos fiscais. Nesse front, eles têm como aliada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, mas a disputa nunca esteve tão desequilibrada como agora. O lobby dos cassinos joga pesado.

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