MarioSabino

Imprensa boa é sem propaganda estatal

01.11.18

O presidente eleito Jair Bolsonaro voltou a dizer que vai tirar propaganda estatal da Folha de S.Paulo, por causa das matérias do jornal contra a sua candidatura. Diante da ameaça de Bolsonaro, a Folha respondeu que não precisa dessa verba para sobreviver.

Não importa se Bolsonaro tem razão em estar contrariado com a Folha. Não importa se o jornal independe dos anúncios do governo e adjacências. Sou contra tirar propaganda estatal de publicações específicas, porque a mesma mão que tira dinheiro da imprensa, quando enfrenta dificuldades com jornalistas, é aquela que pode dar dinheiro à imprensa, para comprar facilidades com jornalistas. É arbitrário e desonesto nos dois sentidos.

Bolsonaro não deve se igualar a Lula, eu já disse em outros artigos, ainda que a história da compra ilegal de pacotes de WhatsApp estampada pela Folha esteja muito longe das denúncias comprovadas contra o hoje presidiário. A mando do petista, a Veja, da qual eu era redator-chefe, deixou de receber anúncios estatais por causa da cobertura do mensalão. Estamos falando de 2005. A Veja, então a revista mais rica do país, cheia de propaganda de empresas privadas, não necessitava do dinheiro do governo. A soma representava cerca de 1% do faturamento anual da Veja. Pouco. Mas a editora Abril, por causa da revista, também perdeu os anúncios da administração federal e empresas do Estado – e isso representava aproximadamente 14% do faturamento da editora. Muito. Resultado: como se não bastassem as pressões externas, a direção da Veja tornou-se alvo internamente de executivos da Abril insatisfeitos com a perda financeira. Eu, por exemplo, passei a ser pintado como “desequilibrado” – epíteto que foi parar na biografia de Roberto Civita escrita por um ex-colega que gentilmente não me ouviu a respeito desse detalhe.

No Brasil, o governo é capaz de influir para que empresas privadas deixem de anunciar em jornais e revistas, uma vez que quase todas têm interesses em Brasília. O tamanho desproporcional do Estado na economia é um empecilho e tanto para a liberdade de imprensa. Há ainda a pressão que nada tem a ver com o governo. Constatei-a em quase todas as redações pelas quais passei. Quando trabalhei na Folha, entre 1984 e 1985, não saía uma notícia sobre o Bradesco sem a autorização da direção do jornal. Na Istoé da década de 1990, era proibido criticar Orestes Quércia, e o homem nem era mais governador. Na Veja, o Safra criava problemas sempre que saía uma reportagem desfavorável ao banco. Depois de a revista publicar que grandes investidores brasileiros haviam perdido dinheiro com os fundos de investimento do Safra ligados ao trambiqueiro americano Bernard Madoff, um dos donos do banco reclamou com Roberto Civita: “Foi com reportagens assim que começou o Holocausto”.

Lula tirou publicidade estatal da Veja e da Abril e, ao mesmo tempo, entupiu de dinheiro público a rede de blogs sujos do PT, organizada sob os auspícios de Franklin Martins. Essa gentalha continua a tentar sujar a reputação de jornalistas independentes. Recentemente, um deles reproduziu mentiras deslavadas contra O Antagonista, assinada por um professor de Geografia da Unicamp e um sujeitinho que se diz jornalista. Isso mesmo: professor de Geografia. O vagabundo ganha salário de universidade pública para ensinar qual é a capital do Burundi e dedica o seu tempo a escrever lorotas para tentar defender a organização da qual é militante – entre elas, pode rir, a de que Diogo Mainardi é informante de Washington. Professor de Geografia da Unicamp que milita quando deveria dar aula é agente de propaganda que recebe financiamento indireto de um governo que permanece aparelhado.

O meu ponto é simples: Jair Bolsonaro tomaria a atitude correta se cortasse integralmente a propaganda estatal de todas as publicações impressas, digitais e emissoras de rádio e TV. Falem bem ou mal do seu governo. E quem vier após Bolsonaro deveria ser impedido de dar dinheiro para a imprensa. Façam uma PEC, sei lá. É papo-furado que o governo tenha de fazer propaganda de si próprio, a pretexto de prestar contas para a população. As redes sociais estão aí para isso. E muito menos a um custo exorbitante. Em 2013, sob Dilma Rousseff, foram gastos 2,9 bilhões de reais com anúncios e comerciais; em 2018, a previsão é de 1,5 bilhão de reais. É uma grana preta. O ultimo reajuste do Bolsa Família, por exemplo, custou 684 milhões de reais. Se é para gastar o dinheiro do pagador de impostos, que seja para dar mais aos pobres, não para financiar donos de jornais e emissoras. Isso vale também para estados e municípios.

A Crusoé, assim como O Antagonista, não aceita propaganda de governos ou empresas estatais. A Crusoé vive somente de assinaturas; O Antagonista, principalmente dos anúncios veiculados via mídia programática, como o Google. Uma parte, bem menos, é obtida com a captação de leads e a consequente venda de relatórios financeiros das empresas da nossa sócia, a publicadora Acta Holding (o que originou a calúnia ridícula de que O Antagonista “especula com a notícia”). Às vezes, anunciantes fazem acordos diretos com o departamento comercial de ambos os sites. Mas nem por sonho ousam em nos pressionar. Sabem que não terão passagem. Não há preço que pague a nossa independência. Você acha radical? Pois saiba que, na França, o jornal Le Canard Enchaîné, referência do jornalismo investigativo, não publica nem classificado de tinturaria. Sobrevive desse modo desde 1915.

Em 2016, escrevi um artigo intitulado “A propaganda governamental é o mensalão da imprensa”, que consta do livro Cartas de um Antagonista. O mote foi o esquema que PT e PMDB operavam nos fundos de pensão de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios. Uma ninharia estimada em 50 bilhões de reais. Vou repetir os meus argumentos. Aparelhados pela companheirada, os fundos de pensão dessas estatais aparelhadas entraram como sócios de negócios feitos sob medida para perder dinheiro dos trabalhadores e enriquecer a malandragem campeã nacional. O esquema esteve à nossa frente durante pelo menos dez anos, mas contou com a vista grossa da maioria das empresas jornalísticas, receosas de perder a verba publicitária controlada pelos criminosos.

O escândalo dos fundos de pensão deveria ter levado a que se exigisse a extirpação completa da propaganda estatal. Mas nada. Por meio dela, continua-se a comprar consciências, promover políticos e partidos e encher as burras de agências de publicidade e comunicação que superfaturam contratos e, em certos casos, repassam parte do dinheiro para os encarregados de liberá-lo. Não há país civilizado que jogue fora tamanho volume de recursos dessa maneira.

A proibição de propaganda estatal em todos os níveis, além de dar destino apropriado ao nosso dinheiro e diminuir o grau de corrupção, fortaleceria a liberdade de imprensa. Sem a droga financeira administrada pelos governos, os jornais e emissoras ficariam mais pobres, porém mais limpinhos. Mais limpinhos, não fariam vista grossa para um escândalo como o dos fundos de pensão das estatais. Ah, mas o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal ficariam em desvantagem na competição com outros bancos que vivem anunciando e patrocinando. E quem precisa do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal? Vamos privatizá-los, assim como os bancos estaduais foram privatizados ou simplesmente extintos. Adiante: quem precisa da estatal Petrobras? Quem precisa da estatal Correios? Gente honesta não precisa.

Escrevi em 2016 e reitero em 2018: a propaganda governamental é o mensalão da imprensa. É imperioso acabar com ele.

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