Reprodução/Arquivo pessoal

A doce vida dos Lula da Silva

Imóveis, carros de luxo, dividendos milionários: Lula diz que a Lava Jato deixou seus filhos desempregados e em apuros financeiros, mas a realidade mais uma vez desmente o preso mais famoso do Brasil
02.05.18

Até ser finalmente preso e recolhido a uma saleta de quinze metros quadrados transformada em cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o que pôde para se colocar na condição de vítima da Lava Jato e, em especial, do juiz Sergio Moro. Por mais de uma vez, em declarações públicas e em conversas reservadas, Lula se queixou dos efeitos da investigação sobre sua família. O petista, que antes já havia atribuído a morte prematura da ex-primeira-dama Marisa Letícia aos supostos excessos dos investigadores, passou a dizer que a vida pessoal de seus filhos também foi devastada pela operação. “Eu tenho todos os meus filhos desempregados. Todos. Ninguém consegue arrumar emprego”, lamentou o ex-presidente em uma dessas ocasiões. Pura choradeira.

A cantilena de Lula, evidentemente, tinha por objetivo dar cores mais fortes à narrativa da perseguição que ele diz sofrer. Nada mais longe da realidade. Mesmo com o pai na prisão, os filhos do ex-presidente condenado vivem uma vida que desmente o tal quadro de penúria descrito por ele. Um levantamento feito por Crusoé dá a dimensão da ascensão social da família, em grande parte experimentada no período em que Lula esteve no poder. Apartamentos em endereços nobres, carros de luxo, dividendos milionários e tratamento vip providenciado por parceiros de negócios mostram que os filhos do ex-presidente não têm do que se queixar.

O mais bem-resolvido no quesito financeiro é também o mais famoso dos filhos do petista. Fábio Luís, o Lulinha, aquele que foi chamado pelo pai de “Ronaldinho dos negócios”, encontra-se na faixa dos 0,15% de brasileiros que ganham mais de 70 mil reais por mês. Biólogo por formação que trocou o modesto emprego de tratador de animais no Zoológico de São Paulo pelo mundo dos capitalistas, aos 43 anos de idade ele comanda a Gamecorp, empresa de jogos e entretenimento criada em parceria com a operadora de telefonia Oi. A injeção de capital da companhia telefônica, desde sempre interessada em azeitar as relações com o poder em Brasília, tornou a empresa de Lulinha um portento – e mudou para sempre a vida do primogênito de Lula. Registros arquivados na Junta Comercial de São Paulo mostram que, nos últimos anos, Lulinha teve direito a “remuneração anual” de nada menos que 860 mil reais – ou, precisamente, 71,6 mil por mês. Ele foi reeleito presidente da companhia na semana passada e não houve alteração na remuneração do cargo.

A condição de empresário de sucesso deu a Lulinha um padrão de que pouquíssimos brasileiros conseguem usufruir. Ele é, até hoje, morador de um apartamento de luxo encravado no bairro da Vila Nova Conceição, um dos endereços mais exclusivos da capital paulista. O imóvel de 335 metros quadrados, com quatro espaçosas suítes (uma delas equipada com jacuzzi), terraço gourmet e um home cinema transformado em escritório, virou alvo da Lava Jato por uma razão pouco prosaica: seu proprietário é o empresário Jonas Suassuna, sócio de Lulinha que também aparece oficialmente como um dos donos do famoso sítio de Atibaia, motivo de um dos seis processos em que Lula é réu. Nas quatro vagas de garagem de que dispõe no edifício Hemisphere, o filho de Lula guarda automóveis caros. Um deles, uma SUV de 155 mil reais, revela que o empresário conserva certa vaidade: a placa leva suas iniciais, FLS.

A planta do apartamento de 335 metros quadrados de Lulinha na Vila Nova Conceição e, no detalhe, sua ampla varanda gourmet: conforto para poucos (Reprodução/Polícia Federal)
O apartamento tem potencial para se tornar mais uma peça importante do quebra-cabeças que a Lava Jato ainda trabalha para montar. Ao registrar o imóvel, em 2009, Jonas Suassuna informou que pagou por ele 3 milhões de reais. Hoje, vale muito mais: perto dos 7 milhões. À Polícia Federal, Suassuna disse que Fábio Luís paga 15 mil reais mensais de aluguel. Desde a semana passada, o apartamento está listado em um processo fiscal aberto pela Receita Federal contra seu proprietário oficial. Antes de ser ocupado pelo primogênito de Lula, a unidade do Hemisphere passou por uma ampla reforma cujo custo, estimado por peritos da PF, chegou a 1,6 milhão de reais. A Lava Jato acredita que, a exemplo do que ocorreu com o sítio de Atibaia, Suassuna apenas emprestou o nome para esconder Lulinha como o real proprietário do imóvel. Há alguns elementos em poder dos investigadores que dão corpo a essa suspeita. Um deles é um e-mail em que Lilian Bittar, mulher de Kalil Bittar, outro sócio de Lulinha e uma espécie de faz-tudo do filho de Lula, pedia a Jonas uma procuração para que fossem feitos ajustes no apartamento. Tudo para deixá-lo ao gosto de Lulinha, evidentemente. Qualquer semelhança com o sítio de Atibaia ou mesmo com o tríplex do Guarujá não seria, portanto, mera coincidência.

Os números da Gamecorp são colossais – e só confirmam que a retórica de Lula às vésperas da prisão, ao reclamar dos efeitos da Lava Jato sobre os seus filhos, não tem lastro na realidade. Entre 2005 e 2016, passaram pelas contas da empresa cerca de 317 milhões de reais, segundo um laudo da PF. Uma parcela importante, observam os peritos, veio de empresas ligadas à Oi: 80 milhões. Parte da bolada, 5,5 milhões de reais, entrou por um lado e saiu por outro, através de transferências para contas de empresas abertas em nome do filho do ex-presidente ou mesmo para contas pessoais.

Os repasses da Oi eram tratados, internamente, como uma espécie de mesada para o filho de Lula. Crusoé ouviu de um ex-executivo da empresa, com a evidente condição de preservar sua identidade, que ainda nos últimos anos do governo Lula era comum chegarem faturas para pagamento à Gamecorp. Ao receber uma delas, de cerca de 900 mil reais, o responsável por autorizar a transação questionou a razão e foi informado de que aquilo era normal, pois eram ordens superiores. Mesmo assim, ele se recusou a assinar a fatura. Não adiantou. A solução veio em seguida: a cúpula da companhia autorizou a área financeira a pagar.

Ex-aspirante a treinador de futebol, com passagens por clubes como Palmeiras e Corinthians, o irmão mais novo de Lulinha também está com a vida resolvida. Aos 33 anos, Luís Cláudio é dono de empresas de marketing esportivo que passaram igualmente por uma devassa da polícia e do Ministério Público após a descoberta de que receberam dinheiro de lobistas ansiosos para abrir portas em Brasília durante o governo petista. A exemplo do irmão, o caçula de Lula morava até meses atrás em um apartamento confortável, embora menor, nos Jardins, a duas quadras da avenida Paulista. Assim como no caso de Lulinha, há uma curiosidade na propriedade do imóvel: embora Luís Cláudio fosse apontado nos registros do edifício como proprietário da unidade, no cartório de imóveis ela não está oficialmente em nome dele, mas da Mito Participações (o nome diz algo?), uma empresa do advogado Roberto Teixeira, compadre e parceiro de negócios de Lula desde os primórdios da carreira política do petista. Não há, nos registros bancários de Luís Cláudio, qualquer sinal de que ele pagava aluguel a Teixeira para morar no apartamento de 150 metros quadrados, que também passou por uma reforma para recebê-lo. “Aqui nós sabíamos que o apartamento foi comprado para o filho do Lula”, diz um vizinho que acompanhou de perto a mudança de Luís Cláudio para o prédio. “No condomínio, ele era tratado como o real proprietário do apartamento”, emendou.

Luís Cláudio ainda ostenta uma movimentação bancária de respeito. Para além das transações das empresas das quais é sócio, de 2011 a 2014 ele recebeu em suas contas pessoais 1,4 milhão de reais. Na análise das operações bancárias do filho mais jovem de Lula, um dado em especial chamou atenção dos investigadores: os altos gastos com cartão de crédito nos últimos anos. O recorde foi em 2013, quando ele gastou mais de 300 mil reais – algo como 25 mil reais por mês. Uma das faturas chegou a 53 mil. O ex-futuro-treinador de futebol, que paralelamente a suas incursões pelo mundo do lobby ainda se aventurou como organizador de torneios de futebol americano patrocinados por empresas que caíram na Lava Jato, também gosta de velocidade: além de um comportado sedan executivo, ele listava até recentemente entre seus bens de estimação um Maverick turbinado, daqueles de fazer inveja a colecionadores. Carros semelhantes ao dele são vendidos na praça por 50 mil reais. Mais uma vez, coisa de quem não está em petição de miséria.

Visita à cadeia: também alvos de investigação, os filhos de Lula têm ido a Curitiba regularmente para vê-lo (Zanone Fraissat/Folhapress)
O mais discreto dos Lula da Silva é Sandro Luís, de 39 anos. Embora pouco frequente o local, ele é dono de uma distribuidora de gás que vai bem, obrigado. No ano passado, a empresa agregou a seu patrimônio uma camionete zero quilômetro de 90 mil reais. Sandro mora em um apartamento registrado em nome da mulher dele, em uma das áreas mais valorizadas de Santo André, no ABC paulista. O imóvel vale pelo menos meio milhão de reais. Sandro é dono, ainda, da Flexbr, empresa de tecnologia que tinha como cliente o Instituto Lula (a firma recebeu cerca de 100 mil reais do instituto). Já Marcos Cláudio, filho de dona Marisa que Lula adotou como seu, talvez seja o único dos rebentos que de fato não tem a vida que queria. Ele era vereador em São Bernardo do Campo. Mas não se reelegeu em 2016. Nem por isso passa necessidade. De todos os irmãos, é o que mais tem propriedades registradas em seu nome: três imóveis ao todo, entre eles uma casa cuja aquisição foi oficialmente declarada por meio milhão de reais. Lurian, a primeira filha de Lula, aparenta ser a menos abastada, mas também não está ao relento. Aos 44 anos, ela ocupa um cargo comissionado na Assembleia Legislativa do Rio. É funcionária do gabinete da deputada petista Rosângela Zeidan. O salário é de 7 mil reais. O emprego é, digamos assim, flexível. Crusoé telefonou por quatro dias seguidos para o gabinete, mas Lurian não estava.

A estabilidade financeira dos filhos, conquistada paralelamente à ascensão de Lula na vida pública, veio acompanhada de outros privilégios. Os que decidiram se aventurar pelo universo dos negócios, ainda nos tempos em que o pai era presidente, tiveram a assessoria de José Carlos Bumlai, o pecuarista amigão de Lula que também caiu em desgraça com a Lava Jato por intermediar negócios suspeitos na Petrobras. Bumlai, além de aconselhá-los, providenciava toda sorte de facilidades. Quando precisavam viajar de modo mais discreto, por exemplo, ele arrumava um jatinho particular. Mais recentemente, com Lula já fora do Planalto, e Bumlai sob escrutínio das autoridades, coube a Jonas Suassuna – aquele do sítio de Atibaia e do apartamento de Lulinha – a tarefa de manter a rotina vip dos filhos do ex-presidente. Na mansão que construiu na Ilha dos Macacos, em Angra dos Reis, ele reservou um dos melhores quartos para a família. Entre os funcionários, o aposento era conhecido como “o quarto dos Lula”. Sempre que possível, os filhos do petista passavam por lá para relaxar. “Eles eram habitués da ilha e lá tinham tratamento especial”, diz uma pessoa que chegou a encontrá-los em Angra. Até o helicóptero para levá-los até a ilha era Suassuna quem bancava. Em um desses animados convescotes al mare, Sandro Lula e sua mulher, Marlene, anunciaram que estavam de mudança para o apartamento novo, em Santo André. E não se fizeram de rogados ao ouvir que uma das convidadas estava de viagem marcada para os Estados Unidos: encomendaram vários eletrodomésticos com os quais desejavam equipar a nova cozinha. O pedido foi tomado como uma ordem. E a encomenda, entregue em Santo André semanas depois. A conta nunca chegou para Sandro e Marlene.

Além do patrimônio já existente, se tudo der certo os filhos de Lula muito em breve terão um acréscimo relevante. Em um processo de partilha que corre publicamente na Justiça de São Paulo, eles estão prestes a dividir a herança deixada por Marisa Letícia, morta em 2017. Como ela era casada em regime de comunhão universal de bens com Lula, tudo o que era dele também pertencia a ela. E, a despeito do bloqueio de bens do petista determinado pela Justiça, a metade que cabia à ex-primeira-dama será partilhada entre os herdeiros. O total passa de 10 milhões de reais, dos quais 7 milhões estão aplicados em um fundo de previdência. Outra fortuna os espera, mas a essa eles só saberão se terão direito depois do desfecho de todos os processos da Lava Jato: os 27 milhões de reais que Lula faturou em sua empresa de palestras, boa parte proveniente de empreiteiras investigadas no petrolão.

Tudo junto e misturado, mesmo apartando os milhões que a Justiça pode tomar se entender que são recursos acumulados ilicitamente, o quadro geral é de uma família próspera – e distante, muito distante, da penúria lastimada por Lula. Mais ainda quando se leva em conta que em 1989, quando se candidatou pela primeira vez à Presidência, ele tinha apenas uma modesta casa em São Bernardo, uma camionete, um caminhão e uma Belina.

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