DiogoMainardina ilha do desespero

A trégua

24.12.20

Meu pai morreu de Covid-19. O ano de 2020, para mim, foi isso: a perda individual somou-se à perda coletiva. Minha dor se tornou uma estatística de guerra. Meu pai foi um de 1.740.879 mortos… 1.740.880 mortos… 1.740.881 mortos… A conta macabra continua. Trégua só em 2021.

Na segunda-feira, reli na retrospectiva do nosso site uma coluna que publiquei em maio, alguns meses antes da morte do meu pai, que só ocorreu em agosto. Foi a primeira vez que pedi o impeachment de Jair Bolsonaro por fatos relacionados à epidemia de Covid-19. Eu disse:

“Eu defendo o impeachment de Jair Bolsonaro. Eu e metade dos brasileiros.

Ele é um agente difusor da epidemia. Seu afastamento, portanto, além de ser necessário, é também urgente.

Com seus disparates, Jair Bolsonaro favoreceu o contágio de um número incalculável de pessoas, provocando um número igualmente incalculável de mortes. Ele foi alertado de que, se continuasse a sabotar a quarentena, isso ocorreria. O que ele fez? Continuou a sabotar a quarentena, e o Brasil tornou-se o principal foco de contágio do mundo.

O desprezo de Jair Bolsonaro pelos mortos, manifestado em seus discursos no Palácio da Alvorada, é moralmente asqueroso, e merece tomatadas e ovos, mas é ainda mais perverso do que isso: faz parte de sua campanha deliberada para romper o isolamento social, tratando a epidemia como se fosse uma fatalidade a respeito da qual nada pode ser feito – um castigo divino.

A fritura de Sergio Moro também tem a ver com isso. Jair Bolsonaro resolveu queimar o único ministro capaz de resistir às suas tramas golpistas e aos seus surtos psicopáticos, agravados por sua incapacidade de lidar com a epidemia. De fato, ele reagiu acusando Sergio Moro de ter mandado prender os imbecis que desrespeitavam a quarentena.

É o pior momento para ter um desvairado no poder. É preciso afastar Jair Bolsonaro. Mas tem de ser já, para evitar mais morte.”

Meu apelo fracassou miseravelmente. Jair Bolsonaro continuou com suas tramas golpistas, e uniu a sabotagem da quarentena à sabotagem da vacina. De lá para cá, foram nove meses de desvarios e de mortos, empilhados um sobre o outro. Pior ainda: o sentimento de ojeriza e de revolta das pessoas, que representava uma espécie de defesa imunitária contra a barbárie, também adoeceu e morreu. O Brasil termina 2020 como uma terra arrasada, moralmente devastada, em que triunfaram o vírus e os agentes patógenos brasilienses, que contaminaram a sociedade inteira.

O meu palpite – e não se trata de um consolo natalino, eu realmente acredito nisso – é que vamos dar uma virada em 2021. É assim que sobrevivem as espécies. Charles Darwin.

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