Wilton Junior/Estadão Conteúdo

A Babel de Bolsonaro

Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni batem cabeça nos primeiros dias após a eleição e mostram que o presidente eleito terá trabalho para domar egos na Esplanada
01.11.18

Horas após a vitória de Jair Bolsonaro, o novo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, caminhava rumo ao Bar Picanha, na Barra da Tijuca, quando soube que Paulo Guedes, seu colega da Economia, tinha acabado de dar uma declaração forte sobre o Mercosul. Em tom irritadiço, respondendo a uma jornalista argentina, Guedes dissera que a parceria comercial do Brasil com os países vizinhos não seria prioridade do futuro governo por ser muito restritiva. Afirmou ainda que o Brasil precisa sair das alianças ideológicas com nações bolivarianas. Tão logo recebeu a notícia, Onyx amarrou a cara e disparou: “Isso pode nos atrapalhar”. Era um sinal de que há diferenças relevantes entre os dois ministros, que dividirão com Sergio Moro os holofotes do primeiríssimo escalão do governo Bolsonaro.

No dia seguinte, Onyx deu muitas entrevistas. Discorreu sobre o modelo ideal para a reforma da Previdência e o momento certo para votá-la. Deu palpite sobre a banda cambial brasileira. Tratou da independência do Banco Central e das metas a serem atingidas pelo órgão. Detalhou a nova formulação do Orçamento da União. Assuntos, evidentemente, da alçada de Guedes. Que estrilou no dia seguinte. Desta vez, em público. “É um político falando de economia. É a mesma coisa do que eu sair falando de política. Não dá certo, né?”, disse o ministro, ao ser indagado sobre as perorações econômicas do colega da Casa Civil.

A divergência entre ministros superpoderosos não chega a ser uma novidade na política brasileira. Disputas assim são, muitas vezes, estimuladas pelo presidente como atalho para que ele atue como elemento mediador e, paralelamente, impeça que um dos subordinados ameace o poder presidencial. Ernesto Geisel fez isso com Mário Henrique Simonsen e Reis Velloso. João Figueiredo repetiu com Simonsen e Delfim Netto. José Sarney, com Dilson Funaro e João Sayad. Fernando Henrique Cardoso, com Pedro Malan e José Serra. Lula deixou correr solto o embate entre Antonio Palocci e José Dirceu, assim como Dilma Rousseff fez com Joaquim Levy e Nelson Barbosa.

A se considerar o que se viu no início desta semana, Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni despontam como protagonistas da mais nova versão do velho roteiro por algumas razões. Primeiro, porque têm personalidades fortes e temperamentos não muito propícios à conciliação. Segundo, porque um não domina a área do outro. Onyx é um médico veterinário gaúcho que colecionou poucos amigos nos quatro mandatos que acumula como deputado federal e com atuação parlamentar focada na área de segurança pública. Guedes é um economista ultraliberal carioca que conhece mais Chicago, onde fez doutorado, e Santiago, onde trabalhou nos anos 80 na Universidade do Chile durante o regime de Augusto Pinochet, do que Brasília.

Fernando Frazão/Agência BrasilFernando Frazão/Agência BrasilRodrigo Maia é uma das razões da divergência entre os dois ministros
Como não tem intimidade com os códigos da política, Guedes passou a contar com um aliado de peso contra Onyx. Ninguém menos do que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do mesmo DEM do futuro ministro da Casa Civil. Em campanha desde sempre para ser reconduzido ao cargo na próxima legislatura, Maia manteve contato permanente com Guedes durante a campanha, apesar de ter, oficialmente, apoiado o candidato do PSDB a presidente, Geraldo Alckmin. Acabou virando não só um dos interlocutores preferenciais do futuro ministro da Economia no meio político como também seu consultor sobre o ambiente no Congresso para as reformas que pretende implementar. Uma atribuição, diga-se, do ocupante da Casa Civil. Guedes, portanto, é um economista tratando de política, para usar a mesma lógica da reprimenda pública que ele deu em Onyx.

Segundo um interlocutor de ambos, foi depois de um contato com Rodrigo Maia que Guedes se conscientizou de que havia risco grande de derrota em apoiar mudanças na Previdência ainda neste ano, um desejo do economista. O principal motivo: metade da Câmara não foi reeleita e não gostaria de se despedir do mandato com a digital em uma reforma que, embora seja necessária, é impopular. Fora isso, a aprovação de uma emenda constitucional agora exigiria a suspensão da intervenção militar no Rio. Na prática, Guedes quis ouvir de Maia o que Onyx já lhe dissera. Mais um sinal de desconfiança?

O futuro chefe da Economia sabe que Onyx não se relaciona bem com Rodrigo Maia. Apesar de estarem no mesmo partido, nunca foram próximos. Chegaram até a ter um breve rompimento após a votação do pacote das chamadas “Dez Medidas Contra a Corrupção”, em 2016, quando Onyx apontou nos bastidores uma operação de Maia para desidratar o seu relatório. Por sua vez, a relação de Maia com Guedes é antiga. Ambos são do Rio, economistas e com ligação com o mercado financeiro. Falam língua parecida. E as circunstâncias favorecem uma aliança. A Guedes, interessa alguém em quem ele confie, que entenda de economia e lhe decifre o Congresso. A Maia, interessa o apoio do, até agora, mais poderoso ministro do novo governo, para ser reeleito presidente pela terceira vez seguida. Os afagos públicos do deputado ao futuro ministro são constantes. “Eu tenho uma conversa de muitos anos e positiva com o futuro possível ministro da Economia, Paulo Guedes, no qual eu confio, admiro e respeito. E como deputado, como cidadão, estou à disposição para ajudar”, declarou na terça-feira.

A proximidade entre os dois desagrada Onyx. Por diversos motivos, o futuro chefe da Casa Civil não vê com bons olhos a recondução de Maia à presidência da Câmara. Avalia que a aliança dele com a esquerda, PT e PCdoB principalmente, é um risco para Bolsonaro — foi com concessões aos dois partidos, que estiveram ao lado de Fernando Haddad na campanha, que Maia venceu as eleições internas que disputou. Onyx também não quer permitir que o colega de partido continue a ser o nome mais forte do DEM. Por isso, atua para enfraquecer as suas pretensões. É mais um ponto de desgaste entre os dois ministros. A ideia de Onyx é apoiar um outro nome do chamado Centrão, o aglomerado de partidos fisiológicos que também apoiou Maia nas últimas eleições. O futuro ministro da Casa Civil já defendeu em algumas reuniões o nome de Fernando Giacobo, do PR do Paraná, e tem tentado convencer o PSL de Bolsonaro a embarcar nesse projeto.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéSenado: Onyx será o responsável pela relação com o Parlamento. Mas…
Para além da eleição para a presidência da Câmara, há outras frentes que têm colocado à prova o protagonismo (e o ego) de Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni. Guedes tem procurado se impor – e por ora vem conseguindo falar mais alto que o colega. Na terça-feira, mandou recado aos empresários que protestaram contra o plano de integrar o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ao novo superministério da Economia. “Nós vamos salvar a indústria, apesar dos industriais”, declarou.

O futuro superministro da área econômica também tem aparecido com destaque maior que o de Onyx no processo político de indicação dos ministros. Foi ele, por exemplo, quem fez a ponte com Sergio Moro para que o juiz aceitasse o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Foi Guedes, ainda, que se reuniu com o presidente eleito e o juiz no Rio na manhã desta quinta-feira, para bater o martelo sobre a nomeação de Moro. Duas horas depois da confirmação de que o magistrado integrará o novo governo, em entrevista em Brasília, Onyx disse que “vem conversando com Moro desde a semana passada”. Era uma tentativa clara de mostrar que não havia sido atropelado no processo.

Na véspera, Onyx dera início oficial ao processo de transição governamental. Reuniu-se com o ministro da Casa Civil de Michel Temer, Eliseu Padilha, para apresentar os nomes que o auxiliarão até dezembro. Na saída, voltou a falar sobre o organograma do novo governo, com cargos e funções, o seu principal ativo para os embates políticos que virão. Após o encontro, disse que não estava batido o martelo sobre a fusão do Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente — algo previsto no programa de governo que foi alterado na reta final da campanha, novamente confirmado após a eleição e agora passou a ser dúvida.

Por ora, Bolsonaro caminha para ter algo entre 15 e 17 ministérios, quase a metade dos 29 atuais. Além dos superministérios da Economia e o da Justiça, a Secretaria de Governo será anexada pela Casa Civil. As pastas do Esporte e da Cultura devem ser abarcadas pela Educação. Desenvolvimento Social e Direitos Humanos caminham para ser unificados. Não devem sofrer alteração em suas estruturas os ministérios da Defesa, Saúde, Trabalho, Relações Exteriores, Minas e Energia, e Gabinete de Segurança Institucional. Nos próximos dias, Jair Bolsonaro desembarcará pela primeira vez em Brasília após a eleição. Já no processo de transição, administrar a batalha entre Onyx e Guedes será uma das principais missões do presidente eleito.

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