A ameaça do ‘Narcosul’
A fuga em massa de um presídio de Pedro Juan Caballero, no último domingo, evidenciou a força do Primeiro Comando da Capital, o PCC, no Paraguai. Por lá, a facção brasileira, surgida em cadeias paulistas em 1993 como reação ao Massacre do Carandiru, controla o tráfico de drogas e parte do sistema penitenciário. Os paraguaios, no entanto, não são os únicos vizinhos a sofrer com o crime brasileiro tipo exportação. Presente por aqui em todos os estados, com mais de 30 mil integrantes, o PCC tem células em ao menos outros sete países sul-americanos. Na vizinhança, a facção ganhou até um apelido: Narcosul. A fim de tentar conter a sua expansão, autoridades até têm procurado firmar parcerias, mas os desafios ainda são monumentais devido a problemas atávicos da região: fronteiras desprotegidas, polícias despreparadas para o crime organizado e, claro, instituições carcomidas pela corrupção.
No caso do Paraguai logo após 75 presos fugirem por um túnel, investigadores levantaram a suspeita que o buraco havia sido cavado apenas para disfarçar a compra da fuga. O PCC teria pagad de 80 mil dólares (mais de 330 mil reais) a funcionários da cadeia. Depois de afastar o diretor do presídio e 30 carcereiros, a ministra da Justiça do país colocou o cargo à disposição, mas o presidente Mario Abdo Benítez não aceitou. Ele anunciou uma intervenção federal no sistema penitenciário, com reforço de militares na segurança de presídios, mas há dúvidas se as medidas serão suficientes ante a força da facção brasileira.
Assustado com a escalada de violência, em setembro, o Congresso Nacional do Paraguai sancionou uma lei que declarou situação de emergência em todas as cadeias do país. Como mostrou a fuga de domingo, não adiantou muito. Hoje, os tentáculos do PCC no país vão bem além dos limites das penitenciárias e não se limitam ao tráfico. Na Tríplice Fronteira, a facção também lucra com o mercado do cigarro falsificado. Esse negócio, por sinal, une o PCC ao grupo radical islâmico Hezbollah: segundo as autoridades, os criminosos brasileiros prestam apoio logístico para o envio de drogas e outros produtos ilegais para o Oriente Médio e para a Europa.
Além do Paraguai, o PCC mantém o controle de cadeias e homens fortemente armados agindo livremente no Peru, na Bolívia, na Colômbia, na Argentina, no Chile, na Venezuela e no Suriname. Na Colômbia e no Peru, a presença da facção ainda é tímida, apesar de serem dois dos maiores produtores de cocaína do planeta. “Nesses dois países, o PCC mantém integrantes para suas relações comerciais. Também vale ressaltar que ambos têm cartéis muito fortes, com os quais o PCC não quer conflito. Por enquanto, eles agem como parceiros”, explica o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Outra razão para a atuação mais comedida na Colômbia e no Peru é que, ao se expor, o grupo se tornaria alvo do DEA, o temido departamento do governo americano de repressão a drogas, que tem atuação nos dois países. Na Bolívia, a presença do PCC já levou as autoridades locais a pedir socorro ao Brasil. Na Argentina, a facção mantém contatos para compra de armas. Integrantes seus participaram de roubos a bancos no país, mas o governo local acredita que a situação ainda está sob controle. O mesmo acontece no Chile. Venezuela e Suriname têm servido como rotas para o escoamento dos carregamentos de droga administrados pelo PCC.
Para tentar refrear a expansão nacional da facção, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com governos estaduais, passou a isolar lideranças como Marcola em presídios federais de segurança máxima. O ministro Sergio Moro diz que, em paralelo, outras medidas vêm sendo adotadas para sufocar a quadrilha. “Mudamos a lei para ampliar confisco de produto do crime e introduzimos um dispositivo que desestimula que presos se mantenham associados a facções, pois se assim permanecerem, não obtêm benefícios. Outros exemplos, mas de ações executivas: temos recordes de apreensão de cocaína e destruição de plantações de maconha, além de sequestro de bens de criminosos”, disse o ministro a Crusoé. “Romper a cadeia de comando é um grande desafio que deve ser enfrentado. Ele limita o poder das lideranças e dificulta a comunicação, o que atrapalha os negócios. Com isso, os líderes do PCC pensam duas vezes antes de ordenar uma rebelião no Brasil, pois sabem que serão transferidos e perderão dinheiro”, afirma Paes Manso, da USP.
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