Reprodução/TV GloboRonaldinho e o irmão, Assis, após a prisão: caso tem conexões brasilienses

Paraguai via Brasília

As suspeitas de lavagem de dinheiro que levaram à prisão do ex-jogador Ronaldinho Gaúcho em Assunção passam por personagens ligados ao submundo financeiro na capital do Brasil
13.03.20

A prisão de Ronaldinho Gaúcho em Assunção envolve dois personagens do submundo financeiro de Brasília. A investigação aponta que o ex-jogador e seu irmão, Assis, fariam parte de um esquema de lavagem de dinheiro orquestrado por uma empresária e socialite paraguaia com trânsito no Congresso Nacional do Brasil e uma dupla de empresários brasileiros enrolados com a Justiça. Um deles chegou a ser investigado na Lava Jato e o outro, até então anônimo, é dono de três empresas — duas delas sediadas na capital do Brasil.

Para desvendar o mistério por trás da tentativa patética de Ronaldinho e Assis de entrar no Paraguai usando passaportes falsos como se fossem cidadãos paraguaios naturalizados, o Ministério Público do país procura esclarecer a participação de cada um dos 14 suspeitos. “Tudo aponta para uma organização criminosa estruturada para facilitar a confecção e o uso de documentos de identidade e passaportes falsos para serem usados em negócios ilegais, com lavagem de dinheiro”, disse a Crusoé o promotor paraguaio Osmar Legal. Entre os investigadores que cuidam do caso, não há dúvida de que a líder do esquema é a empresária Dalia López Troche. Única dos investigados que seguia foragida até esta quinta-feira, 12, foi ela quem convidou Ronaldinho para eventos em Assunção organizados pela Fundação Fraternidade Angelical, uma ONG da qual é presidente e que faz ações sociais frequentemente destacadas nas colunas sociais dos principais jornais e revistas paraguaios. Ronaldinho atuaria em uma ação de divulgação de clínicas móveis da entidade que deveriam oferecer atendimento médico a crianças do interior do país.

Um dos eventos foi realizado no cassino instalado no hotel onde Ronaldinho e Assis estavam hospedados e foram detidos pela primeira vez. O cassino pertence a Nelson Luiz Belotti dos Santos, que se instalou no Paraguai após se ver cercado pela Justiça brasileira. Belotti é o primeiro dos dois personagens brasileiros que ligam o caso do ex-jogador ao submundo do poder no Brasil. Em 2015, ele teve seu sigilo bancário quebrado por aqui pela força-tarefa da Operação Lava Jato e apareceu como depositante de 462 mil em contas da CSA Project Finance, uma das empresas do doleiro Alberto Youssef. O empresário também foi sócio de dois ex-executivos da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, em uma empresa de energia, a Mitarrej. Além disso, fundou a MC2, empresa que conseguiu arrematar em leilões 21 usinas termelétricas, cuja promessa era gerar energia equivalente a meia Itaipu. A ficha do empresário incluiu ainda o recebimento de 24,1 milhões de reais de uma firma registrada em nome dos empresários Natalino e Silmar Bertin, do frigorífico Bertin, investigado pela Lava Jato. Os procuradores suspeitavam que Belotti, assim como Youssef, atuava como repassador de propina. Ele, no entanto, acabou se livrando de qualquer acusação formal.

Foi no Paraguai que o empresário brasileiro conheceu Dalia, de quem se tornou amigo. Nascida e criada no interior do país, a socialite, que começou a vida profissional como secretária, fez fortuna rapidamente e de maneira ilícita, segundo a Promotoria do país, que já a investigava pela suspeita de comandar um esquema que transfere dólares para os Estados Unidos e, depois, os repatria de forma clandestina – uma clara operação de lavagem. Ao voltar para o Paraguai, o dinheiro cruzava a fronteira com o Brasil em caminhões, segundo os investigadores.

Também é Dalia a personagem que liga o imbróglio de Ronaldinho ao segundo personagem com raízes nos pântanos de Brasília. Trata-se de Wilmondes Sousa Lira. Representante legal do ex-jogador no Paraguai, o tocantinense mora em área nobre da capital federal e é dono de três empresas com capital somado de 460 mil reais, segundo a Receita Federal. Duas delas, a Global Assessoria e Soluções em Seguros – uma corretora de seguros – e a Khronos Enterprise, que oferece serviços de transporte de passageiros e locação de veículos com motorista. As duas firmas estão sediadas no mesmo endereço que consta como a casa de Wilmondes, no Park Way, área de condomínios de classe média alta de Brasília. A Crusoé, vizinhos de Wilmondes disseram nunca ter visto qualquer funcionário das empresas – viam apenas vans sem identificação que, supõem, serviam para aluguel e transporte privado de passageiros. Uma terceira firma registrada por Wilmondes, a W&P Serviços de Limpeza e Comércio, tinha sede no Tocantins, o estado-natal dele, mas aparece nos registros da Receita como inativa. Ao menos no papel, ela oferecia serviços de limpeza. O nome Wilmondes está na lista de devedores ativos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com duas dívidas tributárias que somam 41 mil reais.

Nos últimos tempos, Wilmondes praticamente se mudou para o Paraguai. A oportunidade surgiu após conhecer Dalia, por meio de quem montou uma influente rede de contatos no país vizinho, apresentando-se como a ponte com investidores e políticos brasileiros. Mas, mesmo circulando pelas altas rodas paraguaias, diferentemente de Dalia, ele se mantinha no anonimato até ser preso acusado de entregar os documentos falsos a Ronaldinho e Assis. Wilmondes não tinha perfil em rede social ou fotos e vídeos na imprensa. Com dívidas milionárias, Ronaldinho e o irmão embarcaram no projeto para faturar alto no Paraguai, de acordo com a investigação — que, por envolver a suspeita de lavagem de dinheiro, tem a participação de auditores da Subsecretaria de Tributação do país. O esquema, supostamente encabeçado por Dalia, envolve a Brasil Paraguai Investimentos, empresa criada por Wilmondes, em 2019, em nome da mulher dele, Paula Lira. Ronaldinho e o irmão entrariam como sócios no negócio, com plano de movimentar a impressionante cifra de 400 milhões de dólares. Os passaportes paraguaios falsos serviriam para facilitar a movimentação financeira no país. Advogados de Dalia confirmam que foi ela quem pediu os documentos para o trio (além de Ronaldinho e Assis, Wilmondes também tinha um), mas sustentam que tudo deveria ser feito por um despachante contratado para providenciar tudo de forma legal. Os advogados de Ronaldinho e Assis confirmam que ambos tinham plano de fazer negócios no Paraguai, mas não dizem quais. Afirmam ainda que os irmãos foram enganados por Dalia e Wilmondes.

Na parceria com Dalia, Wilmondes apresentou a paraguaia ao poder brasileiro. Em 2019, quando já era investigada no Paraguai por crimes fiscais, como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, ela esteve no Rio de Janeiro e em Brasília. Além de se encontrar com Ronaldinho na capital fluminense, ela visitou gabinetes no Congresso e participou da cerimônia de instalação do Grupo Parlamentar Brasil-Paraguai a convite do senador Eduardo Gomes. Hoje líder do governo, o político do MDB do Tocantins presidia o grupo, criado para promover a cooperação entre parlamentares e desenvolver as relações bilaterais entre os poderes legislativos dos dois países. Em uma entrevista à revista “Caras” da Argentina, Dalia procurou demonstrar certa intimidade com Eduardo Gomes. Afirmou ter “respaldo de amigos brasileiros e do presidente da Frente Parlamentar Paraguai-Brasil”. A assessoria do senador nega qualquer relação dele com a paraguaia. Diz que ele esteve com Dalia apenas no lançamento da frente.

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