O padrinho
Poucos dias após assumir o governo do Rio de Janeiro, em 2007, Sérgio Cabral afirmava que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva era seu “mais novo amigo de infância”. Quatro anos depois, ao tomar posse para o segundo mandato, classificou o petista como o maior brasileiro e maior presidente da história. A amizade está registrada em um farto acervo de fotografias, vídeos e notícias. Com apoio de Lula, Cabral tornou-se um dos governadores mais populares do país. Juntos, ambos se lançaram no plano de trazer a Copa do Mundo e a Olímpiada para o Brasil – eventos grandiosos para os quais foram destinadas polpudas verbas federais que, soube-se depois, azeitaram variados esquemas de corrupção. Com a Lava Jato, porém, a história dos amigos de infância tomou um rumo diferente. Em junho de 2018, arrolado como testemunha por Cabral no processo sobre a compra de votos para levar a Olímpiada para o Rio, Lula negou que tivesse uma relação de amizade com Cabral, àquela altura já condenado a algumas dezenas de anos de prisão. Acuado pela caneta do juiz Marcelo Bretas, Cabral tentava virar delator. O acordo só foi assinado em fevereiro deste ano. E se do outro lado Lula negava a amizade, o ex-governador não deixou por menos. E, como parte de sua delação, tratou de contar o que os dois viveram juntos.
Aos delegados da Operação Mapa da Mina, que investiga pagamentos de 132 milhões da telefônica Oi para empresas ligadas a Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, Cabral enviou um “termo de autodeclaração” no qual é taxativo: em contrapartida à ajuda federal ao Rio, Lula pediu que ele intercedesse em contratos da Secretaria de Educação e da Prefeitura do Rio com a Oi utilizados para abastecer o caixa da Gol Mobile, empresa ligada ao primogênito do ex-presidente petista. O teor do documento enviado por Cabral foi revelado nesta quarta-feira, 11, por Crusoé. Cabral joga luz sobre os bastidores políticos de transações mapeadas pela PF e que resultaram em buscas nas sedes das empresas ligadas a Lulinha em dezembro de 2019. Há tempos a Oi injetava dinheiro no grupo. Tudo começou quando a empresa, quando ainda se chamava Telemar, entrou como sócia da Gamecorp. Depois vieram outros negócios, como aqueles sobre os quais o ex-governador agora fala. Cabral atrela parte dos pagamentos a arranjos políticos para que a firma ligada a Lulinha, a quem um dia Lula se referiu como um “fenômeno”, se valesse da companhia telefônica para receber dinheiro oriundo dos cofres do governo estadual e da Prefeitura do Rio de Janeiro.
O tal parceiro era justamente a Gol Mobile, registrada em nome de Jonas Suassuna, sócio de Lulinha e proprietário formal do famoso sítio de Atibaia. Os e-mails trocados pelos executivos da Oi, em meio às discussões para que a empresa passasse adiante a parte destinada ao filho de Lula, registram outros detalhes e reforçam o caráter nebuloso da transação. Em uma das mensagens que chamaram atenção da Polícia Federal, o mesmo funcionário que estranhara o negócio diz que até mesmo o cliente da companhia — no caso, a Prefeitura — estava cobrando os repasses ao “parceiro”. Ao ler o cenário a partir das provas coletadas, a Polícia Federal escreveu: “A cobrança realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro para a Oi efetuar os pagamentos à Gol Mobile apenas reforça a tese já apontada nas investigações de que houve um direcionamento político para a subcontratação desta empresa”.
Na “autodeclaração” revelada por Crusoé, Cabral explicou como se deu o tal direcionamento: “O colaborador havia sido fiador do apoio de Lula a Eduardo Paes no 2º turno da eleição para prefeito, em 2008, visto que Paes tinha sido membro da CPI do mensalão com denúncias, inclusive, contra o filho de Lula, Fabio Silva, na Oi. O colaborador chamou o ex-prefeito ao Palácio das Laranjeiras e expôs o pedido de Lula. Eduardo Paes se comprometeu em atender o pedido e de fato a Prefeitura contratou os serviços da empresa de Fábio da Silva, sem licitação”. E-mails de Jonas Suassuna, de seus sócios e de funcionários da Gol mostram que, pela Prefeitura, o tema era tratado com o atual deputado federal Pedro Paulo, então braço direito de Paes. O prejuízo para os cofres públicos é patente. O Tribunal de Contas no Município do Rio constatou que a conta cobrada pela Oi – cujo pagamento foi rateado com a Gol Mobile – foi 680% maior se comparado com contratos de outros órgãos municipais para a prestação do mesmo serviço. Só por esse negócio, a empresa ligada a Lulinha recebeu cerca de 5 milhões de reais da telefônica.
Cabral também assumiu ter cometido um crime para viabilizar repasses da Oi para a Gol Mobile por meio de um contrato da Oi, este com a Secretaria de Educação de seu governo. O objeto do contrato, assinado em 2008, era a implementação do projeto “Conexão Educação”, destinado a informatizar a gestão da rede de ensino estadual e possibilitar o controle de frequência dos alunos por meio de uma plataforma na internet e manter os pais informados. O contrato era de 93,7 milhões de reais. De acordo com Cabral, logo após um pedido de Lula, Lulinha e seus sócios Fernando Kalil e Jonas Suassuana foram até o Palácio Guanabara, sede do governo estadual, para uma reunião. E disseram, segundo o ex-governador, que gostariam de fugir da licitação para o fornecimento de serviços de tecnologia da informação por meio da Oi, que já era contratada do governo.
No mesmo dia em que o depoimento de Cabral sobre os negócios de Lulinha no Rio veio a público, o Tribunal Regional Federal da 4º Região, o TRF-4, acolheu um pedido da defesa de Lulinha e encaminhou a investigação para a Justiça Federal em São Paulo. Daqui em diante, caberá à Lava Jato paulista conduzir a apuração. O material amealhado pelo delegado Dante Pegoraro, em Curitiba, dá os caminhos e mostra quem são as pessoas que participaram das negociações. Agora, assim como Cabral, é preciso que elas também falem.
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