FelipeMoura Brasil

Bolsonarismo X conservadorismo

13.03.20

Eduardo Bolsonaro disse à Piauí que sua referência intelectual é Roger Scruton, o filósofo conservador britânico que morreu em janeiro passado.

A reportagem, então, expôs a farsa da pose conversadora do filho 03 do presidente.

“‘Ele tem vários livros, não li todos, obviamente’, diz. Mas leu qual? ‘Estou para ler. Vou começar o branquinho dele. Da capa branquinha.’”

Ou seja: Eduardo tentou primeiro se passar por alguém que tinha lido os livros do autor, apenas “não todos”, mas, confrontado, teve de confessar que ainda estava para ler e que começaria por uma edição da qual não sabia nem sequer o título, apenas a cor da capa.

Se a “referência intelectual” do deputado que tentou ser embaixador do Brasil em Washington por indicação do pai é um autor que ele não leu, nota-se que ele conhece a tradição do pensamento conservador tanto quanto mostrou conhecer um dos maiores diplomatas da história americana.

“Indagado sobre o que pensa de Henry Kissinger – o poderoso secretário de Estado que ganhou o Nobel da Paz pela negociação do fim da Guerra do Vietnã e teve papel ativo na repressão a opositores das ditaduras na América do Sul –, Eduardo toma um gole d’água, olha para o assessor ao lado e responde: ‘Não conheço.’”

A ignorância de Eduardo em relação a Kissinger – um dos protagonistas, também, do reatamento das relações entre os Estados Unidos e a China, como forma de conter a União Soviética – ganhou mais repercussão que aquela relativa à obra de Scruton.

Mas se a primeira diz mais sobre a megalomania de um político inepto para o cargo que cobiça, a segunda é representativa de algo muito maior que o seu provincianismo: a conveniente incorporação ao discurso político (do grupo atualmente no poder) de uma tradição de pensamento que lhe é estranha.

O “conservadorismo” da família Bolsonaro consiste na adoção de uma lista de posições favoráveis ou contrárias a causas específicas, copiada do debate público americano, onde os conservadores são contra a legalização das drogas e do aborto, por exemplo.

Mas vocalizar as posições da maioria da população brasileira neste sentido, como apontei ainda na corrida eleitoral de 2018, não faz de político algum uma encarnação do conservadorismo, ainda que ele possa ser categorizado como um direitista.

Russel Kirk (1918-1994), o autor conservador americano que redescobriu o estadista e pensador irlandês Edmund Burke (1729-1797), escreveu:

“Um conservador não pode compor um ‘Manifesto Conservador’ para competir com o Manifesto Comunista; pois o verdadeiro conservador não acredita que a sociedade possa ser propriamente governada por nenhum credo inflexível de doutrina abstrata. O conservador não é um fanático. Sabe que os problemas da humanidade são tortuosamente intricados e que alguns desses problemas nunca serão resolvidos de modo algum. Se é honesto, não pode pregar à multidão que ela tem de clamar pelo manifesto e que dela sairá o paraíso terrestre. Sabe que não somos feitos para a utopia. Abjura a ideologia, embora esteja firmemente ligado ao princípio – a distinção feita por Burke em 1787.”

Não é de espantar, porém, que Eduardo Bolsonaro tenha sua própria fórmula de conservadorismo, naturalmente avessa à leitura (como sempre foi Lula): “Você sabe o que é ser conservador? Não precisa estudar, ler livros e fazer cursos”, tuitou o deputado em 6 de fevereiro, indicando um programa de uma das emissoras que recebem verba de publicidade da Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro (e cujo dono até saiu em defesa do chefe da Secom, Fabio Wajngarten, em relação a suspeitas de corrupção). Para Eduardo, “se você concorda” com o apresentador, “parabéns! Você é um.”

O culto à ignorância, típico do lulismo, é novamente compreensível. Assim como perto de Kissinger, Eduardo é um fritador de hambúrguer, ler Burke, Kirk e Scruton pode levar os ingênuos a distinguir o pensamento conservador e o bolsonarismo – este que tenta conservar, acima de tudo, as “referências intelectuais” dos canais governistas.

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