Bruno Santos/Folhapress

‘Meu negócio é a medicina’

Incensado nas redes sociais, Drauzio Varella, o médico mais famoso do país, diz que nunca entrará para a política, condena o alarmismo em torno do coronavírus e afirma que o SUS é motivo de orgulho
06.03.20

Drauzio Varella é hoje um dos médicos mais populares do Brasil, respeitado tanto por sua trajetória na medicina quanto por seu papel como comunicador na área da saúde. Com a tranquilidade que lhe é peculiar, o também escritor e apresentador — conhecido pelo didatismo na transmissão de informações médicas para a população — tenta disseminar uma boa nova para aqueles que, nos últimos dias, foram dominados pela apreensão. Para ele, não há motivo para pânico em relação à escalada global do novo coronavírus. Seu argumento é alicerçado em dois pilares fundamentais: a baixa incidência de casos que terminam em morte e o fato de 90% das pessoas infectadas terem sintomas de um resfriado comum. Para Drauzio, o brasileiro deveria se preocupar muito mais com a dengue. “Só temos que evitar o pânico, para não fazer com que todo mundo corra para o pronto-socorro depois de uma tosse. Se isso acontecer, aí sim teremos uma epidemia, pois o pronto-socorro é o melhor lugar para pegar coronavírus”, afirma.

Aos 76 anos, Drauzio acredita que o SUS e a rede privada brasileiras estão preparados para enfrentar a doença. O segredo, segundo o médico, é munir a população de informações sobre os cuidados a serem tomados para se prevenir da doença e como agir em caso de suspeita. Crítico ferrenho da constante troca de ministros da Saúde, o que segundo ele inviabiliza o desenvolvimento de políticas públicas, o oncologista elogia o trabalho do atual ocupante do cargo, o também médico Luiz Henrique Mandetta. “O ministro tem ido bem, e espero que permaneça assim, para poder ter essa continuidade”. Drauzio, porém, cobra mais investimento na atenção primária da saúde. Para ele, a prevenção, além de ser o melhor remédio, é a única forma viável de garantir o atendimento a uma população que envelhece cada vez mais. Elogiadíssimo nas redes sociais, que nos últimos dias o trataram como “o melhor brasileiro vivo”, o médico descarta peremptoriamente uma aventura na política. “Meu negócio é a medicina”, afirmou a Crusoé. Seu próximo objetivo, para além dos compromissos profissionais, é se preparar para a maratona de Londres marcada para abril. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Brasil tem de se preocupar com a expansão do novo coronavírus?
Eu me preocupo muito mais com a dengue do que com o coronavírus. Veja a quantidade de mortes que temos todos os anos em função da dengue. Parece que a gente aprendeu a conviver com a dengue. Temos dezenas de milhares de casos espalhados pelo Brasil. Normalizamos algo que não deveria ser normal. A taxa de mortalidade do coronavírus é baixa. Na China não morreu nenhuma criança com menos de 10 anos. Acima dos 80 anos, o índice de morte é de 5%, parecido com o índice de infecções respiratórias. E 90% das pessoas infectadas têm sintomas de um resfriado comum. Não há razão para esse pânico todo.

O país está preparado para enfrentar uma possível epidemia desse vírus?
Está. Tanto a população quanto as redes pública e privadas de saúde. Só temos que evitar o pânico, para não fazer com que todo mundo corra para o pronto-socorro depois de uma tosse. Se isso acontecer, aí sim teremos uma epidemia, pois o pronto-socorro é o melhor lugar para pegar coronavírus. Por isso a informação é tão importante. Temos que manter a população muito bem informada sobre todos os cuidados, quais são os verdadeiros sintomas e como agir em caso de suspeita.

Qual é a melhor forma de prevenção?
Não tem segredo, lavar bem as mãos e, no caso dos doentes, usar máscara na rua. Mas isso depende de educação. Aí entra o papel do estado, da escola, da imprensa.

Mas todos deveriam usar máscara?
Não. É importante salientar que a máscara é só para quem está com sintomas gripais ou gripado de fato.

Bruno Santos/Folhapress“Se todos correrem ao pronto-socorro depois de uma tosse, teremos epidemia”
O Ministério da Saúde está fazendo a parte dele?
Sim. O Ministério da Saúde tem feito um ótimo trabalho, não se furtando a dar as informações à população. Também tomou todas as providências necessárias até agora.

O sr. sempre criticou a grande rotatividade de ministros da Saúde. O atual, Luiz Henrique Mandetta, do DEM, está há um ano no cargo. Ele tem feito um bom trabalho?
A continuidade das políticas públicas é fundamental em qualquer pasta, mais ainda na Saúde. O ministro tem ido bem, e espero que continue assim, para poder ter essa continuidade, acabar com essa loucura de a cada dez meses trocar um ministro.

Por que é tão importante que os cargos de uma pasta como a da Saúde sejam ocupados a partir de critérios técnicos?
A troca de ministro a cada dez meses explica por que nossa política pública de saúde não é digna desse nome. Espero que com o atual seja diferente, mas é difícil acreditar que mudou essa cultura das escolhas políticas. Vamos, no entanto, continuar torcendo para que as políticas da atual gestão sejam mantidas. O ministro manteve ótimos profissionais em funções essenciais. O Ministério da Saúde tem profissionais altamente qualificados, pessoal de carreira, formado nas melhores universidades do país, com pós-graduação em centros internacionais. Mas, a cada mudança de ministro, há a nomeação política dos ocupantes dos cargos de confiança. Isso é péssimo.

O que é fundamental na saúde pública?
A gente tem que se preocupar mais com a atenção primária. O Brasil tem um programa, o Estratégia Saúde da Família, que é um dos melhores do mundo. Por isso o atual governo está certo em investir cada vez mais nesse programa. O único jeito de você enfrentar os problemas de uma população que envelhece é fazer a prevenção. Também porque, ao dar atenção à saúde primária, diminuímos custos. Não existe outra fórmula: ou investimos na atenção primária para diminuir a demanda ou os mais pobres e a classe média ficarão à margem dos serviços de saúde. O SUS e a Saúde Suplementar não têm recursos suficientes para absorver os custos com o tratamento de uma população que envelhece cada vez mais.

Bruno Santos/Folhapress“Montam vídeos como se eu indicasse algum remédio. Isso é quadrilha”
O sr. sempre foi um defensor do SUS. Como avalia o sistema hoje?
O SUS é uma das coisas das quais o brasileiro tem de se orgulhar e brigar por ela. Trabalhei duas décadas como médico antes da existência do SUS. Naquela época, só quem tinha carteira assinada tinha assistência médica garantida pelo antigo INPS. Os demais tinham de pagar pelo atendimento ou contar com o atendimento em Santas Casas de Misericórdia e em algumas instituições religiosas. Eram poucos os hospitais públicos espalhados pelo país. Portanto, se há fila hoje, imagine antes. Aí, pergunto: se a pessoa não tem renda, como ela vai pagar por algo? Bem ou mal, o SUS tem tudo o que todos precisam. Precisa melhorar? Claro que precisa. Mas isso depende de planejamento, organização, controle, dinheiro, vontade política. Os brasileiros deveriam dar mais valor ao SUS, que, entre outras coisas, tem o maior programa de vacinação do mundo, gratuito, assim como o de transplante. Isso não existe em todos os países. Aliás, não existe em quase nenhum. E estamos falando de um país continental, com 210 milhões de habitantes. Não há nenhum outro país no mundo com mais de 100 milhões de habitantes que ousou oferecer saúde pública gratuita para todos.

Por que há tantos problemas, como as filas?
Porque a assistência primária é falha. As pessoas vão ao pronto-socorro porque não conseguem atendimento na UBS (Unidade Básica de Saúde). De 80% a 90% dos casos atendidos em um pronto-socorro poderiam ser resolvidos em uma UBS. Mas lá faltam médicos e enfermeiros. É aí que falta o planejamento, falta organização do estado.

O sr. tem ganhado cada vez mais visibilidade nas redes sociais. Já passou pela sua cabeça entrar para a política?
Nunca pensei nisso, meu filho. Meu negócio é a medicina. E o que mais gosto de fazer é praticar a medicina com as mãos. Além disso, escrevo os meus livros, faço as minhas palestras, as minhas participações em reportagens. Gosto de educar, meu trabalho é educativo. Ah, também corro, inclusive maratonas. Já está bom demais para um senhor da minha idade, né?

Com tanta exposição, o sr. já foi alvo de fake news?
Fui e sou constantemente. As piores são as propagandas falsas de remédios com a minha imagem. Usam fotos minhas e até montam vídeos como se eu indicasse algum remédio. Isso é coisa de uma quadrilha. Já denunciamos várias vezes ao Instagram, Facebook e Twitter. Tiram a propaganda do ar, mas logo os bandidos aparecem com outra. Quero deixar claro que não faço propaganda de medicamento. Nunca fiz. Não caiam nessa.

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