RuyGoiaba

Livrai-nos do Mala Man

06.03.20

Vocês conhecem a piada, que já é antiga: criança ouve o final do Pai-Nosso (“não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, amém”) e vai perguntar a algum adulto quem é esse MALA MAN e por que pedimos a Deus que nos livre dele. Pois bem: cada vez mais acredito que o Mala Man é uma entidade real. Uma espécie de super-herói cujo superpoder consiste em tornar muito mais chato tudo aquilo que toca; um rei Midas da chatice.

Anos atrás, um meme popular em países de língua inglesa era o da “regra 34” da internet, que diz: if it exists, there is porn of it. Se alguma coisa — qualquer coisa — existe, forçosamente uma versão pornô dessa coisa existirá em algum canto mal iluminado da internet. Essa regra vem sendo revista diariamente, para pior, nas redes sociais: se alguma coisa existe, pode ser PROBLEMATIZADA, não importa quão estúpida ou insignificante seja. Tudo isso é obra do Mala Man.

O Mala Man vê pessoas referindo-se a uma peça de roupa feminina como tomara-que-caia e decreta — de cima para baixo, para esse povão ignorante ver se aprende — que a expressão é sexista e deve ser imediatamente substituída por “blusa sem alças”: já tem até campanha de marca de roupa defendendo a troca. Em fevereiro, como sabemos, o Superchato viu pessoas se divertindo no Carnaval e, shazam!, disparou seu raio problematizador, para que você fantasiado de mulher, índio ou árabe tomasse vergonha na cara.

Pessoas atingidas pelos raios do Mala Man são incapazes de apreciar um livro, filme, série, pintura ou escultura sem um atestado de bons antecedentes — melhor ainda, de santidade — de quem produziu as obras. E coisas populares são um ímã irresistível para a chatice dessa gente, porque permitem proclamar sua superioridade moral em relação à humanidade. Não basta não gostar de futebol, por exemplo: é preciso fazer o discurso “não sabe que eles te roubam enquanto você grita gol?”. O Mala Man ama discurso, textão, ama sobretudo o que Philip Roth chamava de “êxtase da santimônia”, essa droga poderosa.

Nem santos laicos como Drauzio Varella, o entrevistado da Crusoé nesta semana, conseguem escapar dos superpoderes do Supermala. O Doutor Auzio vai a uma penitenciária, conversa com uma detenta trans e soropositiva, ouve que ela não recebe visitas há sete anos ou mais e lhe dá um abraço. Belo gesto, certo? Não para os infectados pelo Mala Man, porque, veja bem, é mais fácil vocês se identificarem com o homem branco hétero que abraça do que com a trans abraçada, isso pode mascarar a gravíssima situação das prisões brasileiras etc. etc. Como se vê, é um novo coronavírus de chatice — só que MAIS letal.

E qual seria a kriptonita para o Superchato? Acredito que o humor seja uma boa resposta; não se levar a sério demais também ajuda. “Pois é do coração dos homens que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios” — e, faltou a Bíblia dizer, o Mala Man, talvez a mais intolerável das desgraças dessa lista. Portanto, mate seu Mala Man interior e esconda bem escondido o cadáver: a humanidade agradecerá. Amém.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Nesta semana, a competição foi bastante acirrada. Tivemos, por exemplo, Regina Duarte informando que cultura “é aquele pum produzido com talco, espirrando do traseiro do palhaço e fazendo a risadaria feliz da criançada”. Nem reclamo muito: vejo até progresso em relação àquele blá-blá-blá de Roberto Alvim sobre a “nobreza dos nossos mitos fundantes”. Entre o Goebbels do Baixo Augusta e o pum da Regina, estou com os palhaços peidorreiros e não abro.

O campeão, porém, foi mesmo o palhaço amador que ocupa o Planalto colocando um palhaço profissional — o Carioca do Pânico — na frente dos jornalistas para se esquivar de perguntas sobre o pibinho murcho. Jair Bolsonaro poderia colocar logo o Carioca para governar de uma vez, já que essa é uma tarefa que o capitão parece não gostar de cumprir. O imitador não tem graça nenhuma, mas talvez seja mais presidencial e não entregue a rapadura à dupla Maia & Alcolumbre enquanto posa de machão nas redes sociais.

Carioca em pose presidencial no Planalto; o original ainda provoca mais risos

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