RuyGoiaba

Coronavírus é coisa nossa

28.02.20

Em “Tristes Trópicos”, o antropólogo Claude Lévi-Strauss (aquele mesmo que, segundo Caetano Veloso, detestou a baía de Guanabaaaaara) referia-se assim aos estudantes da USP, universidade da qual foi um dos primeiros professores, na década de 1930: “Só a teoria mais recente parecia merecer-lhes a atenção. Fartos de todos os festins intelectuais do passado, que aliás só conheciam por ouvir dizer, já que não liam as obras originais, conservavam um entusiasmo sempre disponível pelos pratos novos. No caso deles, conviria falar mais de moda que de gastronomia (…). Partilhar uma teoria conhecida com outros equivalia a usar um vestido já visto; expunham-se a um vexame”.

Eis uma verdade: na cultura, como em outras áreas, o brasileiro sempre adorou importar moda. Com o coronavírus bombando no mundo, era injusto o Bananão ainda não ter nem um caso para chamar de seu — mas São Paulo, locomotiva do Brasil, non ducor, duco e aquela coisa toda, já resolveu isso registrando não apenas um caso confirmado como, no momento em que escrevo, 85 suspeitos. E tenho certeza de que a hospitalidade brasileira fará o vírus se sentir em casa (“chega aí, Corona!”). Dá até para cantar com Silvio Santos a música de Jorge Ben: “Coronaví-rus é coisa nos-sa, mas o que vai vai, mas o que vai vem…”.

No fundo, nós temos alma de sacoleiro: nosso gosto por adquirir muamba de qualidade duvidosa no exterior é disseminado, democrático e inclui tanto coisas quanto ideias. Política identitária é muamba de esquerda, alt-right é muamba de direita: em comum, o fato de ser tudo coisa baratinha e vagabunda, que se rasga na primeira lavada. Mas, curiosamente, há coisas que o Brasil nunca se interessou muito em importar — e nem é de agora, com o dólar a quase R$ 5 inviabilizando o esquema. Nesta coluna, faço uma listinha de coisas que eu gostaria de trazer da gringa se um dia o mercado brasileiro se abrir a elas.

– Saneamento básico

Admito que faz parte do exotismo de ser brasileiro ter cerca de metade de uma população de 210 milhões de pessoas cagando no mato — e é também o tipo de coisa que deve fazer o coronavírus ser muito bem recebido no país. Mas assim, só como sugestão, talvez fosse interessante apresentar o Brasil mais pobre às maravilhas do vaso sanitário e mostrar que é possível beber água da torneira sem que ela saia com gosto de cocô. Eles vão ficar fascinados.

– Frieza total no trato com estranhos

“Ai, os alemães [insira aqui qualquer outro povo que não seja dado às efusões do brasileiro] são tão frios.” E por que eles teriam de ser calorosos com alguém que mal conhecem, como você, ô animal carente? Como bem dizia o finado Jânio Quadros, intimidade gera aborrecimentos ou filhos, e é natural que pessoas sensatas prefiram não ter nem uns nem outros com brasileiros.

– Pontualidade

Pontualidade de brasileiro é chegar 45 minutos depois do compromisso marcado – ou uma hora e meia, se você for paulistano e tiver a desculpa do trânsito. É mais bacaninha ainda quando você é médico e deixa o paciente esperando; se você for concessionário de um serviço público, então, pense na diversão que é deixar passageiros otários 45 minutos num ponto de ônibus debaixo de chuva.

(Caso verídico: em uma viagem recente à Itália, a estatal de trens do país me mandou um e-mail para avisar que o trem em que eu viajaria vinte dias depois chegaria ao destino com um atraso de… cinco minutos. Não estou brincando.)

– Iluminismo

Aquele lance que era moda na Europa faz uns três séculos, sabe qual é? Liberdade individual, tolerância religiosa, governo constitucional, separação entre Igreja e Estado, imprensa livre, todas essas plantas exóticas em solo tropical. Thomas Jefferson, o founding father dos EUA que dizia preferir jornais sem governo a um governo sem jornais, não se criaria num ecossistema em que presidentes preferem — e financiam — governo com blogueiros puxa-sacos.

– Liberalismo

Outra plantinha que não se adaptou bem ao clima brasileiro: o Brasil é uma república federativa cheia de árvores e de gente louca por um carguinho no Estado ou se dizendo “liberal na economia e conservadora nos costumes” — como se tivesse alguma coisa a ver com o liberalismo esse papel ridículo de fiscal daquilo que as pessoas fazem com seu ônus da prova. O único liberal que sobrevive por aqui continua sendo aquele da frase “casal liberal topa tudo”.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Pelo visto, tudo corre às mil maravilhas no Ministério da Educação, porque Abraham Weintraub passa o dia lacrando nas redes sociais e fazendo embaixadinhas para a galera bolsonarista, atacando jornalistas e políticos de que ele não gosta. Se Luiz Henrique Mandetta fizesse o mesmo, provavelmente já teríamos mais coronavírus por aqui do que na China: imaginem o ministro da Saúde postando aqueles memes engraçadaços enquanto a doença corre solta.

Ainda bem que edokassão é um açunto sem importânssia.

Aloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressAloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressWeintraub entrega ônibus escolares, em um raro momento fora das redes sociais

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