RuyGoiaba

Me dá um tédio escandinavo aí

21.02.20

Eu não aguento mais coisas acontecendo. Pior: coisas acontecendo NO BRASIL, este país que avacalha absolutamente tudo, esta mistura de surrealismo com falta de saneamento básico capaz de deixar no chinelo até um García Márquez doidaço de mescalina. Quando um senador monta na retroescavadeira, vai para cima de PMs amotinados e leva dois balaços de brinde, você sabe que não há como não jogar a toalha. Entrega logo o Bananão para Alessandra Negrini vestida de índia — devidamente autorizada pelo Sindicato dos Índios, com carimbo da Sônia Guajajara e tudo — e pega os espelhinhos de volta.

E a história de Cid “Caterpillar” Gomes aconteceu na mesma semana em que Dias Toffoli, o chefe do Executivo, lançou um programa para destravar obras públicas, o moderado general Augusto Heleno mandou um “foda-se” para o Congresso, o filho do presidente postou nas redes sociais um vídeo de cadáver autopsiado e o próprio presidente fez uma referência a “furo” que constrangeria até o moleque mais imbecil e merecedor de cuecão da minha turma da 5ª série B (aliás, é difícil avaliar se o problema de Bolsonaro é excesso ou falta de cuecão na infância). Mas as instituições estão funcionando normalmente!

No meio daquilo que um amigo chamou de “disputa pela liderança do ranking brasileiro de quem tem menos razão”, o que mais desejo é uma greve de acontecimentos, uma moratória de notícias, o silêncio de um mosteiro beneditino deserto. Se coubesse na métrica de “Me Dá um Dinheiro Aí”, eu passaria o Carnaval cantando “me dá um tédio escandinavo aí”. Não precisam vir junto aurora boreal, welfare state, IDH altíssimo e escandinavas interessadas na minha malemolência latino-americana: só quero o tédio mesmo, daqueles tédios de personagem do Bergman que pode passear angustiadinho por Estocolmo sem jamais se preocupar com seus boletos. Pode ser um tédio com 20 graus negativos, um tédio “neste ano o verão caiu em uma terça”: não tem problema.

Na Escandinávia, até a revolta contra o tédio é mais bacana, porque resulta em coisas coloridas e cafonas como o ABBA. Os brasileiros não sabemos o que é tédio e vivemos de sobressalto em sobressalto, no eterno ônibus circular entre a barbárie e a decadência que nunca passa pela civilização, levando bordoada no meio daquilo que os Originais do Samba chamavam de “bacubufo no caterefofo”. Cansei de ir buscar a bola no fundo do gol no 7 a 1 que levamos todo dia. Quero previsibilidade, modorra, Dia da Marmota — qualquer coisa que faça o Brasilzão parar de me encher o saco e me deixar quieto no meu canto, lendo.

“Ora”, dirão vocês, “compre uma passagem para a Escandinávia e se mude para lá, mala sem alça.” Amigo, com o dólar a mais de R$ 4,35, eu sou igual à empregada doméstica do Paulo Guedes querendo ir para a Disney: o máximo que consigo é um rolê a pé pela rua Noruega, e olhe lá. A não ser que vocês, fiéis apoiadores da Crusoé, financiem a viagem. Mas, se quiserem me presentear com uma retroescavadeira para atropelar todo mundo, também aceito.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Leio que o último concurso de Miss Alemanha contou com um júri formado apenas por mulheres, vetou a prova do biquíni e aceitou candidatas de até 39 anos. Tudo muito bom — mas por que as mulheres até 49, ou 59, ou 89 anos não foram aceitas? Que etarismo é esse? E, pensando bem, por que a insistência em escolher “a mulher mais bonita”? Bonita por quais padrões excludentes? Até quando toleraremos a FEIOFOBIA nos concursos de miss? E notem: nem falamos ainda da odiosa discriminação contra os seres portadores de pinto.

Se é para desconstruir concurso de miss, vamos desconstruir direito. (Seria mais fácil não fazer, mas para que simplificar se a gente pode complicar?)

Miss Germany/InstagramMiss Germany/InstagramA Miss Alemanha, Leonie von Hase, ainda é bonita –ou seja, faltou desconstrução aí

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