LeandroNarloch

Escola chinesa, o oposto de Paulo Freire

21.02.20

É uma pena que o Reddit não seja popular no Brasil como nos Estados Unidos. É uma rede social menos política, menos polarizada e com debates melhores que o Facebook ou o Twitter. Reúne o que restou de blogueiros do início da internet, quando ainda havia paciência para longas reflexões fora da trincheira partidária.

Pois bem: um debate interessante tem acontecido ali e no blog de Scott Alexander, um dos participantes mais ativos do Reddit. O tema: será que pais endinheirados dos Estados Unidos e de todo o Ocidente, ao se preocuparem apenas com o conhecimento e a criatividade dos filhos, não estão criando gente indolente, sem disciplina ou autocontrole?

O ponto de partida da discussão é o livro Little Soldiers, em que a americana Lenora Chu descreve esquisitices e horrores de escolas chinesas. Depois de se mudar com a família para Xangai e inscrever o filho numa pré-escola chique da cidade, Lenora notou mudanças de comportamento do filho. Estava mais quieto. Passou a pedir para comer ovos cozidos, coisa que antes detestava.

Como o garoto aprendeu a gostar de ovos? “Lenora descobriu que Rainey estava sendo forçado a comer ovos. Quando ele recusava a comida (como sempre fazia), a professora juntava o ovo no chão e o empurrava na boca da criança. Quando Rainey cuspia o ovo (como sempre fazia), a professora repetia o gesto. O ciclo se repetia de três a cinco vezes até que o garoto se rendesse.”

Basicamente, a pré-escola da China – país que já ficou em primeiro lugar no PISA – baseava-se em muita autoridade e nenhuma criatividade. Nada de aprender pelo contexto ou com suas próprias ferramentas, como pregava Paulo Freire. “Ficamos sentados parados”, respondeu o filho de Lenora sobre o que faziam o dia todo na escola.

Lenora precisou subornar uma funcionária para poder passar uma semana numa escola. Descobriu que o garoto falava a verdade. As crianças de 3 anos passavam horas sem se mexer, ouvindo gritos da professora sempre que avançavam uma perna e escorregavam da postura.

É difícil aceitar tanta rigidez, mas talvez as escolas americanas (e as brasileiras mais gourmetizadas) pequem pelo contrário. Preocupados demais em evitar traumas, “estimular a criatividade” e – o clichê que mais me tira do sério – “formar cidadãos”, pais endinheirados deixaram de lado as “virtudes não cognitivas” – a disciplina, o autocontrole, a perseverança.

Como diz um amigo, muita escola particular da Vila Madalena, em São Paulo, é na verdade uma fábrica clandestina de videoartistas. Seu egresso típico é – além do videoartista – o doutorando em História que aos 40 anos ainda mora com ao pais e luta para arrumar o quarto e entregar a tese.

Ao voltar de férias para os Estados Unidos, Lenora Chu percebeu que o filho estava mais educado que os parentes americanos da mesma idade. Fazia contas de matemática mais difíceis que as dos primos mais velhos. Gritava menos, pedia licença aos adultos e evitava comer bobagem.

Basta observar crianças num restaurante em São Paulo para concluir: sim, um pouco da autoridade chinesa faria bem à indolência brasileira.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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