Reprodução/redes sociais

Bilhões em cena

O magnata Michael Bloomberg entra na disputa democrata como opção moderada e se torna alvo dos correligionários e da imprensa
21.02.20

Com o “socialista democrático” Bernie Sanders liderando com dez pontos percentuais de vantagem as pesquisas entre os pré-candidatos do Partido Democrata, cresceu o desespero para encontrar uma alternativa moderada capaz de derrotar Donald Trump nas eleições de novembro. No entanto, apresentar-se como opção viável é entrar em confronto direto com os principais nomes democratas e com boa parte da imprensa americana, como bem percebeu o bilionário Michael Bloomberg. Ao se atrever a entrar na corrida, ele está levando bordoadas de todos os lados.

Em menos de dois meses, Bloomberg subiu de 4% para 18% na média das pesquisas. Isso açulou ainda mais os seus detratores. Bloomberg está sendo acusado de querer comprar a nomeação do Partido Democrata. Ele gastou 400 milhões de dólares do próprio bolso com bons assessores e com propaganda nas redes sociais e em horário nobre na televisão. É um valor alto para qualquer candidato, ainda mais porque Bloomberg não recebe doações. A campanha de Trump nas eleições de 2016 gastou 325 milhões de dólares ao longo de 21 meses – desse total, apenas um quinto disso saiu de suas contas pessoais.

A imprensa também tem batido forte em Bloomberg. Para alguns, os 10 bilhões de dólares que ele dedicou nos últimos anos a programas filantrópicos ou a causas como luta contra o aquecimento global e controle de armas não seriam nada mais que uma maneira oportunista de pavimentar sua corrida presidencial. Notícias dos últimos dias chamaram a atenção até para as comidas oferecidas por garçons nos eventos de campanha do multibilionário: vinho, sanduíches, wraps e enroladinhos de salsicha kosher. Em vez de convencer eleitores, Bloomberg estaria tentando cooptá-los.

ReproduçãoReproduçãoBernie Sanders: para os democratas moderados, ele não tem chance
Mas a verba infinita não explica, por si só, a ascensão do magnata. “Essa ideia de comprar a nomeação não faz sentido. O dinheiro pode ajudar, mas o que importa mesmo é a mensagem”, diz o cientista político e economista americano Michael Munger, da Universidade Duke. Em 2016, Jeb Bush, irmão do ex-presidente George W. Bush, gastou 130 milhões de dólares para ser escolhido o nome do Partido Republicano. Não venceu em um único estado americano. Naquele mesmo ano, Hillary e Bill Clinton gastaram mais do que o dobro de Donald Trump na campanha e perderam. Exemplos opostos — de candidatos com pouco gasto que foram eleitos — também existem. No Brasil, Jair Bolsonaro se orgulha de ter vencido a eleição com 2,8 milhões de reais. O valor daria cerca de 650 mil dólares atualmente.

A razão por trás da subida de Bloomberg é que muitos eleitores democratas estão ávidos para achar alguém que possa vencer Trump. Joe Biden sempre se promoveu com essa etiqueta. O problema é que ela não cola mais. Em maio, ele tinha 41% das intenções de voto entre democratas. Agora tem só 17%. No último debate em Las Vegas, ele foi ignorado. Nas duas disputas primárias, em Iowa e New Hampshire, não ficou entre os dois primeiros. Se não vencer as primárias da Carolina do Sul, no dia 29, suas chances evaporam. “A principal qualidade que os eleitores mais moderados estão buscando é a capacidade de vencer Trump. Eles não acham que um radical como Sanders teria alguma chance. Com Biden indo mal, eles estão desesperados atrás de uma alternativa”, diz Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais.

ReproduçãoReproduçãoElizabeth Warren comparou Bloomberg com Trump e o acusou de misógino
No debate democrata em Las Vegas, Bloomberg foi torpedeado sem piedade. A pré-candidata democrata Elizabeth Warren o comparou a Trump e o acusou de misógino: “Gostaria de falar sobre quem está concorrendo conosco: um bilionário que chama mulheres de gordas e lésbicas com cara de cavalo. E não, não estou falando de Donald Trump. Estou falando de Michael Bloomberg”. No passado, Bloomberg foi acusado de assédio por ex-funcionárias e assinou com elas acordos de confidencialidade. “Talvez elas não tenham gostado de uma piada que eu fiz”, respondeu ele no debate. Apesar da fortuna que está gastando, Bloomberg mostrou-se completamente despreparado para o debate.

Outro flanco aberto se deu na discussão sobre a política de segurança adotada em Nova York nos anos 2000, quando Bloomberg foi prefeito da cidade. Policiais foram transferidos para os bairros habitados por minorias, como negros e latinos. Eles também passaram a fazer o “parar e revistar” (stop and frisk, em inglês), abordando jovens em busca de drogas e armas ilegais. Até o início deste ano, Bloomberg defendia a medida. “É preciso gastar dinheiro e colocar muitos policiais nas ruas. Colocá-los onde o crime acontece, ou seja, bairros de minorias”, disse em 2015. Ao entrar na corrida presidencial, as críticas de que a política seria racista e discriminatória se avolumaram. Bloomberg passou, então, a pedir desculpas. “A única coisa com a qual eu estou realmente preocupado, com vergonha, é o que acabou ocorrendo com o parar e revistar. Saiu do controle”, afirmou ele no debate em Las Vegas. Soou mal.

As eleições americanas estão entre as mais competitivas e longas do planeta. Podem durar mais de 500 dias, contabilizado o período de pré-campanha. Qualquer um que apareça agora como uma alternativa para vencer Trump terá de pelear em um embate tenso com os colegas democratas. Ao mesmo tempo, precisa ficar atento e saber responder aos disparos de Trump. Na manhã seguinte ao debate democrata, o atual presidente compartilhou nas redes sociais um vídeo em que o “Pequeno Mike”, como ele chama Bloomberg, é esmagado por um pé gigante. “Isso faz Pequeno Mike parecer bem se comparado ao seu desempenho na última noite. Foi a pior performance na história!”, escreveu Donald Trump.

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