GranmaMédicos cubanos serão reconvocados pelo governo para atuar nos rincões do Brasil: edital sai até o fim do mês

A volta dos cubanos

O governo vai anunciar em breve a recontratação dos doutores do Mais Médicos que se recusaram a voltar para Havana após o fim do programa brasileiro
21.02.20

Mais de 1,8 mil médicos cubanos proibidos de atender a população preparam o jaleco e o estetoscópio para voltar à ativa no Brasil. Criticados pelo presidente Jair Bolsonaro, que na campanha prometeu expulsá-los do país com a exigência de revalidação de diplomas, os profissionais serão reconvocados para atuar nos rincões do país — a preferência será para os locais de alta vulnerabilidade ou de difícil acesso. Um edital de chamamento destinado exclusivamente aos cubanos será publicado até o fim do mês pelo Ministério da Saúde. Ainda não há definição de quantas vagas serão abertas, mas a expectativa é a de que a convocação alcance boa parte dos médicos da terra de Fidel que ficaram no Brasil. Eles poderão voltar a clinicar, sem a exigência de revalidar seus diplomas.

Uma lei aprovada no ano passado, a partir de uma medida provisória editada pelo presidente, criou o Programa Médicos pelo Brasil, concebido como sucessor do criticado Mais Médicos, da era petista. O foco do projeto é a atenção primária, especialmente nos lugarejos onde há dificuldade para contratação de profissionais. A lei exige que os participantes dos processos seletivos tenham registro no Conselho Regional de Medicina, mas abre uma brecha. Permite a reincorporação de cubanos por um período máximo de dois anos, desde que eles demonstrem que foram desligados em razão do fim do acordo e comprovem que permaneceram em território nacional como naturalizados, residentes ou refugiados. O texto original da medida provisória não previa a autorização para cubanos atuarem novamente no país, mas parlamentares incluíram esse artigo durante o trâmite da MP no Congresso. O presidente optou por vetar três dispositivos do texto, mas deu aval à reintegração dos médicos cubanos.

Ainda candidato à Presidência, Bolsonaro criticou a contratação dos profissionais em diversos palanques. Em agosto de 2018, prometeu “expulsar com o Revalida os cubanos do Brasil”. O Revalida é a prova que libera os médicos formados no exterior para atuarem no país. Um ano depois, já no Planalto, o presidente afirmou que os cubanos “não são tão bons médicos assim”, mencionando o caso do venezuelano Hugo Chávez, que tratou, sem sucesso, de um câncer em Cuba. Bolsonaro ainda chegou a acusar o Mais Médicos de formar “núcleos de guerrilha” no Brasil.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressNa era petista, cubanos tinham que destinar 75% do salário para o regime
Como mostraram reportagens de Crusoé, alguns médicos que atuaram no Brasil durante o governo do PT chegaram a denunciar que consultores internacionais contratados para atuar aqui pela Organização Pan-Americana da Saúde, a Opas, seriam na verdade comissários políticos guiados pelo regime de Havana. Era para esses consultores que os médicos deviam informar os seus passos. A coordenação foi marcada por excessos, uma rede de vigilância exercia controle total sobre eles. Além disso, de acordo com as mesmas denúncias, os tais consultores teriam estruturado uma espécie de arrecadação mensal para contribuição partidária. Não bastassem os 75% recolhidos dos seus salários, os médicos filiados ao Partido Comunista eram obrigados a entregar mensalmente no Brasil uma contribuição de 24 reais. O dinheiro era arrecadado em cada município e transferido para a conta do coordenador estadual, que, por sua vez, repassava o montante para a coordenação nacional. Espera-se que, agora, a história seja diferente. Uma coisa já é certa: o Ministério da Saúde diz que os cubanos receberão bolsas de 12 mil reais e, dessa vez, ficarão com a integralidade do dinheiro.

Já se espera reação. As associações médicas brasileiras não estão nada satisfeitas com a reabertura do mercado de trabalho para os cubanos. Desde 2013, essas entidades questionam o Mais Médicos e a contratação de profissionais estrangeiros sem a revalidação dos diplomas. Os médicos chegaram a entrar em choque com o PT por causa do programa, vitrine da então presidente Dilma Rousseff para a área da saúde. “Vemos com muito estranhamento essa decisão do governo de chamar médicos cubanos antes mesmo da implementação do programa Médicos pelo Brasil. O ministério poderia fazer um chamamento para profissionais brasileiros, com base no novo modelo de contratação criado pela lei”, queixa-se Diogo Leite Sampaio, vice-presidente da Associação Médica Brasileira. “Muitos desses cubanos que vieram para o Brasil nem sequer são médicos formados. O governo não se preocupou em avaliar a qualificação dessas pessoas”, diz..

A decisão do governo repercutiu mal também entre médicos brasileiros formados no exterior e que ainda não conseguiram revalidar os diplomas. Formada em uma faculdade de Buenos Aires, Carolina Vinhas considera-se uma exilada na Argentina. Em setembro, ela recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar para ser integrada ao Mais Médicos. Mas a decisão nunca foi cumprida. Em setembro, a baiana foi à porta do Ministério da Saúde para cobrar do chefe da pasta, Luiz Mandetta, sua admissão. O vídeo em que ela pressiona o político viralizou entre os quase 20 mil profissionais brasileiros que se formaram no exterior e lutam para trabalhar no país. “O ministro virou as costas e me deixou falando sozinha. O governo não faz o Revalida desde setembro de 2017 e, enquanto isso, o Brasil enfrenta um surto de sarampo e problemas graves na atenção básica. É inadmissível o ministério pensar em contratar cubanos que não revalidaram diplomas e deixar de fora brasileiros na mesma situação”, reclama Carolina, que pretende ir à Justiça contra o edital para os cubanos.

Yoanes Rodriguez quer se candidatar a uma das vagas: “Ansiedade é grande”
Em nota, o Ministério da Saúde informou que só convocará os médicos estrangeiros enquadrados pela lei que criou o Médicos pelo Brasil. O programa Mais Médicos conta hoje com 13.845 profissionais, que atuam em 3.564 municípios. Quando sua nova versão for implantada e estiver em pleno funcionamento, o total de profissionais deve chegar a 18 mil. Ainda de acordo com o ministério da Saúde, todas as 8.517 vagas abertas após o rompimento do contrato com o governo de Cuba foram preenchidas por médicos brasileiros. Yoanes Infante Rodriguez, 39 anos, viajou de Havana ao Brasil em 2014 e permaneceu vinculado ao Mais Médicos até o fim do contrato com Cuba. Enquadrado em todas as exigências legais, ele pretende se candidatar a uma das vagas que serão abertas pelo governo. “O povo gosta da gente e precisa demais do nosso trabalho. Estou há mais de um ano sem exercer a profissão, então é grande a ansiedade com a convocação”, diz o cubano, que vive na cidade potiguar de Mossoró com a mulher, brasileira, e hoje trabalha em uma farmácia.

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