A volta dos cubanos
Mais de 1,8 mil médicos cubanos proibidos de atender a população preparam o jaleco e o estetoscópio para voltar à ativa no Brasil. Criticados pelo presidente Jair Bolsonaro, que na campanha prometeu expulsá-los do país com a exigência de revalidação de diplomas, os profissionais serão reconvocados para atuar nos rincões do país — a preferência será para os locais de alta vulnerabilidade ou de difícil acesso. Um edital de chamamento destinado exclusivamente aos cubanos será publicado até o fim do mês pelo Ministério da Saúde. Ainda não há definição de quantas vagas serão abertas, mas a expectativa é a de que a convocação alcance boa parte dos médicos da terra de Fidel que ficaram no Brasil. Eles poderão voltar a clinicar, sem a exigência de revalidar seus diplomas.
Uma lei aprovada no ano passado, a partir de uma medida provisória editada pelo presidente, criou o Programa Médicos pelo Brasil, concebido como sucessor do criticado Mais Médicos, da era petista. O foco do projeto é a atenção primária, especialmente nos lugarejos onde há dificuldade para contratação de profissionais. A lei exige que os participantes dos processos seletivos tenham registro no Conselho Regional de Medicina, mas abre uma brecha. Permite a reincorporação de cubanos por um período máximo de dois anos, desde que eles demonstrem que foram desligados em razão do fim do acordo e comprovem que permaneceram em território nacional como naturalizados, residentes ou refugiados. O texto original da medida provisória não previa a autorização para cubanos atuarem novamente no país, mas parlamentares incluíram esse artigo durante o trâmite da MP no Congresso. O presidente optou por vetar três dispositivos do texto, mas deu aval à reintegração dos médicos cubanos.
Ainda candidato à Presidência, Bolsonaro criticou a contratação dos profissionais em diversos palanques. Em agosto de 2018, prometeu “expulsar com o Revalida os cubanos do Brasil”. O Revalida é a prova que libera os médicos formados no exterior para atuarem no país. Um ano depois, já no Planalto, o presidente afirmou que os cubanos “não são tão bons médicos assim”, mencionando o caso do venezuelano Hugo Chávez, que tratou, sem sucesso, de um câncer em Cuba. Bolsonaro ainda chegou a acusar o Mais Médicos de formar “núcleos de guerrilha” no Brasil.
Já se espera reação. As associações médicas brasileiras não estão nada satisfeitas com a reabertura do mercado de trabalho para os cubanos. Desde 2013, essas entidades questionam o Mais Médicos e a contratação de profissionais estrangeiros sem a revalidação dos diplomas. Os médicos chegaram a entrar em choque com o PT por causa do programa, vitrine da então presidente Dilma Rousseff para a área da saúde. “Vemos com muito estranhamento essa decisão do governo de chamar médicos cubanos antes mesmo da implementação do programa Médicos pelo Brasil. O ministério poderia fazer um chamamento para profissionais brasileiros, com base no novo modelo de contratação criado pela lei”, queixa-se Diogo Leite Sampaio, vice-presidente da Associação Médica Brasileira. “Muitos desses cubanos que vieram para o Brasil nem sequer são médicos formados. O governo não se preocupou em avaliar a qualificação dessas pessoas”, diz..
A decisão do governo repercutiu mal também entre médicos brasileiros formados no exterior e que ainda não conseguiram revalidar os diplomas. Formada em uma faculdade de Buenos Aires, Carolina Vinhas considera-se uma exilada na Argentina. Em setembro, ela recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar para ser integrada ao Mais Médicos. Mas a decisão nunca foi cumprida. Em setembro, a baiana foi à porta do Ministério da Saúde para cobrar do chefe da pasta, Luiz Mandetta, sua admissão. O vídeo em que ela pressiona o político viralizou entre os quase 20 mil profissionais brasileiros que se formaram no exterior e lutam para trabalhar no país. “O ministro virou as costas e me deixou falando sozinha. O governo não faz o Revalida desde setembro de 2017 e, enquanto isso, o Brasil enfrenta um surto de sarampo e problemas graves na atenção básica. É inadmissível o ministério pensar em contratar cubanos que não revalidaram diplomas e deixar de fora brasileiros na mesma situação”, reclama Carolina, que pretende ir à Justiça contra o edital para os cubanos.
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