Wilton Junior/Estadão Conteúdo

O bom soldado

Em versão paz e amor, o vice Hamilton Mourão agora evita rusgas e demonstra alinhamento com Jair Bolsonaro
07.02.20

Militar como o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, o americano James Stockdale fez de sua vida uma aula magna sobre sobrevivência. Laureado pelos Estados Unidos com a Medalha de Honra da Guerra do Vietnã, durante a qual foi prisioneiro por mais de sete anos, ele costumava dizer que só conseguiram escapar das atrocidades da prisão aqueles que enfrentaram a realidade como ela é, não como gostariam que ela fosse. O ensinamento do vice-almirante e aviador da Marinha americana valeu para Mourão em pouco mais de um ano de governo. Embora ele seja indemissível pela natureza do cargo que ocupa, pode-se dizer que o general da reserva, de 66 anos, é, sim, um sobrevivente de um governo que se notabilizou por não ter medo de atirar em quem pensa minimamente diferente.

No início da gestão, enquanto a gritaria nas redes sociais regida pelos filhos do presidente escancarava a ausência de noção e espírito público necessários ao exercício do poder, Mourão parecia ter compreendido o zeitgeist – expressão alemã usada para designar o espírito do tempo – ao tentar encarnar a voz da sensatez. E foi bem-sucedido. Na internet, logo ganhou o carinhoso apelido de “general Mozão”. Para o amante da equitação, porém, o efeito colateral da súbita popularidade viria a galope. Ao se apresentar como o reverso do presidente, passou a ser acusado de conspirar contra Jair Bolsonaro. E logo virou o alvo preferencial de seus rebentos e das nada inofensivas reinações de Olavo de Carvalho, o ideólogo radicado na Virgínia.

Para que pudesse transitar no governo hoje sem ser torpedeado pelo entourage presidencial, o vice – aconselhado por colegas militares aos quais coube a construção da paz – ajustou-se à política como ela é, uma realidade com a qual estava pouco familiarizado até ascender ao poder. A tormenta transformou o Mourão língua solta em uma pessoa mais comedida. Atualmente, ele pensa mais de dez vezes antes de falar o que dá na telha. Mudou de postura e passou a evitar qualquer tipo de comportamento que tenha potencial de reativar a velha desconfiança do presidente, dos filhos e de seu entorno.

Quando enxerga que pode entrar numa bola dividida com o chefe, contemporiza. Faz questão de deixar claro que quem manda é o presidente. Essa nova postura fica patente nesta entrevista concedida a Crusoé. Instado a descrever sua relação com Bolsonaro hoje, o general disse se portar “exatamente como ele (Bolsonaro) espera do vice-presidente”. “E a minha tarefa é essa. Não é me comportar de outra maneira. Tenho que me comportar da forma como ele deseja e precisa do meu auxílio”, afirmou.

Na nova fase “paz e amor” do vice, a equipe de Mourão busca conferir cada vez mais transparência aos seus atos, para evitar qualquer desconfiança. Todos os encontros são obrigatoriamente registrados na agenda pública com o nome da pessoa recebida em audiência e da entidade ou da empresa representada. A regra aplica-se até mesmo a jornalistas, que, muitas vezes, costumam ser identificados nas agendas de autoridades apenas de forma genérica. A Vice-Presidência também passou a limitar o uso de celulares. A entrada de aparelhos telefônicos no gabinete de Mourão é expressamente proibida. Em caso de entrevistas, como esta, a conversa é gravada pelos próprios assessores e enviada ao repórter ao final do encontro.

A necessidade de mostrar lealdade verifica-se não só na liturgia do local de trabalho, em um dos anexos do Planalto. Por exemplo: no discurso sobre o ministro da Justiça, Sergio Moro, presidente e vice se mostram em sintonia fina. Mourão parece mimetizar as declarações de Bolsonaro ao dizer que ele não é refém de Moro, embora tenha consciência de que o ministro é uma figura popular. “Se por acaso ele tiver que demiti-lo, ele (Bolsonaro) vai demitir e acabou. O presidente não é refém de ninguém”, afirmou o general.

Sobre uma eventual indicação de Sergio Moro ao Supremo Tribunal Federal, Mourão surpreendentemente deixa escapar que tem “outra indicação”, embora saiba que não tem chances de vingar. Para ele, o jogo político só ganhará nitidez no ano eleitoral, a depender do desempenho do governo, sobretudo na área econômica. Otimista, Mourão garante que, se não concorrer novamente à vice-presidência, não pretende ser candidato a qualquer outro cargo eletivo nas próximas eleições gerais. Mas deixa uma porta entreaberta: “Por enquanto”.

Como vai funcionar o Conselho da Amazônia, que o sr. presidirá?
O presidente, quando tomou a decisão, compreendeu que existe uma série de esforços de vários ministérios em relação à Amazônia, mas que não estão devidamente coordenados, controlados. Não há um plano de comunicação. Não há um trabalho de inteligência. Então, ele chegou à conclusão que tem que ter uma entidade, um organismo que controle isso. Eu me ofereci como voluntário para realizar essa tarefa, pelo conhecimento que tenho da área. A gente montou um decreto com base em três vetores: preservar, proteger e desenvolver. Agora, o presidente vai assinar o decreto. Existe já um número “x” de ministérios elencados que integrarão esse conselho: GSI, Casa Civil, Justiça, Defesa, Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional e outros que poderão surgir. O Ministério da Educação e o da Saúde, por exemplo, que pode se envolver com a saúde indígena.

Quando o conselho deve começar a atuar de fato?
A sistemática é coordenação, controle, comando, inteligência e informação. Ganhar a guerra da informação. Então, vamos centrar os esforços. Preservação e proteção estão muito ligadas ao Meio Ambiente, à Justiça, à Defesa. Já o desenvolvimento aos ministérios do Desenvolvimento Regional, da Infraestrutura e das Minas e Energia.

A escolha do sr. para coordenar o conselho, em detrimento do ministro do Meio Ambiente, representa um enfraquecimento de Ricardo Salles?
Não, porque ministro não controla ministro. Vocês têm que entender o seguinte: eu sou ministro, você é ministro. Vou chegar e dizer: “meu amigo, você tem que fazer isso. Tu vai olhar para mim e vai dizer: ‘vai cuidar do teu ministério, que eu cuido do meu, pô’”. É assim que funciona. Então tem que haver uma autoridade acima, com delegação do presidente. Ele achou pertinente que o vice-presidente fizesse isso.

A gestão de Salles tem sido alvo de críticas. O que o sr. pensa sobre o trabalho dele?
Ainda não me debrucei sobre a situação lá dentro do ministério. É uma situação complicada, né? Não é simples. Agora, tudo está centrado em quê? Na guerra da informação. Nós, no ano passado, perdemos a guerra da informação. Fomos apresentados para o resto do mundo como os grandes violões do meio ambiente, quando o Brasil não é. O Brasil tem mais de 60% do seu território coberto por vegetação nativa. A Europa tem 0,36%. A Amazônia está 84% preservada. Se você olhar tecnicamente, pela nossa legislação 80% não podem ser explorados e 20% podem. Em termos de números macro, está correto. Matriz energética: temos uma matriz energética limpa, enquanto o resto do mundo queima petróleo e carvão. Nós somos os culpados?

A derrota na guerra da informação foi só do Ministério do Meio Ambiente ou do governo como um todo?
Do governo como um todo. O governo não soube ser proativo. Tem que haver proatividade. E é isso que vamos fazer.

O ministro Onyx Lorenzoni está mesmo desprestigiado, como as últimas medidas do presidente indicam?
Acho que não. A Casa Civil tem uma tarefa primordial: a responsabilidade de controlar e coordenar as políticas públicas desenvolvidas pelos diferentes ministérios. Acho, sinceramente, que o PPI não estava bem colocado ali (na Casa Civil). Isso não é responsabilidade da Casa Civil. Acredito que agora ele vai andar pari passu com o programa de privatização e desestatização, uma vez que muitas das coisas que estão no PPI estão relacionadas a isso. Acho que é uma questão de você ter uma gestão mais eficiente, e a Casa Civil tem essa responsabilidade. Se você for olhar por similaridade, no governo americano o que é a Casa Civil? Quem é o chefe da Casa Civil? É o chief of staff. É o chefe do estado maior, o chefe do conselho de ministros. O Onyx continua com essa responsabilidade.

E o ministro Onyx tem realizado um bom trabalho?
Acho que sim.

Wilton Junior/Estadão ConteúdoWilton Junior/Estadão Conteúdo“Ele (Moro) é uma figura popular, o presidente reconhece, mas não é refém do ministro”
O governo pretende fazer alguma reforma ministerial nos próximos meses?
Esse assunto o presidente não tratou comigo até o presente momento. Só vejo as especulações que existem na imprensa. Então, vamos aguardar alguma decisão que o presidente eventualmente tome em relação aos auxiliares dele.

Outro ministro bastante criticado é o titular do MEC, Abraham Weintraub. Que avaliação o sr. faz do desempenho dele?
O Weintraub assumiu o Ministério da Educação depois de três ou quatro meses da gestão do (Ricardo) Vélez e teve que começar tudo novamente. Uma coisa é você ter participado da transição, trabalhando em cima dos problemas que estavam postos na Educação, e ele não trabalhou. Outra coisa é pegar o carro andando e, ao mesmo tempo, ainda ter que trocar a roda. É complicado. Nas críticas que pesam sobre ele, dou um desconto pela situação em que ele teve que assumir o ministério, montar uma nova equipe, tendo que tocar todas as atividades, inclusive o próprio Enem. O Enem sempre teve seus probleminhas, né? Nunca deixou de ter problemas. Acho que, se a gente quer ser transparente, tem de proceder assim. Houve erros? Houve erros. Vamos reformular, vamos corrigir o que está errado e vamos informar. Acabou e morre aí o assunto.

Há uma visão geral de que Weintraub prioriza a guerra ideológica em detrimento da gestão da educação.
É, talvez o Weintraub seja um defensor, vamos colocar assim, da forma de pensamento do nosso governo de uma maneira bem mais incisiva. Então, ele atrai algumas manifestações contrárias do pessoal da oposição ou de quem, mesmo não sendo da oposição, não gosta desse jeito dele. Mas essa é uma característica. Não acho que ele seja dos mais exacerbados. Ele faz, digamos assim, aquilo que julga que é correto e quem tem que julgá-lo, nesse aspecto, é o presidente.

O presidente é refém da popularidade do ministro Sergio Moro?
Em absoluto. O presidente tem plena consciência de que o ministro Sergio Moro trouxe para o nosso governo uma capacidade muito grande à área da Justiça e da Segurança Pública. Ele (Moro) é uma figura popular, o presidente reconhece, mas não é refém do ministro. Se por acaso ele tiver que demiti-lo, ele vai demitir e acabou. O presidente não é refém de ninguém.

Auxiliares do presidente acham que uma eventual saída de Moro poderá representar o fim do governo. O sr. concorda?
Ah, isso aí é… Pô, o Moro vai virar o quê? Amanhã ele vai estar ali na frente do Congresso com uma faixa “Abaixo Bolsonaro”? Não. Ele não vai fazer isso, até porque é um camarada ético e de comportamento sóbrio. É extremamente sóbrio.

Se o sr. fosse presidente, escolheria o ministro Moro para o STF na vaga do decano Celso de Mello?
Eu tenho outra indicação, pô (risos).

Quem?
Não posso falar sobre minha indicação. Isso é segredo. É um magistrado também. Minha indicação seria essa, se o presidente, por acaso, me perguntasse. Óbvio que ele não vai emplacar, mas eu falo (se o presidente perguntar).

Wilton Junior/Estadão ConteúdoWilton Junior/Estadão Conteúdo“O presidente já tem plena convicção de que sou um auxiliar extremamente confiável e capacitado”
Como descreveria sua relação com o presidente hoje?
É uma relação tranquila, de dois companheiros que tiveram uma passagem por dentro do Exército. Eu por muito mais tempo que ele, não é? Nos juntamos em termos de pensamento do que poderia ser feito pelo Brasil. E ele me convidou para ser o vice-presidente. Então, me comporto exatamente como ele espera do vice-presidente. E a minha tarefa é essa. Não é me comportar de outra maneira. Tenho que me comportar da forma como ele deseja e precisa do meu auxílio.

As intrigas palacianas prejudicaram a relação entre vocês?
Você sabe que tem gente que vê chifre em cabeça de cavalo, né? Mas o presidente já tem plena convicção de que sou um auxiliar extremamente confiável e capacitado. Então, ele tem me utilizado naquilo que é necessário.

Já conversaram sobre repetir a chapa de 2018 em 2022?
Está muito longe. Na minha visão, temos que ganhar várias guerras até lá. Aprovar todas as reformas, recolocar o Brasil no trilho do desenvolvimento, no caminho de desenvolvimento sustentável, avançar na queda da pobreza, da desigualdade, melhorar nossos índices educacionais e de desenvolvimento humano, para a gente chegar em 2022. Aí vamos ver como estará o jogo.

Alguém intermediou para que houvesse esse alinhamento maior com o presidente?
O alinhamento foi algo natural, fruto do entendimento de que a minha lealdade é inquestionável.

Ficou alguma mágoa dos filhos do presidente ou de Olavo de Carvalho em razão dos ataques?
De jeito nenhum.

Qual será sua participação nas eleições municipais deste ano?
Meu comportamento será em cima do meu partido, o PRTB. Aqueles candidatos que são do meu partido, eu tenho que apoiar.

Pretende fazer campanha de rua ou subir em palanques?
Não posso fazer isso. É complicado porque tem o uso dos meios públicos. Então, será um apoio discreto. Gravar vídeo. Não vou para palanque.

Alguma chance de o sr. se filiar à Aliança pelo Brasil?
Não. Permaneço no PRTB, que foi o partido que me acolheu quando decidi entrar na política. O partido vive um momento difícil porque não ultrapassou a cláusula de barreira. Estamos em uma tentativa de reerguer o partido nestas eleições municipais. Se a gente conseguir eleger alguns prefeitos, um bom número de vereadores, será um passo importante para, em 2022, o PRTB voltar ao jogo.

Em 2022, se não for candidato a vice, pretende disputar algum outro cargo eletivo?
Não serei candidato a nada se não for candidato a vice. Por enquanto (risos).

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