Adriano Machado/CrusoéOnyx Lorenzoni perdeu nesta semana o que ainda tinha de mais valioso em sua pasta, o PPI

O ministro que diminuiu

Onyx Lorenzoni chegou à Casa Civil como um dos mais destacados integrantes do time de Jair Bolsonaro, mas em um ano viu seu poder definhar - e se transformou em peça decorativa no Planalto
31.01.20

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, está amuado. Nas últimas horas, antes de regressar das férias dos Estados Unidos – classificadas por ele como “lua de mel de verdade” com a mulher com quem se casou no final do ano passado –, o integrante do primeiro time do Palácio do Planalto assistiu quase que impassível ao processo de esvaziamento ao qual foi submetido pelo presidente Jair Bolsonaro, na esteira da demissão de seu número dois, Vicente Santini — aquele que acionou aviões da FAB como se fosse corrida de Uber. Um aliado de primeira hora de Onyx brincou: “Ele está se sentindo como aquele personagem do filme ‘Querida, encolhi as crianças’. Só que, neste caso, o encolhido foi ele”, disse o interlocutor, que conversou com o ministro na quinta-feira, 30. Claro que as ligações dos EUA para o Brasil não foram caracterizadas por tons amenos como esse. Com a tensão na estratosfera, o ministro até abandonou um hábito cultivado desde a CPI dos Correios, em 2005, quando passou a atrair os holofotes pela maneira enfática com que esgrimia denúncias contra os petistas enrolados. Ao falar ao telefone, costumava interromper a conversa e dizer: “E aí, galera? Bom dia! Vamos trabalhar?”. A saudação era dirigida, segundo ele, aos responsáveis por grampos em seu aparelho celular. Nos últimos dias, o cumprimento foi abolido — há quem diga que ele teme deparar com um integrante do próprio governo no outro lado da linha. Sim, ele está convencido de que é alvo de fogo amigo.

Quando não disparava xingamentos contra possíveis detratores, em conversas com pessoas de sua confiança pelo telefone, o chefe da Casa Civil demonstrava preocupação em saber como ainda conseguir se equilibrar numa cadeira tão capenga. Onyx, de fato, derreteu. Depois de Jair Bolsonaro retirar dele a articulação política, repassada ao ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e o controle jurídico, com o remanejamento da Subchefia para Assuntos Jurídicos para a Secretaria-Geral da Presidência, sob a batuta de Jorge de Oliveira, restava-lhe o comando do PPI, o promissor programa de privatizações. Na manhã de quinta-feira, 30, nem essa atribuição ele tinha mais. Em meio às mudanças na pasta, deflagradas a partir da exoneração de Vicente Santini, o presidente decidiu transferir o programa para o Ministério da Economia. Sobrou a raspa do tacho, ou seja, um amontoado de cargos com nomes pomposos, salários altos e quase nenhuma utilidade. Onyx perdeu até o direito de escolher seus assessores. Nunca um ministro no exercício do cargo havia encolhido tão rapidamente, como as crianças do filme dos anos 1980 do qual ele mesmo lembrou. O gesto foi mais do que claro: Bolsonaro transformou a estrutura comandada por Onyx na Casa Civil em algo descartável.

Nesta sexta-feira, 31, o presidente deve receber Onyx em audiência no Palácio do Planalto. Aliados do ministro no Congresso dão como certo que, se ele não sair agora, não deve durar muito. Até o DEM, seu partido, parece tê-lo abandonado à própria sorte. Horas após o anúncio que expôs o esvaziamento da pasta, integrantes da legenda não haviam postado qualquer mensagem em desagravo ou em defesa do correligionário no grupo de WhatsApp em que estão filiados do DEM em todo o Brasil. A aposta é que ele seja apeado do posto para assumir a liderança do governo na Câmara. Aliados do chefe da Casa Civil, ao menos os que ainda dão as caras, atribuem ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e a integrantes da ala militar a articulação para implodi-lo. Um dos ministros de alto coturno do governo interessados na derrocada de Onyx seria o general Augusto Heleno, um dos poucos auxiliares a quem Bolsonaro costumar escutar em momentos de crise.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro demitiu o 02 da Casa Civil por uma viagem em avião da FAB, mas haveria outras razões por trás da decisão
Fontes com trânsito na área militar do governo garantem que o clima entre Onyx e o general Augusto Heleno Ribeiro começou a azedar meses atrás em razão de um dossiê que chegou às mãos do presidente. Heleno viu no papelório, que detalhava um episódio antigo, dos tempos em que ele foi comandante militar da Amazônia, uma tentativa de enfraquecê-lo. A suspeita recaiu logo sobre o grupo de Onyx. Desde então, o general estaria empenhado em mostrar ao presidente que o chefe da Casa Civil não pode seguir no cargo. Virou guerra fria. Antes de embarcar para a Índia, Bolsonaro recebeu informações sensíveis sobre a Casa Civil. As informações envolviam o próprio Onyx e também Vicente Santini. No Planalto, murmura-se que a demissão de Santini não se deu apenas por causa da viagem para a Índia que fez nas asas da FAB. O presidente já estaria descontente com supostos “deslizes” do 02 de Onyx que lhe foram relatados pela área de inteligência do governo no briefing pré-viagem.

Da área econômica também parte chumbo grosso. É notório que Paulo Guedes nunca digeriu as intromissões do colega da Casa Civil. Em entrevista no início do governo, Guedes o desautorizou publicamente, quando Onyx se arvorou em falar sobre a Previdência: “É um político falando de economia. Não dá certo, né?”. Subordinado a Guedes, o secretário de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia, Salim Mattar Júnior, já vinha tentando, desde junho do ano passado, tirar o PPI do guarda-chuva da Casa Civil. Embora houvesse no governo quem enxergasse com bons olhos o desempenho da equipe do ministro — inclusive de Santini, que auxiliava na condução do programa –, Mattar alegava que, sob Onyx, as privatizações estavam condenadas ao fracasso. Agora, com o programa subordinado à pasta da Economia, ele terá a oportunidade de finalmente fazê-lo deslanchar como deseja. No governo, fala-se que, caso Onyx seja exonerado, um dos cotados para assumir a Casa Civil é o onipresente Jorge de Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência. Por esse desenho, Oliveira levaria consigo para a Casa Civil a Subchefia para Assuntos Jurídicos, a SAJ, órgão responsável por auxiliar o presidente na área jurídica.

Se deixar mesmo a Casa Civil, Onyx Lorenzoni terá ido da ascensão meteórica a um fim melancólico no governo em pouco mais de um ano. Não raro munido de chimarrão e garrafa térmica de água quente, o gaúcho de Porto Alegre conquistou o comando da Casa Civil pela fidelidade quase canina demonstrada ao presidente antes mesmo de a campanha engrenar. O ministro integrava a reduzidíssima “turma dos 15%”, índice ostentado pelo capitão reformado nas pesquisas de intenções de voto no início de 2018. Na verdade, ele abraçou o projeto bolsonarista quando o capitão da reserva nem sequer tinha a candidatura confirmada.

Reprodução/TwitterReprodução/TwitterSantini, o demitido, com Onyx: amizade com os filhos do presidente não foi suficiente para segurá-lo
Enquanto a maioria dos colaboradores próximos de Bolsonaro tinha pouca experiência com a política tradicional, o então deputado era a exceção. Acumulava uma bagagem de 22 anos de Legislativo, 15 deles na Câmara dos Deputados. No início da trajetória rumo ao Planalto, Onyx assumiu a função de articulador com o Legislativo. Ficaram famosas suas andanças pelos corredores do Congresso com um envelope lacrado debaixo dos braços. O parlamentar guardava consigo o que dizia ser uma extensa lista de apoiadores do então futuro presidente — o papel não poderia ser revelado, dizia, para não expor os signatários. O documento, no entanto, era a prova de que o candidato do PSL, se eleito, conseguiria assegurar a governabilidade. O partido de Bolsonaro tinha apenas 8 dos 513 deputados em 2018.

Em encontros quinzenais realizados no apartamento funcional de Onyx ou na casa de Alberto Fraga, amigo de Bolsonaro, eram apresentados planos gerais de como se daria a relação entre um eventual governo Bolsonaro e o Congresso. Na campanha propriamente dita, Onyx atuava como um dos principais conselheiros do então candidato. Em meio a uma legião de bajuladores, sempre estava o mais próximo possível do ex-capitão, a ponto de oferecer-lhe suco quando a sede batia. À medida que Bolsonaro avançava nas pesquisas, Onyx também crescia em importância. Com o capitão eleito, coube a ele liderar o processo de transição. Até que, durante a composição do governo, acabou contemplado com o almejado cargo de chefe da Casa Civil.

Embora o posto não tivesse o mesmo peso e influência dos tempos de Pedro Parente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, de José Dirceu e Dilma Rousseff sob Lula ou de Eliseu Padilha com Michel Temer, pode-se dizer que Onyx iniciou o governo como um dos ministros mais poderosos da Esplanada. Diante de derrapadas nas negociações políticas, contudo, logo virou alvo da ira dos parlamentares. Para piorar, causou incômodo a Bolsonaro uma aproximação entre o chefe da Casa Civil e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. De desafetos, os dois passaram a aliados. No ano passado, enquanto Maia era metralhado nas redes sociais pela militância bolsonarista, Onyx era habitué de cafés e jantares regados a vinho na residência oficial da presidência da Câmara. Segundo aliados, isso levou o presidente a começar a duvidar de sua lealdade. Em junho, o ministro perderia a articulação política e o controle político do governo. Iniciava-se ali o movimento de esvaziamento político de Onyx, concluído esta semana com a retirada do Programa de Parceria de Investimentos, o PPI, da Casa Civil.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéA aproximação com Rodrigo Maia pôs em dúvida a lealdade do ministro ao presidente
Antes de embarcar para o Brasil, para reunir-se nesta sexta-feira, 31, com Bolsonaro, o ministro tentava juntar os estilhaços do que sobrou da Casa Civil. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Nesta quinta-feira, 30, o presidente confidenciava a interlocutores o desejo de mitigar o poder de Onyx em outras áreas do governo sobre as quais o ministro ainda exerce influência. Uma delas é a Fundação Nacional de Saúde, a Funasa. O presidente avaliava demitir o ex-deputado Ronaldo Nogueira da presidência do órgão. Embora Nogueira seja filiado ao PTB, foi Onyx quem o indicou, com apoio de um grupo de evangélicos. Com orçamento milionário, o controle da Funasa fazia parte da estratégia de Onyx para pavimentar sua candidatura ao governo do Rio Grande do Sul em 2022. Assim como o ministro da Casa Civil, Nogueira é gaúcho.

Ainda na transição, Onyx ganhou de Gustavo Bebianno, então presidente do PSL e um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro, o apelido de “o veterinário da Arca de Noé”, numa referência à formação profissional do ministro e à estrutura enxuta que ajudava a comandar. Como é possível notar, a arca de Onyx parece singrar mares cada vez mais revoltos.

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