Adriano Machado /Crusoé

Sabotagem explícita

Crusoé antecipou a trama para cindir o ministério de Sergio Moro. O movimento agora é aberto, e parece ter a simpatia de Bolsonaro. O ministro está irritado e pode sair do governo se a cisão ocorrer
24.01.20

Há duas semanas, Crusoé mostrou o avanço do articulado e estratégico movimento envolvendo setores do Congresso e do governo Bolsonaro, para limitar os poderes do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro. Agora, a ofensiva até então restrita aos bastidores ganha rosto, voz e até timbre institucional. E não somente em Brasília. Alguns dos atores são os mesmos responsáveis por desidratar o pacote anticrime de Moro no Congresso. Outros miram cargos e verbas advindas de um possível desmembramento do ministério. Um terceiro grupo quer mesmo faturar eleitoralmente em cima da pauta da segurança pública, acreditando que a baixa na criminalidade  independe do trabalho de Moro — e que ele está se fortalecendo em demasia por causa dos sucessos nessa área verificados até o momento. O que parece ser o principal deles, no entanto, está acomodado na cadeira mais proeminente do Palácio do Planalto. Sim, o presidente da República, Jair Bolsonaro. Seja por ação ou mesmo por omissão, o presidente transige com uma ofensiva que pode arrancar de Moro uma de suas mais relevantes atribuições no instante em que são registradas melhoras significativas nos índices de criminalidade. Se faltam razões técnicas para medida tão drástica, qual seja, separar Segurança Pública e Justiça, tudo leva a crer que sobram motivações políticas.

Bolsonaro pode até negar de pés juntos, mas demonstra enxergar em Moro uma ameaça aos seus planos de reeleição. A mais forte e clara investida contra o ministro desde a posse acontece no momento em que sua popularidade supera a do presidente, de acordo com as mais recentes pesquisas de opinião, e quando, pela primeira vez, o ex-juiz da Lava Jato deixa uma fresta aberta para uma possível candidatura à Presidência, em 2022. Em entrevista na segunda-feira, 20, ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Moro foi evasivo ao ser indagado se assinaria um documento se comprometendo a não concorrer nas próximas eleições presidenciais. “Não faz o menor sentido assinar um documento desses, porque muitas pessoas assinaram esses documentos e depois rasgaram”, respondeu. A negativa não diz muito, claro, mas no sensível universo da política não há dúvida de que ela é suficiente para ferir susceptibilidades palacianas. Na quinta-feira, 23, Moro deu mais um passo para estreitar os laços com seus apoiadores: criou uma conta no Instagram, uma das mais eficientes ferramentas de interação com o público. Disse que foi por insistência da sua mulher, Rosangela. Quem conhece bem o perfil emocional do presidente não acha implausível que ele tenha ficado furioso com os gestos do seu ministro mais ilustre.

A reação do presidente veio à tona durante uma reunião na quarta-feira, dia 22, com secretários estaduais da segurança pública, transmitida ao vivo pela internet. Nela, o presidente admitiu que estudaria a cisão de Justiça e Segurança Pública. No dia seguinte, à saída do Palácio da Alvorada, antes de embarcar para a Índia, Bolsonaro reafirmou que estuda a recriação do Ministério da Segurança. “É comum (o governo) receber demanda de toda a sociedade. E ontem, os secretários estaduais da segurança pública pediram para mim a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança. Isso é estudado. Lógico que o Moro deve ser contra, mas é estudado com os demais ministros”, afirmou. Bolsonaro completou dizendo que, quando convidou Moro, não falou um unir necessariamente a Justiça e Segurança Pública — e que, portanto, não seria um problema separar as duas pastas, retomando a divisão ocorrida no governo de Michel Temer. Não é verdade, como demostram declarações dadas por Bolsonaro logo depois de ser eleito.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro admitiu que governo está estudando dividir o ministério
Conforme antecipou Crusoé na quinta-feira, 23, as costuras vão além da divisão do ministério de Moro em dois. Segundo fontes palacianas, o presidente já tomou a decisão de trocar o diretor-geral da Polícia Federal. Essa é, por razões óbvias, uma área cara a Moro. Há poucos meses, quando Bolsonaro chegou a admitir que pensava em demitir Maurício Valeixo, homem de confiança de Moro, o clima entre ele e o ministro azedou. A turma do deixa-disso teve de entrar em cena. Moro deixou claro seu descontentamento: se o presidente exonerasse Valeixo sem seu aval, ele estaria sendo atropelado publicamente. Com o ministro de novo sob ataque, o assunto voltou à baila. A mudança na PF deve ocorrer em breve. “Está bem adiantado. Acho que até o Carnaval isso acontece”, afirmou uma fonte com acesso direto a Bolsonaro.

De acordo com aliados do presidente, dois delegados são os mais cotados para assumir o cargo: Anderson Torres, atual secretário da Segurança Pública do Distrito Federal, e Alexandre Ramagem, atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. Entre os defensores do nome de Torres estão o atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge de Oliveira, e o ex-deputado federal Alberto Fraga, amigo pessoal de Bolsonaro que também é cotado para assumir o Ministério da Segurança Pública caso a pasta seja mesmo recriada. Já Ramagem é defendido pelo vereador Carlos Bolsonaro. O filho 02 do presidente conheceu o delegado ainda durante a campanha, quando Ramagem atuou na segurança pessoal do pai.

A cisão do ministério e a troca no comando da Polícia Federal podem abreviar a permanência de Moro no governo. Nos bastidores, o ministro tem se mostrado cada vez mais irritado com os movimentos para enfraquecê-lo. A operação de sabotagem contra ele ganhou os holofotes durante o encontro na residência oficial do governo do Distrito Federal, quando secretários de segurança estaduais puxaram o coro em favor do desmembramento do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Na sequência, eles foram recebidos no Planalto por Bolsonaro. Detalhe: sem a presença de Moro ou mesmo do secretário nacional de Segurança Pública, o general da reserva Guilherme Theophilo. Na mesma quarta-feira, o governador de Brasília, Ibaneis Rocha, do MDB, disparou contra o titular de Justiça. “Ele veio da republiqueta de Curitiba, isso todo mundo sabe. Mas, agora, é ministro e precisa entender que não está mais lá. Ele mora na capital do país”, afirmou.

Presidência da RepúblicaPresidência da RepúblicaReunião com Maia e Moraes no Alvorada: articulação está em curso há meses
Em sua batalha contra Moro, Ibaneis é municiado pelo seu secretário de Segurança, Anderson Torres, o mesmo que é aventado para dirigir a PF – instituição que, caso se confirme a divisão do ministério, deverá ficar sob o guarda-chuva da Segurança Pública. Durante a semana, Torres elevou o tom ao pedir esclarecimentos ao ministério de Moro sobre a decisão de manter no presídio federal de Brasília chefões do PCC, como Marcos Camacho, o Marcola. Em entrevista, o secretário criticou a decisão do ministro de manter os criminosos na capital do país, a poucos quilômetros do centro do poder, e reclamou que o ministério não compartilha informações sobre a facção com o governo local. Torres é próximo do ex-deputado federal Alberto Fraga, que faz o diabo em prol do novo Ministério da Segurança, até porque ele seria um dos cotados para assumi-lo.

Um dos entusiastas da ascensão de Fraga ao comando da Segurança é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Ao admitir nesta quinta-feira, 23, que estuda a recriação do Ministério, Bolsonaro fez questão de dizer que Maia é a favor da medida. A Crusoé, Maia admitiu ter sugerido ao presidente a recriação da pasta ainda em agosto, durante uma reunião no Palácio da Alvorada com a presença do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. “Nessa conversa, disse que achava que, para o governo dele, principalmente para quem foi eleito com a bandeira da segurança, ter acabado com o Ministério da Segurança era ruim, porque essa era uma prioridade do Brasil”, afirmou Maia. “Eu disse que, do meu ponto de vista, ele acabou errando e que achava importante ele retomar essa pauta, que era prioridade do Brasil e, também, certamente, do governo dele”, emendou o presidente da Câmara.

Em suas declarações públicas, Moro tem tomado o cuidado de não partir para o embate com o presidente da República. Em questões delicadas como, por exemplo, a investigação sobre Flávio Bolsonaro, o filho 01 do chefe, o ministro tem saído pela tangente. O mesmo não se pode dizer de Bolsonaro. Desde o início do governo, instado a falar sobre seu ministro mais popular, o presidente quase sempre descarta o zelo. Em agosto do ano passado, chegou a dizer que Moro “não julgava mais ninguém” e que, por isso, não podia decidir mais “de forma unilateral”. Pior do que as palavras foram as atitudes. Antes de aceitar o convite para ser ministro, Moro disse ao próprio Bolsonaro que fazia questão de ter sob seu comando o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. O presidente atendeu. Mas meses depois editou uma medida provisória transferindo o órgão para o Banco Central. Bolsonaro também não se empenhou para defender a aprovação do pacote anticrime proposto por Moro ao Congresso.

Lúcio Bernardo Jr /Agência BrasíliaLúcio Bernardo Jr /Agência BrasíliaO delegado Anderson Torres: no ataque a Moro e à espera de um novo posto
O revés mais recente do ministro foi a sanção, pelo presidente da República, da criação da figura do juiz das garantias — uma clara resposta dos congressistas à Lava Jato. Moro era contra a medida, mas o presidente tomou partido do Congresso e a aprovou. Nesta semana, quando o ministro Luiz Fux suspendeu a medida, revogando uma liminar que havia sido concedida por Dias Toffoli e impondo uma derrota acachapante não apenas ao colega presidente do Supremo mas também ao Congresso e ao próprio presidente da República, que havia sancionado a lei, Moro foi para as redes parabenizar a decisão. Era mais um sinal de que o ambiente entre chefe e subordinado não é dos melhores.

Diante da forte reação dos eleitores partidários de Moro na internet, já no fim da tarde desta quinta-feira, 23, Jair Bolsonaro tentou jogar água na fervura da mais nova confusão saída da eficiente usina de crises do Planalto. Em suas redes sociais, ele reproduziu uma nota publicada nas contas do general Augusto Heleno Ribeiro, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, segundo a qual “em nenhum momento, o presidente disse apoiar tal iniciativa” – a iniciativa, no caso, é a separação do ministério em dois. “Apenas, educadamente, disse que enviaria a seus ministros, para estudo, entre eles o Ministro Sergio Moro”, prosseguiu Heleno. O general acrescentou que “o que alguns não entendem”, sem mencionar quem são os “alguns”, é que o presidente é o “CAPITĀO DO TIME” (assim mesmo, em letras garrafais). “Ele escalou seus 22 ministros. As decisões são tomadas ouvindo os ministros, mas cabe a ele, como comandante, dar a palavra final, mesmo que isso contrarie alguns dos seus assessores ou eleitores”, escreveu.

Para não dar margem a especulações, Bolsonaro poderia ter ele mesmo desmentido a cisão do ministério de Moro. Mas preferiu terceirizar os esclarecimentos. Já nesta sexta-feira, 24, em Nova Délhi, o presidente disse que a chance de dividir a pasta “no momento é zero”, mas fez uma ressalva. “Na política, tudo muda”, afirmou.  Ele parece não entender que trafega num terreno pantanoso. Se recriar o Ministério da Segurança, com a Polícia Federal saindo da batuta do titular da Justiça, o presidente vai impor a maior e mais amarga derrota a Moro desde o início do governo, além de esvaziá-lo despudoradamente e humilhá-lo em praça pública. As consequências da medida são imprevisíveis. Se de fato alimenta alguma pretensão eleitoral, Moro estará diante da maior oportunidade de romper com presidente e partir para um voo solo rumo ao Palácio do Planalto em 2022. Bolsonaro vai mesmo encarar?

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