Adriano Machado/CrusoéCiro Gomes vai explorar a promessa de tirar os brasileiros do SPC

O homem da língua grande

Uma incursão ao Ceará mostra como o falante Ciro Gomes faz política como um velho coronel e é um gestor ineficaz, para dizer o mínimo. As suas ideias econômicas amalucadas também são assustadoras para um país que precisa urgentemente de racionalidade para sair da crise
29.06.18

Ciro Ferreira Gomes, o candidato do PDT ao Palácio do Planalto, costuma dizer que não chegou agora na praça e que tem a mostrar o que já fez nos 38 anos de vida pública. Fala muito sobre os feitos do início de sua carreira, nos anos 1980 e 1990, quando foi deputado estadual, prefeito de Fortaleza e governador do Ceará. Mas pouco diz sobre o período mais recente em que geriu recursos públicos, na sua passagem pelo Ministério da Integração Nacional no primeiro mandato de Lula e pela Secretaria de Saúde do governo cearense. Também não faz muita questão de lembrar de quando esteve à frente do enrolado projeto da ferrovia Transnordestina, entre 2015 e 2016. De igual maneira, Ciro procura evitar falar da forma como ele e sua família, a oligarquia dos Ferreira Gomes, controlam a política do Ceará com mãos de ferro há mais de dez anos. As práticas remontam às dos antigos coronéis. Como se verá nesta reportagem, a oposição no estado foi dizimada, os órgãos de controle enfraquecidos ou aparelhados, os inimigos perseguidos, e a família foi ocupando cada vez mais espaço, e com força, no poder local. O resultado é que investigações que envolvam o clã ou mesmo que ponham em xeque o discurso modernizante que Ciro tenta vender na campanha não avançam.

Crusoé passou as últimas semanas apurando o resultado concreto tanto dessas gestões quanto do modelo político adotado por Ciro e companhia no Ceará. O resultado não é lá animador para quem pretende assumir o país em meio a uma das maiores crises econômicas e políticas da história. Na contramão de seu discurso, Ciro teve suas contas rejeitadas por auditores do Tribunal de Contas estadual. Eles encontraram 29 irregularidades em sua gestão como secretário de Saúde e pediram, além da rejeição das contas, que Ciro fosse condenado ao pagamento de uma multa de 840 mil reais. A Transnordestina, apresentada como um grande projeto de sua gestão como ministro, virou símbolo do descaso com o dinheiro público e, mesmo quando ele comandou as obras, pouco avançou.

Ciro estava desempregado em setembro de 2013 quando seu irmão, o então governador Cid Gomes, o nomeou secretário de Saúde do Ceará, um típico caso de nepotismo. Foi o último cargo público que o hoje presidenciável ocupou. No discurso de posse, ele recorreu à costumeira retórica de super-homem que enfrenta os problemas sem medo. “Vou trabalhar por resultados e não vou aceitar obstáculos artificiais, venham de onde vier. (…) Vamos ter que dar um jeito no que o (ex-secretário) Arruda não podia fazer, mas eu posso. Tenho as costas largas para aguentar Ministério Público, liminar, seja que diabo for, e vamos fazer.” Ficou um ano e três meses no cargo. Como a realidade geralmente se impõe, o falatório de Ciro não foi suficiente para superar as dificuldades. Faltou dinheiro, houve atraso no pagamento de fornecedores e Ciro, com suas costas largas, deixou a secretaria com uma série de irregularidades e uma multa quase milionária a manchar seu currículo.

Sérgio Lima/FolhapressSérgio Lima/FolhapressCiro com Lula em 2009: ele sempre quis chegar ao Planalto, mas levou alguns tombos no caminho (Sérgio Lima/Folhapress)
A tal auditoria realizada em 2015 pela área técnica do Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE), cujo resultado foi obtido por Crusoé, pôs uma lupa sobre o período em que Ciro comandou a saúde cearense. Mais especificamente, sobre a maneira como administrou 3,4 bilhões de reais de dinheiro público como gestor do Fundo Estadual de Saúde durante o ano de 2014. Após idas e vindas, os fiscais pediram que as contas, consideradas irregulares, fossem rejeitadas e que fosse aplicada a ele a multa de quase 1 milhão de reais. Ao todo, foram encontradas 29 irregularidades, como já citado, muitas delas graves, como dispensa de licitação fora dos limites legais, ausência de indicadores de gestão e contratos inflados com aditivos acima dos 25% permitidos por lei. Ciro foi notificado e, 30 dias depois, apresentou sua defesa. Conseguiu explicar apenas cinco das irregularidades. Isso em meados do ano passado. Até hoje o processo repousa no gabinete do relator, o conselheiro Valdomiro Távora, onde aguarda desde novembro um parecer do Ministério Público para ser apreciado. Não há, porém, qualquer perspectiva de conclusão do processo antes das eleições presidenciais deste ano, quando o eleitor deverá levar em conta na avaliação que fará dos candidatos a competência (e a honestidade) deles para gerir recursos públicos.

O pessimismo quanto a uma conclusão definitiva sobre a auditoria que defende a rejeição das contas de Ciro na Saúde e o pagamento da multa se explica. O tribunal de contas cearense está com todos os processos atrasados depois de uma manobra política liderada em 2017 pelo grupo de Ciro e executada pelo governador Camilo Santana, que, embora petista, é aliado de primeira hora dos Ferreira Gomes – Santana é um dos defensores, por exemplo, da ideia de que o PT abandone a candidatura de Lula e apoie Ciro neste ano. O petista, com aval de Ciro e seu irmão Cid, ex-governador, forçou sua base na Assembleia a mudar a constituição estadual e fechar o Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM). Os processos tiveram de ser absorvidos pelo TCE, o que fez com que o tribunal ficasse sobrecarregado. Com isso, os processos existentes – o do próprio Ciro, entre eles – entraram em uma fila interminável.

A extinção do TCM, que levou ao problema, se deu por causa de uma querela da família Ferreira Gomes com um ex-aliado que havia chegado à presidência do tribunal. Sentindo-se traídos depois que esse aliado decidiu não mais fechar com os interesses do clã, veio a vingança: extinguir o TCM. Coisa de política regional. Coisa de coronel. O efeito colateral, também positivo para os interesses de Ciro e de sua família, foi a sobrecarga no tribunal de contas estadual. Mas com isso, na verdade, ele nem precisava se preocupar. Lá, quase metade dos conselheiros é de Sobral, cidade localizada a 200 quilômetros a oeste da capital Fortaleza e berço político dos Ferreira Gomes. A representação do município na corte é absolutamente desproporcional. Com pouco mais de 200 mil habitantes, Sobral é apenas o quinto mais populoso do estado. Mas tem três dos sete conselheiros do tribunal.

Antonio Cruz/ Agência BrasilAntonio Cruz/ Agência BrasilO irmão de Ciro, Cid Gomes, e Camilo Santana, escolhido pelo clã para sucedê-lo no governo (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Uma das conselheiras é Patrícia Saboya, ex-vereadora, ex-deputada estadual, ex-senadora e ex-mulher de Ciro. Foi nomeada por Cid em 2014 como compensação política pelo fato de o clã não ter dado a ela a vaga para disputar o Senado. Um primo de Patrícia, Ernesto Saboya, passou a integrar a corte em 2017, também apoiado pelos Ferreira Gomes. Já Luis Alexandre Albuquerque Figueiredo, o outro sobralense, foi nomeado por Tasso Jereissati depois de uma indicação de Ciro em 1995. A ideia era tirá-lo da eleição municipal de Sobral em 1996, para que fosse aberto caminho para a primeira eleição de Cid Gomes como prefeito da cidade, o que acabou acontecendo.

O resultado do domínio é que praticamente tudo o que pode atingir a imagem da família não vai adiante na corte. O caso do Aquário do Ceará, idealizado por Cid, irmão e cria política de Ciro, é exemplar. O custo inicial previsto era de 80 milhões de reais, parte em recursos próprios e outra parte em financiamentos internacionais. Até hoje a obra, iniciada sem licitação, não foi concluída. A estimativa do TCE é de que, só de dinheiro público, 130 milhões de reais já naufragaram no projeto. Processos tramitaram no tribunal sobre o tema, mas nenhum avançou. Em um deles, o Ministério Público pediu informações sobre a forma de gestão do aquário e um estudo de viabilidade econômica do empreendimento. Em outra ocasião, os procuradores pediram a suspensão de repasses para a obra, pois apontaram erros no modelo de contratação da empresa responsável. A liminar também foi negada. Em outro empreendimento, o Centro de Convenções do Ceará, foi constatado um superfaturamento de 51 milhões de reais pela empresa Queiroz Galvão, uma das envolvidas na Lava Jato.

Em Fortaleza, a cinco quilômetros do Tribunal de Contas está a Assembleia Legislativa, igualmente dominada há anos pelos Ferreira Gomes. Dos 46 deputados, apenas seis são de oposição ao governo de Camilo Santana, pupilo de Ciro e Cid. Tal qual no TCE, o resultado é uma grande barreira para que sejam deflagradas investigações que os minguados opositores do grupo consideram importantes. Em 2015, houve uma tentativa de investigar, por exemplo, as obras do aquário. Assinaturas até chegaram a ser colhidas para uma CPI, mas quando o pedido foi protocolado, surpreendentemente, outros pedidos surgiram na fila. Como o regimento só permite duas comissões funcionando ao mesmo tempo, a comissão não foi aberta.

A auditoria do Tribunal de Contas: o presidenciável foi multado em quase 1 milhão de reais, mas o processo está parado
No início deste ano, as mãos fortes do grupo político de Ciro enterraram outra CPI, para investigar o crime organizado no estado. O pedido para a instalação da comissão havia sido feito pela oposição no início de 2015, mas a crise na área de segurança e o avanço da violência fizeram o assunto voltar à pauta. Não adiantou. O presidente da Assembleia, do mesmo PDT dos irmãos Ciro e Cid, arquivou a proposta por ela não ter as doze assinaturas necessárias. Afirmou também não haver apoio político das lideranças. Isso em meio à grave onda de crimes enfrentada pelo estado. Segundo o Atlas da Violência elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado no dia 5 deste mês, o número de homicídios no Ceará dobrou em 10 anos. É o sétimo estado mais violento do Brasil e o terceiro do Nordeste. Uma marca que, pode-se dizer, tem as digitais de Ciro – em 2013, antes de chefiar a Secretaria de Saúde, ele ocupou o cargo de “consultor informal” de segurança no governo de seu irmão, um assunto sobre o qual o pedetista também pouco fala.

O segredo dos Ferreira Gomes para tamanha fidelidade na Assembleia Legislativa é a reprodução, em nível local, do que se vê em Brasília. Aos que aderem ao governo, há acesso a recursos públicos e a cargos. Aos que contestam, os cofres são fechados. A cooptação se dá de baixo para cima. Quando o governo nota uma postura contrária na Assembleia, ataca na base parlamentar do deputado estadual. Prefeitos cujos deputados são governistas ganham equipamentos, viaturas e obras. Prefeitos cujos deputados são oposicionistas não são contemplados e chegam a ter seus aliados exonerados da máquina administrativa. “A política brasileira de Norte a Sul tem característica uniforme: clientelismo e fisiologismo. Aqui no estado é assim também. A primeira coisa que ocorre quando um partido fica contrário ao governo é a tomada dos seus prefeitos e, consequentemente, diminuem as chances de o deputado ser reeleito”, diz o deputado Heitor Férrer, do Solidariedade, que faz oposição aos Ferreira Gomes desde 2003.

Postos estratégicos no estado são mantidos sob o comando do clã. Quando deixou o governo por exemplo, Cid, com aval de Ciro, cuidou para manter alguns dos melhores afilhados da família. Um dos acordos com o governador Camilo Santana foi para que a empresa Ceará Portos, que administra o Porto de Pecém, ficasse nas mãos de Danilo Serpa, filho de Luiza Serpa, secretária particular de Ciro há 30 anos. Danilo havia sido chefe de gabinete de Cid entre 2012 e 2014 e foi presidente regional do Pros em 2014, quando o partido no estado estava nas mãos da dupla Ciro-Cid. Ciro já indicou que, se for eleito presidente, usará sua experiência para garantir um amplo arco de alianças no plano nacional, a exemplo do que seu grupo vem fazendo no Ceará. Ele costuma dizer que não é “candidato a Madre Teresa de Calcutá”. Já deixou claro não ter a ilusão de que encontrará um Congresso “de anjos” e admitiu que se sentará para negociar, sim, com os conhecidos partidos venais do Congresso. Vê-se que não mente.

Adriano Machado/CrusoéCiro com seu novo grande parceiro, o notório Carlos Lupi, no papel presidente, mas na prática quase dono do PDT: investigado por malfeitos no governo Dilma (Adriano Machado/Crusoé)
Hoje, dos 184 municípios cearenses, apenas 22 são comandados por políticos de oposição ao clã. A candidatura nacional de Ciro impulsionou ainda mais a aliança regional feita para reeleger o governador apoiado por ele. A coligação é composta por vinte e quatro legendas, ante as dezoito da aliança que haviam conseguido montar quatro anos atrás. No arco de aliados, estão desde políticos considerados à esquerda até aqueles mais alinhados ao centro e à direita. Embora não coligado formalmente, até mesmo o MDB do presidente Michel Temer, a quem Ciro já classificou de “chefe da quadrilha”, integra o grupo de maneira informal. Para conseguir o apoio dos emedebistas, Ciro se reaproximou do presidente do Senado e chefe do MDB local, Eunício Oliveira, no final do ano passado, em uma clara amostra da sua flexibilidade política.

A manutenção do domínio político local inclui suspeitas de perseguição e espionagem de inimigos. Em abril de 2013, o então deputado federal Eudes Xavier, do PT do Ceará, subiu à tribuna da Câmara para um discurso que ficou registrado nas notas taquigráficas da Casa. Ele denunciava o que seriam trechos de uma troca de e-mails entre o então governador Cid Gomes, irmão de Ciro, e o coronel Francisco Bezerra Rodrigues, à época secretário de Segurança Pública do Ceará. Segundo o deputado petista, Cid escreveu ao coronel:

Nos próximos dias o Ciro deve lhe procurar para pedir algumas orientações, eu soube pelo Arialdo que ele esteve em São Paulo com executivos da Kroll para tratar do assunto Roberto Pessoa, já tentamos fazê-lo recuar mas sem sucesso, então peço que o ajude na medida do possível sem envolver o governo nesse assunto.

Dias depois, o coronel respondeu a Cid, segundo as mensagens lidas pelo deputado em plenário:

“(…) Aquela turma que estamos aguardando não vai mais chegar dia 20 e sim dia 29. Fizeram contato informando um atraso na entrega dos equipamentos que vão utilizar, já que os mesmos vêm de fora. Solicitaram também mais dois veículos além dos quatro já disponibilizados pelo Dr. Arialdo. Já entrei em contato com ele e aguardo a resposta da viabilidade de disponibilizar esses veículos extras.
Bezerra.

Arialdo Pinho, atual secretário do Turismo do Ceará, era na época dos e-mails chefe da Casa Civil de Cid. É um dos principais operadores dos Ferreira Gomes e, ao lado de Cid, figura como investigado na Operação Lava Jato após a barulhenta delação premiada da JBS. Roberto Pessoa é empresário, ex-prefeito e ex-deputado federal, considerado o maior inimigo do clã dos Ferreira Gomes no estado. A Kroll é uma conhecida empresa que faz espionagem.

No dia seguinte ao discurso do petista, Cid Gomes foi até a Assembleia Legislativa do Ceará para rebater as acusações. Negou a veracidade das mensagens. Declarou que os e-mails eram uma “isca” para subsidiar uma investigação pedida pelo próprio governo depois de suspeitas de invasões a e-mails de integrantes de seu grupo político. A verdade é que os e-mails indicavam que Ciro estava contratando uma agência de espionagem para investigar um inimigo. O caso, como os demais, morreu de inanição. Após ser remetido aos tribunais superiores de Brasília devido ao foro privilegiado de Cid Gomes, que na época era governador e depois virou ministro da Educação de Dilma Rousseff, o caso voltou a tramitar na primeira instância de Fortaleza. De acordo com o Ministério Público do Ceará, o processo até hoje não foi concluído.

A terceira candidatura de Ciro a presidente faz com que pela primeira vez todos os irmãos do clã Ferreira Gomes estejam simultaneamente na política. O ex-governador Cid Gomes é candidato a senador. Ivo é prefeito de Sobral, embora esteja sob risco de não terminar o mandato porque enfrenta um processo de cassação por compra de votos nas eleições de 2016. Outro irmão, Lucio, é secretário estadual de Infraestrutura. A única irmã, Lia, é candidata a deputada estadual pela primeira vez. Os Ferreira Gomes têm tradição. Os antepassados, proprietários de terra, exerceram funções de destaque em Sobral. Os dois primeiros prefeitos da cidade foram do clã. Um deles, bisavô do presidenciável do PDT, chegou a ser chefe do Partido Conservador na região, uma das siglas da época do Império. Durante o governo Getúlio Vargas, nos anos 30, outro integrante da família comandou a cidade, desta vez por nove anos. Quase quarenta anos depois foi o pai de Ciro quem se elegeu prefeito pela Arena, partido que sustentava o regime militar.

As ideias de Ciro

 

A força política do clã Ferreira Gomes virou até tese de doutorado. Intitulada “Os caminhos do poder no Ceará: a política de alianças nos governos Cid Gomes”, a tese foi apresentada pelo professor Cleyton Monte, da Universidade Federal do Ceará. No texto, ele aponta semelhanças entre o estilo do clã e o conhecido “carlismo” da Bahia do final do século 20, quando um dos mais conhecidos coronéis da política nacional, Antonio Carlos Magalhães, dominou o estado. “(O clã Ferreira Gomes) guarda semelhanças com o carlismo. Sua singularidade reside em conciliar, mesmo que de forma frágil, práticas e narrativas tradicionais e modernas. Não possuem um projeto político delimitado, nem guardam bandeiras ideológicas. Contudo, são políticos profissionais, oriundos da classe média urbana, que se subordinam à gramática nacional hegemônica, marcham juntos e seguem o posicionamento de lideranças consolidadas, primando pelo pragmatismo em suas estratégias”, concluiu o professor.

De fato, a capacidade de aderir a movimentos políticos hegemônicos e agregar em seu entorno diferentes colorações partidárias é a principal característica que explica o sucesso do grupo. Ciro iniciou a carreira política em 1982, pelo PDS, partido derivado da Arena. Fez essa opção porque era mais fácil para se eleger. De lá para cá, aliou-se aos grupos que lhe favoreceriam política e eleitoralmente — sempre, como atesta a tese de doutorado, seguindo o “posicionamento de lideranças consolidadas”. Depois do PDS, Ciro foi para o PMDB, atraído pelo então governador e hoje senador Tasso Jereissati, principal liderança da época no estado. Quando Tasso foi para o PSDB, levou Ciro consigo.

A partir de então, o hoje presidenciável se elegeu prefeito de Fortaleza, governador do estado e, depois, viu-se nomeado ministro da Fazenda no governo Itamar Franco. Na avaliação de um antigo aliado, o sucesso subiu à cabeça de Ciro. Ele achou que podia manter o cargo na equipe econômica com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, mas perdeu o posto para Pedro Malan. Em seguida, acreditou que poderia ser candidato à sucessão de FHC pelo PSDB, mas veio a emenda da reeleição. Ciro, então, abandonou Tasso e se bandeou para o PPS, pelo qual foi candidato ao Planalto em 1998. Ficou em terceiro com 10,97% dos votos. Manteve esse patamar quatro anos depois, com 11,97%, mas baixou para o quarto lugar.

(Reprodução/Redes sociais)(Reprodução/Redes sociais)O presidenciável com sua atual namorada: no passado, críticas pela forma como tratava as mulheres (Reprodução)
Ali já se revelava uma característica marcante do pedetista: a de morrer pela língua. Em uma entrevista a uma rádio, chamou um eleitor de “burro”. O episódio foi amplamente explorado pelos adversários no horário eleitoral gratuito e barrou seu crescimento nas pesquisas. Ele também perdeu pontos ao responder a uma pergunta sobre qual era a função de sua então namorada, a atriz global Patrícia Pillar, na campanha. “A minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo. Dormir comigo é um papel fundamental”, disse ele. A relação terminou, mas o comportamento de Ciro se repetiria em outras ocasiões. Numa delas, dez anos depois da polêmica declaração sobre Patrícia Pillar, o hoje presidenciável do PDT encomendou passagens a uma agência de Fortaleza para viajar à Europa com a nova namorada, uma jovem de 26 anos. Era novembro de 2012. Para economizar, Ciro pediu à agente de viagens uma providência especial na reserva dos bilhetes: ele próprio iria na classe executiva e a namorada, na classe econômica. Foi Ciro, em pessoa, quem tratou de explicar para a namorada a razão da diferença. Tentando mostrar algum constrangimento, ele disse que havia feito como costumava fazer com os filhos: os jovens na classe econômica e ele, merecedor de mais conforto, na executiva. A namorada nem reclamou. Hoje Ciro namora a produtora de TV e teatro Giselle Bezerra, de 39 anos, ex-dançarina de um programa da Xuxa.

Embora bata no peito para dizer que é um candidato antimercado e avesso a arranjos com os “donos do dinheiro”, Ciro parece mais manso quando fala diretamente para esse público. Foi assim nesta quinta-feira. Em palestra para representantes do mercado financeiro, ele foi, segundo pessoas presentes, “paz e amor e debateu a economia em bom nível”. O pedetista, a despeito do discurso, tem laços estreitos com estrelas do PIB nacional. É muito próximo do empresário Benjamin Steinbruch, apontado algumas vezes como seu possível companheiro de chapa. A relação de Ciro com Steinbruch vai bastante além da busca do presidenciável do PDT por um vice que represente o setor produtivo do Sul do país. Ambos se conhecem há mais de 30 anos, em razão dos empreendimentos de longa data no Ceará do grupo Vicunha, do qual o empresário é acionista. Foi depois que Lula venceu que a relação passou a ser mais intensa. Nomeado pelo petista para o cargo de ministro da Integração Nacional, Ciro se incumbiu da retomada do projeto da ferrovia Transnordestina, cuja ideia era interligar por meio de 1.753 quilômetros de trilhos o interior do Nordeste aos portos de Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará.

Por meio de uma concessão, com financiamento público e privado, a obra acabaria caindo no colo do conglomerado de Steinbruch. Em 2006, quando Ciro se candidatou a deputado federal, a CSN de Steinbruch foi a maior doadora de sua campanha: os 500 mil reais representavam quase metade do total arrecadado. Ciro acabou se elegendo. Já a Transnordestina, cuja previsão de entrega era em 2010, não saiu do papel até hoje. De estrela do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da era Lula, acabou se tornando um dos maiores símbolos do desperdício de recursos públicos da história do país.

Greg Salibian/FolhapressGreg Salibian/FolhapressBenjamin Steinbruch, amigo do peito e velho parceiro do pré-candidato, é o preferido dele para o posto de vice (Greg Salibian/Folhapress)
Ciro terminou seu mandato de deputado federal em 2010, mas continuou a ajudar o amigo Steinbruch em outras empreitadas. Em 2011, fez o favor de acompanhar a liberação de recursos do Banco do Nordeste para a Vicunha Têxtil S/A. Os recursos, na ordem de 221,8 milhões de reais em valores da época, eram para a ampliação de uma planta industrial no município de Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza. Quatro anos depois, em fevereiro de 2015, a Transnordestina voltaria a unir os dois amigos. Steinbruch contratou Ciro para ser o responsável pela obra, cargo que ocupou até maio de 2016. Entretanto, o agora presidenciável também deixou o posto sem grandes avanços. Embora Ciro diga que foi nesse período que o projeto mais andou, dados obtidos por Crusoé no Ministério dos Transportes mostram o contrário. Foram 81 quilômetros de trilhos instalados em 2015, menos que em 2012 (224,9 km), 2014 (135,3 km) e 2011 (110,2 km). Isso a despeito de o aporte de recursos ter sido elevado no ano em que Ciro lá esteve: 865 milhões de reais, menor apenas que em 2010 e 2011.

DELFIM MARTINS/BLOG DO PLANALTODELFIM MARTINS/BLOG DO PLANALTOObras da Ferrovia Transnordestina: muito barulho, pouco resultado e milhões desperdiçados ao longo de anos (Divulgação)
Em 2017, o Tribunal de Contas da União suspendeu o repasse de recursos federais para a obra. Até hoje, foram gastos no projeto 7 bilhões de reais. Estima-se que sejam necessários mais 6 bilhões para que a ferrovia esteja completa. Um sumidouro de dinheiro, assim como sua congênere Norte-Sul. Ciro se incomoda quando é instado a falar sobre o assunto.

São três os sonhos do pedetista nesta fase da campanha presidencial. O primeiro é ter Steinbruch, parceiro de Transnordestina, como vice na sua chapa. Ciro avalia que, assim, conseguirá atrair o apoio empresáriois do Sul do país e quebrar a crescente resistência que o PIB e o mercado têm a seu nome. Steinbruch é filiado ao notório PP, partido do mensalão e do petrolão. Outro sonho do presidenciável é tentar se aproveitar da ausência de Lula na campanha para unir a esquerda em torno de seu nome e fazer com que o PDT seja o eixo central desse campo político — e  ele mesmo, sua maior liderança. Nessa empreitada, tem encontrado resistências nas hostes petistas. Hoje Ciro trabalha para atrair o PSB e o PCdoB e, juntamente com eles, um pouco mais de tempo de televisão, além da estrutura que os dois partidos têm – em especial o PSB, que hoje governa São Paulo, Pernambuco, Paraíba e o Distrito Federal.

Ao mesmo tempo, ele também sonha em atrair o chamado Centrão, formado por partidos como DEM, PP, PRB, SD e PR. As negociações estavam caminhando bem até que Ciro descontrolou a língua e disse que poderia até ter o apoio do DEM e do PP, desde que fechasse antes com PSB e PC do B para garantir a “hegemonia moral e intelectual” da chapa. Dias depois, chamou de “capitãozinho do mato” um vereador de São Paulo homossexual, negro e do DEM. No dia seguinte, brigou com prefeitos durante uma palestra em Belo Horizonte. Saiu vaiado.

O discurso de Ciro neste ano se assemelha muito ao do PT de outros tempos. Ele se diz contra a privatização de gigantes estatais, como a Petrobras, defende um modelo de capitalização da Previdência em que cada contribuinte teria uma conta abastecida individualmente, plebiscito para a reforma trabalhista aprovada por Michel Temer e a revogação da emenda constitucional que estabeleceu o teto para os gastos públicos. Também é a favor do aumento do imposto sobre heranças. Quanto ao Banco Central, ele acha que é atribuição da autoridade monetária criar empregos e incrementar o consumo, mesmo que isso signifique sacrificar as metas de inflação. A maluquice das suas ideias econômicas é assustadora. No caso da Petrobras, ele simplesmente quer nacionalizar os campos que foram leiloados à iniciativa privada (veja quadro). Não há melhor maneira de afugentar investidores. No Datafolha divulgado no mês passado, Ciro aparece em terceiro lugar com 10%, atrás de Bolsonaro (19%) e Marina Silva (15%). Ele é mais forte entre o público masculino, mais velho e com renda mais alta. Tem mais votos no Nordeste e é menos pontuado no Sul do país. A grande dúvida é se ele conseguirá ultrapassar o seu patamar histórico de votação — e se a língua, de novo, não o tirará dos trilhos. Se houver trilhos, claro.

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