O apagão do Brasil no
cenário internacional

29.06.18

Há exatos três anos, Dilma Rousseff era recebida por Barack Obama numa inócua visita a Washington. O presidente americano recepcionava a titular de um governo inoperante, com a economia já ensaiando o profundo mergulho recessivo. A Lava Jato avançava no pescoço do modelo de negócios criminoso adotado pela coalizão política liderada pelo PT. Dilma precisava de um “efeito bumerangue” – mostrar sucesso lá fora para repercutir positivamente aqui dentro.

Naquela ocasião, os chefes de Estado das duas maiores democracias do Ocidente (ao menos pelo critério do número de eleitores) concediam na Casa Branca uma entrevista coletiva à imprensa. Em dado momento, a jornalista Sandra Coutinho, correspondente da Globo nos EUA, levanta-se e pergunta a Dilma: “Senhora presidente, o Brasil se vê como um líder global, mas os EUA enxergam o país apenas como líder regional. Como reconciliar essas visões?”

Obama, diplomático, intercede: “Deixe-me responder parte da pergunta. Não vemos o Brasil, como potência regional, mas global”. Harry Wotton, diplomata e parlamentar inglês na virada do século 16 para o 17, definia o embaixador como “um cavalheiro honesto enviado ao exterior para mentir pelo bem de seu país”.

No episódio, o presidente dos EUA não precisou viajar para mentir. Aliás, que boca tem Obama! Lembram-se de 2009, quando durante um encontro do G20 Obama chamara Lula de “My Man”, descrevendo-o como “o político mais popular da Terra”?

Seja pelo critério “global”, “regional” ou ainda pelo item “liderança”, o Brasil está passando por um apagão no cenário internacional. É certo que estilos e países entram e saem de moda. Por tal lógica, hoje o Brasil está “out”.

Essa derrocada começa nos governos lulopetistas e não conseguiu ser revertida por Michel Temer. Ainda que tenha se afastado de bobagens bolivarianas e outros terceiro-mundismos, baixo desempenho econômico e escândalos políticos por todos os lados inibem qualquer iniciativa de relevo. Da mesma maneira que se observou com as reformas estruturais, a reinserção do Brasil no mundo contemporâneo está congelada até janeiro do ano que vem.

Na década de 90, Tailândia e México despontavam. Em 1997, a brutal queda na cotação da moeda tailandesa iniciou a débâcle financeira do Sudeste Asiático. A “crise tequila” de 94, “maquiladoras” eclipsadas pela eficiência chinesa e falta de reformas estruturais esvaziaram o “milagre mexicano”.

No caso brasileiro, o apagão internacional não se explica apenas pelas expectativas do mercado financeiro, muitas vezes delineadas por um imediatismo superficial. Essa perda de lustro vai além da esfera financeira e abrange três níveis das relações internacionais: o político-militar, o econômico-comercial e o normativo – o campo dos “valores”.

Na política internacional, mesmo que avançasse uma atualização do Conselho de Segurança da ONU, do qual o Brasil historicamente deseja ser membro permanente, qual seria a contribuição prática do país à segurança internacional? Hoje, em seu próprio território, 62 mil homicídios por ano superam o número de vítimas fatais em conflitos de países como Iraque, Síria, Afeganistão e Sudão.

De 2003 a 2017, o campo econômico-comercial mostra um crescimento medíocre, taxas de poupança e investimento abaixo de 20% do PIB, um Mercosul esvaziado e ausência de acordos comerciais com os eixos mais vibrantes da economia mundial.

Ruíram também os alicerces do que, durante o lulopetismo, projetavam-se como “soft power” do Brasil. Sem expansão econômica significativa, não há como exportar o modelo do “Bolsa-Família” como exemplo de sucesso brasileiro para África e outras regiões em desenvolvimento.

Na América Latina, a liderança brasileira estilhaçou-se moralmente. Adotamos o traço de cinismo de países que gostamos de criticar – o tal “padrão duplo” — nas crises presidenciais de Honduras e Paraguai e no apoio automático – este, sim, revertido nos últimos dois anos — aos regimes de Venezuela e Cuba.
O Brasil gastou enorme capital diplomático para elegermos diretores de organizações como a FAO e a OMC, cujas funções, por definição, têm de ser neutras em termos de interesses nacionais.

Portanto, esse eclipse não se origina apenas de pessimismo macroeconômico. O Brasil precisa ter algumas boas notícias a dar – e assim transformá-las em ativos para sua política externa.

Nossa vizinha Argentina, com os EUA desengajados da América Latina e o Brasil às voltas com os seus próprios demônios, figura cada vez mais no radar chinês. Tanto que Pequim rapidamente tornou-se o segundo maior parceiro comercial de Buenos Aires.

Nós nos acostumamos a um epicentro brasileiro como algo “natural” e “automático”. Afinal de contas, somos, na região, o ator com maior população, território e economia. Não surpreende, portanto, que nós e nosso vizinhos tenhamos até agora trabalhado com um “template” em que o Brasil é o grande formulador e arquiteto de iniciativas regionais e, assim, a força-motriz do subcontinente.

Em resumo, ainda pensamos como nos idos de 1971, quando Richard Nixon disse: “Para onde o Brasil se inclinar, para lá também se inclinará toda a América Latina”. Crescendo a prosperidade brasileira, isso se refletiria na região inteira. Se, ao contrário, o Brasil estancasse em dificuldades, todos sentiriam amargos efeitos multiplicadores. Ou seja, o que fosse bom para nós seria bom para a região.

Já não é mais assim. Foi-se o tempo do Brasil como líder “natural”. O país precisará daqui em diante reconquistar protagonismo. Quando o assunto é inserção internacional, Colômbia, Peru e Chile optam por privilegiar o Pacífico. E outro caso de destaque é o Paraguai, que se movimenta na direção oposta à do Brasil. Em contraste com a profunda recessão brasileira, o Paraguai cresceu desde 2011 à média anual de 4,5%, com desemprego de apenas 5% e inflação baixa.

Essa inflexão paraguaia é ilustrativa. Sabedor de que a legislação trabalhista no Brasil é uma areia movediça para empregados e empregadores, o Paraguai a modernizou. Em contraponto a tributos complexos e pesados no Brasil, o Paraguai os reduz e simplifica. Já que o Brasil pune os que produzem, o Paraguai os acolhe. Daí não ser estranho que, ao contrário da tendência verificada no Brasil, o Paraguai se industrializa.

O  fato é que América do Sul não é mais “brasildependente”. E, em termos globais, pouco oscilamos desde 2003 em nossa fatia de 2,5% do PIB mundial e dos cerca de 1% de todos o comércio internacional.

Desprovido de boa estratégia internacional e de excedentes de poder e riqueza, o século 21 tem sido para o Brasil um rosário de oportunidades perdidas. O país pouco faz para modernizar-se internamente ou adaptar-se competitivamente à globalização.

Em lugar de tratados que viabilizassem maior presença de empresas brasileiras nas redes globais de produção, temos privilegiado um multilateralismo idealista no discurso e uma prática comercial protecionista. Preferimos, nos anos Lula-Dilma, abrir representações diplomáticas no Caribe e na África, mas não construímos fortes instituições de promoção comercial.

O que distancia o Brasil de um maior papel no mundo de hoje não é a falta de potencialidade, que permanece intocada, mas os erros de leitura do cenário internacional ou a inércia de sua economia e política. E – com a maiúscula exceção da Lava Jato – seus poucos bons exemplos a irradiar no cenário internacional.

Nada disso precisa ser eterno. Governos funcionais podem restabelecer a conexão do Brasil com o mundo. Quando – e se – isso acontecer, o país perceberá que a globalização não permaneceu sentada esperando por ele.

O começo do fim do apagão internacional é colocar a casa político-econômica em ordem. Para o Brasil, ou qualquer outra nação, o principal instrumento de uma boa política externa é uma melhor política interna.

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  1. Aí está a consequência do Lulopetismo, do sumário alinhamento ideológico, etc. Ficamos para trás na competição global. Índia e China estão rindo à toa. Em nosso quintal, Colômbia, Chile e Paraguai dão o exemplo de pragmatismo. E ainda aparece um imbecil alienado para bater no peito e declarar: "eu me ufano do meu país". Erramos feio em algum lugar.

  2. Muito bom, Marcos. Aqui na cidade de São Paulo não vejo paraguaios chegando, fugindo da pobreza. Vejo bolivianos e um pouco de pessoas de nações africanas.

  3. O mundo Democrático, de fato, já concluiu que o Brasil é um país socialista canalha, com total insegurança jurídica, social e uma monstruosa carga tributária, além de ter uma mão de obra analfabeta funcional! O mundo sério, dinâmico, Democrático, liberal, com responsabilidade ambiental e social não está para palhaçadas!!!

  4. De país em desenvolvimento, retornamos ao 3° mundo e o retrocesso se apresenta em todas as áreas...corre até o risco de que a poliomelite , erradicada, possa voltar.Sem saúde, emprego, educação e segurança, prá onde correremos???

  5. Um primor de artigo. Imanar para transcender. Antes, o diagnóstico essencial do realismo, direto ao cerne de nossas hipocrisias e projeções.

  6. O que nos deixa desesperançados é o nosso povo: sem cultura, sem informação, sem princípios éticos, se contenta com vitórias no futebol, enquanto o país agoniza em profunda crise econômica, moral e administrativa.

  7. Com os candidatos a presidência do país que se apresentam, em janeiro, corremos ficar mais quatro anos no apagão. E se entrar criaturas nefastas como Ciro Gomes ou outro esquerdalha, então, precisamos estar preparados para o caos.

  8. Quando se tem a oportunidade de sair do Brasil e ir para países modernos, liberais, avançados, voltar para cá é como ter visitado NY e voltar para uma aldeia, chão de terra batida, doenças já debeladas pela civilização, ignorância abissal, à mercê de xamãs que prometem bonanças e roubam o ouro na calada da noite. É trágico.

  9. Marcos Trolha e sua obsessão em ficar de quatro pra China. Quanto mais a China estiver longe, melhor. Eles que fiquem com seus campos de trabalho forçados, sua censura, seu controle populacional grotesco, seus genocídios. Aceitar dinheiro da China é errado, é transformar as pedras em pães à ordem do Diabo e comê-las com gosto.

    1. Você já foi alguma vez a China e viu isso ou acredita em historias de 30 anos atras? A China é em país moderni que ja ultrapassou o Brasil ha muitissimo tempo em qualidade de vida, respeito pelas pessoas, segurança e riqueza. Sugiro ir la ver isto de perto e cair na real.

  10. "O que distancia o Brasil de um maior papel no mundo de hoje" é a burocracia excessiva e corporativismo retrógrado do servidores públicos, o protecionismo míope e a mediocridade do setor privado e a falta de educação e absoluta apatia da população em geral.

  11. Excelente texto: pés no chão! Só nos resta arregaçarmos as mangas e nós livramos dos colarinhos brancos. Há um país a recomeçar dos escombros...mas vejo muito poucos preparados para a difícil missão...

  12. Excelente análise. Políticos corruptos, aliados a adeptos de ideologias idiotizadas, somados a uma parte da população desinformada que os elegeu, conduziram o Brasil a esta situação de onde sairá apenas às custas de sofrimento. Somente mudanças drásticas poderão tirar o Brasil da lama.

  13. O Lulopetismo apagou qualquer possibilidade de se projetar no cenário mundial. O Lulopetismo herdou um pais com moeda estável, superávit primário e controle de metas de inflação e junto a isso a Lei de Rsponsabilidade Fiscal e tratou de acabar com tudo, privilegiando sindicatos, falso consumo e alianças com países e ditaduras inexpressivas. O fatidico resultado taí, e livrar-se desse atraso só daqui a duas ou três gerações, e olhe lá!!!

  14. Excelente artigo. O "Paraguai" é aqui. Lá eles rejeitaram a Venezuela como parceiro no Mercosul, por reconhece a ditadura bolivariana, foi suspenso do bloco e firmou acordos internacionais importantes, derrubaram um presidente só por que quis mudar a Constituição e estão progredindo a todo vapor.

  15. Melhor frase: “Enquanto o Brasil pine quem produz, o Paraguai os acolhe.” Parabéns! Analisando todo o contexto brasileiro, chego a conclusão de que o Brasil não precisa de inimigos. Ele mesmo se auto destrói. A começar pela dificuldade de se abrir uma empresa. O governo faz tudo para que se desista da ideia, porém depois se torna o maior sócio, ganhando seu quinhão quer a empresa dê lucro ou prejuízo.

  16. Sem chance de sermos modelos pra alguma coisa. Nós somos o supra-sumo do subproduto que eclodiu ao se misturar história afora, os cromossomos da camarilha européia pra cá desterrada, com negros bestializados covarde e desumanamente e com gentios que ainda conservavam a pureza da nudez. Deu no que deu. Uma pena pois isto aqui tinha tudo para ser uma nação.

  17. Perfeito dizer que "o mundo não ficou esperando pelo Brasil". A cegueira nacional, criada pela politica corrompida, impede que os brasileiros consigam enxergar as imensas possibilidades à disposição do país. Com o auxilio da grande imprensa, que insiste em dar espaço ao atraso e aos atrasados, vemos décadas serem perdidas. O Brasil é, sem nenhum favor, nação com potencial para se tornar um dos grandes do mundo. Basta elegermos patriotas competentes ao invés de agiotas estridentes.

  18. Caríssimos, sem entrar no mérito do artigo - cujo diagnóstico é basicamente correto - gostaria apenas de comentar que, até onde se pode saber, o articulista não integra mais a carreira diplomática brasileira. Seria talvez mais honesto com o leitor, caso essa informação esteja correta, usar a expressão "ex-diplomata", até porque, se estivesse ainda na carreira, não poderia estar se manifestando em público sobre política externa.

  19. Parabéns! Vivo na fronteira com o Paraguai e acompanho o salto industrial e do agronegócio nesse país. Investimentos em infraestrutura e energia barata também pautam o crescimento. O exemplo mais emblemático talvez seja a guinada do escoamento da soja paraguaia, através de novos portos no Rio Paraguai para Uruguai e Argentina (com destino a China), em detrimento ao nosso caro pedágio e falta de estrutura até o porto de Paranaguá.

  20. E a boa política interna, começa com o voto consciente do cidadão brasileiro em 2018, desde os deputados estaduais até a presidência da república.

  21. a população brasileira é EM MAIORIA composta por pessoas não somente ineptas, despreparadas, imprecisas, ineficientes e até ignorantes, mas tbm deficitarias do ponto de vista dos valores morais e eticos; no brasil que respeita os outros é considerado um trouxa, quem não dominar a arte de tirar vantagem sobre os outros é considerado um babaca, até conseguir reverter esse quadro, o brasil mundo afora sempre será considerado um parque de diversão aonde encontrar sexo e droga a bom preço

    1. kkk, e ainda a imprensa fica achando bom que todo estrangeiro gosta de brasileiro/as , acha simpático e afável , claro kkk se for mulher não existe outras no mundo que seja mais facil levar pra cama, se for homem é só pagar um chopp e o cara vai fazer tudo o que tu pedir e até mais ... e vale tanto para homens com mulheres como o contrario

    2. Verdade! Eu não diria parque de diversão, mas uma mistura de jardim zoológico e bordel. Pois quem visita o brasil, ou vem em busca de sexo ou para ver animais exóticos. Ararinha Azul, perereca verde, amarela, roxa...

  22. gente, não precisa de um texto de 10 paginas para explicar pq este pais n sai da lama ... é facil !!! falta de CAPITAL HUMANO de boa qualidade em quantidade suficiente em comparação aos outros paises. È simples assim, n tem gente suficientemente preparada, honesta, comprometida, precisa, com senso critico e valores morais e eticos decentes para trabalhar tanto no publico como no privado e estruturar este pais. Não tem um unico premio Nobel brasileiro na historia !!!!

  23. Leio e ouço esse mesmo corretíssimo diagnóstico há muito tempo. Sinceramente, não tenho esperança alguma que o Brasil um dia terá um turning point de desenvolvimento e decência que se sustente por longo tempo, nos tirando do subdesenvolvimento. As forças do atraso nessas terras tem raízes muito profundas. Lidem com isso ou mudem de país.

  24. Faltou dizer que em 1971 o presidente era o General Emílio garrastazu Médici que quando iniciou o seu mandato o Brasil era a 43ª economia do mundo e quando terminou estava na 8a. colocação onde permanece até hoje... saiu da presidência com 90% de aprovação. Foi o maior governante que o Brasil já teve em toda sua história apesar de tudo que Dom Paulo Evaristo Arns fez para manter a sua memória.

  25. Importante matéria que nos leva a refletir sobre o Brasil que queremos. Decisões de alguns países vizinhos, como, Chile e Paraguai, devem servir de exemplo para o nosso retorno à globalização, liderança regional e sobretudo, na recuperação de nossa planta industrial.

    1. Que nada !!! O Brasil é um gigante mundial reconhecido internacionalmente nos quesitos que interessam pra maioria da população brasileira (caiam na real pq é isso mesmo) ou seja : novelas, bailes funk, musica em geral, carnaval, sexo, instagram, cirurgia plastica, cerveja ruim, bandidagem de todo tipo, tatuagens, figurinhas do album da copa, etcetera .... quem n concorda trate de se mudar pois esse quadro n vai se reverter nos proximos 100 anos não ...

  26. Com o que existe de corruptos, bandidos e população sem educação e boa parte das pessoas que só pensa em se ajeitar sem trabalhar vai ser impossível

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