ImamrezaENO líder supremo Ali Khamenei: radicais devem se fortalecer nas eleições legislativas de fevereiro

O pós-conflito

A disputa entre EUA e Irã não deve levar a uma guerra, mas já está redesenhando o equilíbrio de forças no Oriente Médio e pode ter efeitos na política interna americana em ano de eleição presidencial
10.01.20

Na quinta-feira, 2, um drone americano abateu o general iraniano Qassem Soleimani, em Bagdá. Cinco dias depois, o Irã disparou 22 mísseis contra bases militares iraquianas que abrigavam soldados americanos. Foi por um triz que o Oriente Médio não pegou fogo e entrou em nova guerra.

Os primeiros sinais de prudência apareceram na madrugada da quarta, 8, quando o ministro de Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, disse que seu país não queria uma escalada ou uma guerra aberta. Horas depois, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, proferiu um discurso na Casa Branca sem fazer qualquer ameaça militar. Ele limitou-se a falar em sanções econômicas e em novo acordo nuclear com as demais potências e o Irã. “Os Estados Unidos estão prontos para abraçar a paz”, disse Trump.

Ainda que não tenham deflagrado um conflito mais amplo, os acontecimentos recentes terão efeitos importantes no Oriente Médio, a começar pelo Iraque. A influência dos Estados Unidos no país deverá minguar. Em 2014, Barack Obama montou uma coalizão internacional para combater o grupo terrorista Estado Islâmico. Diversos países enviaram soldados para ajudar na missão, tanto no Iraque como na Síria. Hoje, eles se tornaram hóspedes indesejáveis. Na semana passada, havia um sentimento generalizado entre os iraquianos a favor da expulsão dos americanos. O Parlamento do país (em boa parte tomado por fantoches do Irã) aprovou uma resolução pedindo a retirada das tropas estrangeiras. A medida aguarda a chancela do primeiro-ministro do Iraque, Adel Abdul Mahdi.

A perda de influência americana beneficia diretamente o regime dos aiatolás xiitas, que também participou da luta contra o Estado Islâmico sunita. Nos últimos anos, o Irã treinou, armou e financiou diversas milícias xiitas que se uniram nas Forças de Mobilização Popular. Esses grupos foram fundamentais na retomada de territórios do Iraque e nutrem um profundo rancor antiamericano.

Casa BrancaCasa BrancaDonald Trump: “Os Estados Unidos estão prontos para abraçar a paz”
Ao lançar mísseis contra as bases iraquianas de seu próprio território, a teocracia iraniana fez algo raríssimo em sua história. Salvo na Guerra do Iraque, nos anos 1980, o país sempre espezinhou os seus rivais usando intermediários. Dessa forma, dissimulava a autoria das suas agressões e evitava retaliações. A ação direta contra os Estados Unidos foi uma exceção que quase levou tudo a perder. O Irã sabe que seria derrotado em um confronto contra os americanos e que o resultado da guerra seria uma mudança de regime. Mas, ao atacar na medida certa, digamos assim, deu satisfação aos setores da sociedade que o apoiam.

“Certamente, o Irã não buscará mais um confronto aberto com os Estados Unidos. As investidas serão principalmente por meio das milícias iraquianas financiadas pelo Irã. Apoiadas pela população, elas poderão atacar soldados americanos com frequência cada vez maior”, diz o cientista político brasileiro Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard.

A ação das milícias iraquianas contra soldados americanos não é novidade. Na semana passada e depois dos mísseis disparados pelas forças oficiais iranianas, foguetes menores atingiram regiões próximas a bases militares e à Zona Verde, a área mais protegida de Bagdá, onde estão as embaixadas e prédios governamentais. Com a aproximação das eleições americanas, esses grupos podem ficar ainda mais violentos. “O Irã provavelmente tentará causar a morte de soldados americanos para evitar a reeleição de Donald Trump”, diz Kalout. “Os aiatolás sabem que um governo democrata seria mais benevolente e poderia até remover as sanções econômicas.”

No Irã, a disputa com os Estados Unidos deverá fortalecer os conservadores nas eleições legislativas em fevereiro. O governo aproveitou-se da morte de Soleimani para nutrir o sentimento patriótico e antiamericano na população. Também usou o ataque americano para enfraquecer os moderados, como o presidente Hassan Rouhani, que venderam a ideia de que uma abertura política em relação ao Ocidente ajudaria a economia do país. “Os políticos que apoiaram o acordo nuclear com as potências em 2015 agora estão sendo vistos como traidores”, diz o analista iraniano Ali Fathollah-Nejad, do Brookings Institution, em Doha. “São os radicais conservadores que dominarão a política nos próximos tempos.”

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