Adriano Machado/Crusoé

O novo bote em Moro

A disputa pela paternidade dos bons resultados na segurança é o menor dos problemas do ministro: o movimento para limitar seus poderes segue a todo vapor, seja por interesse eleitoral ou simplesmente criminal
10.01.20

O desenho de um mago sorridente ostentando uma robusta barba branca, postado nas redes sociais pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, precipitou um inevitável embate político de 2020: a busca por protagonismo na segurança pública. O combate à criminalidade foi um dos principais temas das eleições de 2018. Nas disputas deste ano, a história deve se repetir com os candidatos a cargos municipais tentando desfraldar a bandeira com a mesma desenvoltura de Merlin ao empunhar a varinha mágica.

À primeira vista enigmática, a ilustração publicada no último dia 4 foi uma resposta irônica de Moro a críticos que questionavam o papel do governo federal na redução dos índices de violência. “Se quiserem atribuir a queda ao Mago Merlin, não tem problema. Trabalhamos para melhorar a vida das pessoas e o que importa é que os crimes continuem caindo”, escreveu o ministro.

A reação de Moro ultrapassa as fronteiras da mera disputa por holofotes na área de segurança. O ministro segue sob intenso ataque e, não sem razão, passou a erguer diques em sua própria defesa. Depois de desidratar o pacote anticrime, setores do Congresso e do próprio governo se movem, alguns sem a menor discrição, para enfraquê-lo politicamente. A ofensiva tem diferentes razões.

Alguns dos atores agem por interesses pessoais — de olho em verbas e cargos, não faltam entusiastas do desmembramento da Segurança Pública da pasta da Justiça –, outros por temor político, já que Moro exibe torneada musculatura eleitoral para as eleições presidenciais daqui a menos de três anos e, se quiser partir para um voo solo, vira de imediato o favorito da peleja. Há, claro, um ponto de intersecção onde as duas conveniências se encontram, uma vez que a tentativa de esvaziar o papel do ministro no combate à criminalidade também teria a finalidade de enfraquecê-lo no plano eleitoral.

O presidente Jair Bolsonaro descarta, por ora, dividir o Ministério da Justiça em dois, separando a área de Segurança Pública, o que poderia fazer também com que a Polícia Federal saísse do controle de Sergio Moro. Mas, nos bastidores, usa essa possível carta como biombo para a hipótese de o ministro frustrar suas pretensões eleitorais para 2022. Bolsonaro acalenta o sonho de ter Moro como vice. Mas e se o ministro da Justiça quiser se transformar no protagonista da chapa?

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro: aliados próximos do presidente defendem abertamente que ministério seja dividido
Auxiliares do presidente reconhecem que ele já avaliou internamente, em conversas com aliados, a possibilidade de Moro sair candidato à Presidência da República. Bolsonaro acredita, porém, que pode convencer o ministro a ser vice em sua chapa à reeleição. O presidente afirmou, mais de uma vez, que a dobradinha com Moro tornaria os dois invencíveis.

O lobby no Congresso e no entorno do governo para desnutrir Sergio Moro tem organização e estratégia. É orquestrado por líderes de partidos do centrão, os mesmos que desfiguraram o pacote anticrime nos bastidores, e por aliados com trânsito livre nos palácios de Jair Bolsonaro. Um dos principais defensores da cisão dos ministérios da Justiça e da Segurança Pública é o ex-deputado federal Alberto Fraga. Coronel reformado da Polícia Militar de Brasília, ele não é apenas amigo e conselheiro do presidente. Apelidado no Planalto de “23º ministro”, Fraga integra a chamada “turma da maçaneta”, aquela que entra no gabinete presidencial sem precisar bater à porta nem marcar horário.

Com moral nas alturas, o ex-deputado não se acanha em fazer críticas públicas ao ministro Sergio Moro. “O Moro pode conhecer muito de justiça, mas não tem conhecimento nenhum sobre segurança pública, com todo o respeito. Seria importante termos alguém com mais vivência na área criminal, com mais bagagem. O presidente tem ouvido todos os argumentos, mas acha que não é o momento de mexer nisso”, disse Fraga a Crusoé.

O último balanço divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública desmoraliza as críticas ao revelar a redução de vários indicadores de violência. Os homicídios dolosos caíram 22% entre janeiro e agosto de 2019 na comparação com o mesmo período do ano anterior – 6.684 vidas foram preservadas. Apesar da persistente crise econômica, até mesmo crimes contra o patrimônio despencaram: assaltos a bancos tiveram redução de 36,4% e roubos de carga caíram 22,9%. Responsáveis por 80% dos gastos com segurança, os governadores apressaram-se em disputar a glória pelos bons resultados. Especialistas no combate à violência reconhecem que o papel dos estados é fundamental, mas garantem que uma coordenação federativa e republicana é indispensável.

Mesmo confrontado com os números, Fraga mantém a toada de ataques. “A criminalidade realmente caiu. Mas qual foi a medida adotada pelo ministério que justificaria essa redução dos índices? Nenhuma. Não existe. O mérito é realmente dos governos estaduais, não tenho nenhuma dúvida disso”, diz. O interesse do amigo de Bolsonaro é claro como a luz do Sol. Nesse caso, não guarda relação com as eleições de 2022. O parlamentar atua em causa própria. Ele tem interesse na vaga, caso a pasta de Moro seja cindida para a criação do Ministério da Segurança Pública – seja para assumir pessoalmente, seja para indicar alguém de sua estrita confiança.

Agência BrasilAgência BrasilIbaneis e Fraga saem de reunião com o presidente no Alvorada: discurso afiado
Ex-titular da Defesa, Raul Jungmann é mais um interessado em disputar os holofotes do setor. E trabalha por isso. Ele pilotou a pasta em seus onze meses de existência. A segurança pública havia ganhado um ministério exclusivo em fevereiro de 2018, quando o então presidente Michel Temer editou uma medida provisória, posteriormente aprovada pelo Congresso Nacional. A lei determinou que a pasta deveria “coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território nacional, em cooperação com os demais entes federativos”.

A Crusoé, Jungmann fez coro ao discurso de Fraga atribuindo o mérito da queda da violência aos executivos estaduais. “Os estados são os grandes protagonistas desse resultado. Constitucionalmente, eles que cuidam da segurança. Mas o governo federal, na nossa gestão e na atual, contribuiu para isso e tem dado sustentabilidade a essa queda da criminalidade”, disse o ex-ministro. Para ele, a criação do Sistema Único de Segurança Pública, em 2018, foi fundamental para consolidar a trajetória de redução da violência. “Não existe antagonismo, mas é preciso dizer que a criminalidade começou a cair lá atrás e o SUSP foi importante para isso”.

Há outros políticos relevantes na campanha. “Temos encontrado muita dificuldade no ministério, sobretudo na liberação de recursos do Fundo de Segurança Pública. Tanto que, em dezembro, o ministro Dias Toffoli deu liminar para desbloquear esses recursos”, diz o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do MDB. “É preciso avançar muito, o governo federal tem recursos e programas que precisam ser implementados. Mas falta diálogo do ministério com governadores e secretários de Segurança”, prossegue Ibaneis, que também é coordenador do Fórum de Governadores.

Os que querem Moro longe da Segurança Pública são porta-vozes de um outro grupo que atua nos subterrâneos do poder em Brasília e faz o diabo para tentar influenciar o presidente Bolsonaro: a turma de colarinho branco enrolada em inquéritos e processos. Na atual legislatura, 50 deputados federais respondem a processos criminais na Justiça e pelo menos 27 senadores e 93 deputados são alvos de algum tipo de investigação. A escolha de Sergio Moro para o Ministério da Justiça havia indicado lá atrás a altura da régua moral do presidente eleito. Capitulará Bolsonaro às pressões? Sucumbirá ele ao próprio interesse eleitoral? São perguntas ainda sem respostas, mas que povoam as mentes dos principais atores políticos da cena nacional.

A chamada “bancada da bala”, pela qual Bolsonaro diz ter apreço, parece estar ao lado do ministro da Justiça. Líder da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, o deputado Capitão Augusto, do PL, defende o trabalho desenvolvido até agora por Sergio Moro. “A César o que é de César. A redução da violência é, sim, um mérito do governo federal e do Moro. Não tivemos nenhum fato novo significativo na educação, na economia e nem no campo da inclusão social. Ainda assim, todos os índices de violência caíram”, afirma Capitão Augusto. O parlamentar conta que foi um dos articuladores da criação do Ministério da Segurança Pública, em 2018. “Mas já que houve a unificação das pastas, agora não dá mais para separar. Senão, o presidente passará a mensagem de que quer enfraquecer o Moro, o que seria péssimo”. Para ele, se Bolsonaro separar as duas áreas novamente, será “um tiro no pé” e o escolhido para o ministério será visto como alguém “que traiu o Sergio Moro e o povo”. Não só o escolhido. O arquiteto da escolha também.

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