RuyGoiaba

Caetano é o Chiquinho Scarpa da MPB

10.01.20

Chiquinho Scarpa, figura folclórica conhecida dos paulistanos há décadas, voltou a aparecer na mídia nesta semana — ele teria implantado um microchip de GPS na namorada, para não se perder dela em sua gigantesca mansão no Jardim Europa (depois alegou que era uma brincadeira com a repórter). Também já anunciou o enterro de seu Bentley no jardim de casa, disse ser dono de uma criação de anões — que alugaria para trabalhar como garçons– e afirmou já ter recebido um escravo de presente de um amigo em Marrocos.

Ninguém leva a sério o Chiquinho, claro: ele é um especialista naquilo que os moleques do meu tempo de ensino fundamental chamavam de “pendurar uma melancia no pescoço” (no caso dele, provavelmente de ouro maciço 18 quilates). Mas, surpreendentemente, ainda existe quem leve Caetano Veloso — descrito há décadas por José Guilherme Merquior como “pseudointelectual de miolo mole” — a sério fora de sua área, a música. E, no entanto, existem mais semelhanças entre o velho baiano e o playboy paulistano do que supõe a vossa vã filosofia.

“Como assim, seu Goiaba?” Calma, já explico. O compositor e “colunista da Mídia Ninja”, que padece do que o jornalista e escritor Jerônimo Teixeira já chamou de Síndrome do Vanguardista Ultrapassado, também pendura suas melancias no pescoço — sem o ouro 18 quilates das do conde Chiquinho, mas ainda assim melancias — para dizer “olhem para mim! Eu existo! Ainda sou relevante!”. A mais recente delas foi entrevistar um youtuber neostalinista, Jones Manoel, e ainda dizer que o sujeito “mudou sua maneira de ver as coisas”.

Para quem não conhece a figura, informo que Jones Manoel é capaz de comparar a sério, como se fossem iguaizinhos, macarthismo e gulags – os milhões de mortos nos últimos devem ser, como o gol para Carlos Alberto Parreira, um detalhe — e escrever o seguinte no seu Twitter: “A Revolução Brasileira [assim mesmo, com maiúsculas] deve ter como prioridade banir, proibir o máximo possível, o Google, Face, Twitter, YouTube e afins e criar plataformas nacionais com tecnologia nacional e controle interno”. Ou seja, uma espécie de Albânia do tempo de Enver Hoxha, reloaded. Isso, notem bem, tendo conta no Twitter e canal no YouTube, os mesmos “aparatos do imperialismo” que ele quer banir.

E Caetano, que já amava de paixão Ciro Gomes e Mangabeira Unger, se encantou com esse cara, em nova prova de que sempre é possível escavar um pouco mais o fundo do poço. A explicação mais caridosa é que o compositor virou um Chiquinho Scarpa da MPB e que Jones Manoel é sua criação de anões: um truque para GERAR POLÊMICA, chamar a atenção e se mostrar alinhado com o dernier cri do progressismo, o marxismo do século 21 (basicamente indistinguível do marxismo do século 19). A menos caridosa é que o miolo mole diagnosticado por Merquior tenha adquirido, com o passar dos anos, consistência cada vez mais pastosa. E, pensando bem, essas duas coisas nem são excludentes.

Levou mais de 50 anos, mas finalmente Caetano ficou ao lado do público no Tuca que o vaiou na apresentação de “É Proibido Proibir” — ou ao lado dos netos daquela plateia, a versão 2.0 das ideias dos avós (como dizia a paródia do meu tempo de faculdade: “a UNE somos nós, nossos pais, nossos avós”). Encerro roubando mais uma citação do Jerônimo Teixeira, pelo que espero que ele me perdoe: “Caetano (…) atacava a juventude que queria matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem, e hoje o compositor septuagenário abraça o velhote assassino que morreu anteontem”. O bigode de Stálin, no fundo, é muito odara.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Confesso que não esperava ter de defender a turma de Gregório Duvivier e o que chamei, na semana passada, de “especial de Natal mais sem graça dos últimos 2.000 anos”. Mas “goiabice” é muito pouco para definir a decisão do desembargador Benedicto Abicair de censurar o programa do Porta dos Fundos, ordenando sua retirada da Netflix: além de inconstitucional e inaceitável, é patética. Tão patética quanto a legião de cretinos que defende a decisão sem se dar conta de que igual tipo de censura pode se voltar contra o que eles amam.

No mais, subscrevo o que o grande comediante inglês Ricky Gervais vive dizendo: só porque você se sentiu ofendido, não significa que esteja certo.

Abicair, que fechou o acesso à Porta dos Fundos antes de Dias Toffoli liberar

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