Bruno Santos/Folhapress

‘A direita revolucionária atrapalha’

O deputado paulista Arthur do Val, que ganhou holofotes recentemente por brigar com petistas em plenário, diz que a militância radical bolsonarista é um obstáculo para os liberais da direita implementarem suas ideias
10.01.20

Arthur Moledo do Val não esconde que quis mesmo chamar a atenção nas redes sociais quando, da tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo, xingou de “vagabundos” um grupo de sindicalistas que ocupavam as galerias durante a votação da reforma previdenciária paulista, em dezembro. A provocação a militantes de esquerda está no DNA do youtuber conhecido como Mamãe Falei e foi a fórmula que o levou a atingir 2,6 milhões de seguidores em quatro anos e a ser eleito deputado estadual em 2018, com 470 mil votos, em seu primeiro teste nas urnas. O método é defendido por ele como a “espetacularização do bom debate”, mas já lhe rendeu uma coleção de inimigos, agressões e até a expulsão do DEM, partido ao qual se filiou apenas para disputar a eleição.

Integrante do Movimento Brasil Livre, o MBL, o deputado está hoje em busca de uma legenda que aceite o seu próximo e ousado projeto político: eleger-se prefeito de São Paulo. Aos 33 anos, o nada modesto paulistano de sotaque mooquense sabe que o páreo será mais duro e afirma que o principal adversário dos “liberais puros”, como ele se define, está no grupo com o qual dividiu as ruas em 2015 nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. “Hoje, de fato, o que mais atrapalha é essa direita revolucionária”, afirma nesta entrevista a Crusoé, referindo-se às alas mais radicais dos apoiadores de Jair Bolsonaro.

O sr. é criticado por fazer discursos agressivos e pouco propositivos para  agradar suas “bolhas” de seguidores. Como encara essas críticas?
Acho exatamente o contrário. O cara que está furando as bolhas aqui sou eu. Quem trabalha para as bolhas são os deputados que estão aqui há tantos anos. Todos os discursos aqui são para bolhas. O cara que defende a polícia só fala de polícia, o cara que defende professor só vai falar de professor. O que eu faço é o contrário. Denuncio tudo aquilo que está errado. No caso desse episódio que foi infeliz por causa da ofensa (refere-se ao dia em que chamou os sindicalistas de vagabundos), é preciso entender o contexto. Imagine se estou aqui te dando tapa na cara, tapa na cara, tapa na cara. Aí você pega, me empurra e é o culpado por me dar um empurrão? É a mesma coisa. Aquelas pessoas que estavam nas galerias são vagabundas, porque não se trata de população espontânea, que vem aqui e pensa diferente de mim e me xinga. São pessoas que agem com modus operandi de intimidação. São sindicalistas pagos com dinheiro público, faixinha de “Lula Livre”, chamando a Janaina Paschoal de fascista, acusando o Daniel José, do Novo, de assassino, e ameaçando me matar quando eu sair na rua. Quando eles me chamaram de nazista, fascista, eu não bati em ninguém.

Acredita que não há limite para a atuação de um parlamentar em plenário?
Eu sou a favor da liberdade total de expressão, desde que ela esteja dentro da ordem. O regimento diz expressamente que a galeria não pode se manifestar. Teoricamente, eles não podem nem aplaudir. Por outro lado, o parlamentar tem total liberdade de falar o que quiser, por mais idiota que isso possa parecer. A Isa Penna (deputada do PSOL), por exemplo, subiu na tribuna e recitou um poema usando as palavras “puta”, “gozar” e “boceta”. O (presidente) Cauê (Macris) a repreendeu e lhe tirou a palavra. Eu discordo disso. Então, no meu caso, eu não devo ter a liberdade de falar que acho o cara vagabundo? Devo ter. E as pessoas devem ter a liberdade de julgar aquilo.

O sr. já criticou a postura do presidente Jair Bolsonaro, por não ser, em sua avaliação, condizente com o cargo que ocupa.
Acho que é completamente diferente um parlamentar, do Poder Legislativo, de um líder de estado, do Poder Executivo. São coisas completamente diferentes. Eu como parlamentar estou aqui para brigar, efervescer os ânimos e defender uma posição de maneira muito ferrenha. Esse é o papel do parlamentar, inclusive enfrentando pessoas que usam técnica de intimidação. É o meu papel vir aqui e apontar para um cara e falar “você é vagabundo, está me ameaçando de morte”. Não é papel do governador, do presidente ou do prefeito fazer o mesmo. Quando você está no Poder Executivo, o problema do conflito é seu, e a melhor maneira de resolver não é “mitando”. A melhor maneira de resolver é ser combativo na hora de ser combativo, mas na hora de dar uma entrevista séria, é preciso responder e não falar o tempo todo “eu não gostei da sua pergunta”, virar as costas, sair dizendo “imprensa vendida, sai fora”. Acho que falta postura. E hoje essa postura virou ação de governo, o que critico veementemente.

O sr. pode citar exemplos?
Um exemplo: quando ele (Bolsonaro) colocou o (Augusto) Aras na PGR. Ele falou uma coisa na campanha e fez outra. Quando ele quis indicar o filho dele para a principal embaixada do país no exterior, achei um completo absurdo. Não pode colocar o filho, nem se ele tivesse preparado. Quando decidiu acabar com o Coaf, também critiquei. E quando tem que elogiar, também elogio. O ministro Tarcísio (Gomes de Freitas, de Infraestrutura), por exemplo, é um baita ministro. O trabalho que ele está fazendo de licenciamento ambiental e regularização fundiária é um baita trabalho.

Reprodução/Alesp“Só fiz campanha para o Bolsonaro porque ou era ele ou era o (Fernando) Haddad”
Bolsonaro não é o mesmo político da campanha?
Eu não só votei no Bolsonaro como fiz campanha para ele. Não me arrependo em nenhum segundo, porque eu só fiz campanha para o Bolsonaro porque ou era ele ou era o (Fernando) Haddad. Se fosse o Haddad, estaríamos numa situação muito pior. Provavelmente o MBL nem existiria, estaríamos presos. Estava lá escrito no plano de governo dele que ele iria regulamentar a imprensa. Mas o fato de ter apoiado Bolsonaro não quer dizer que eu concorde com tudo. Pelo contrário, por tê-lo apoiado é que eu tenho mais condições de tecer críticas. Em relação aos apoiadores mais ferrenhos, infelizmente, o que a gente vê são gabinetes lotados de pessoas que, de fato, recebem dinheiro público para defender uma narrativa e um olavismo exacerbado (refere-se aos seguidores de Olavo de Carvalho), que passa por cima de toda razão. Quando você tem um guru que fala “vai lá e fala que o rock está a serviço do LSD dado pelos comunistas”, me desculpa. É um louco falando besteira.

O MBL, em sua origem, também adotava uma postura agressiva em relação à imprensa. Vocês erraram?
Acho que o que o MBL fez foi extremamente necessário e, ao contrário do bolsonarismo, nunca fez crítica vazia. O MBL nunca disse “você usa uma camisa azul, então você é um vendido”.

As críticas a Bolsonaro tornaram o MBL alvo dos bolsonaristas. O racha na direita enfraqueceu o movimento?
Muito pelo contrário. Essa é uma confusão que fizeram desde o início. O MBL nunca foi um movimento de manifestação. É um movimento propositivo e, dentre as ferramentas que utiliza, uma delas é você colocar gente nas ruas. O que fez o MBL se diferenciar dos movimentos de manifestação foi justamente ser propositivo. Por exemplo, em 2016, tinha que reformar a Previdência. O governo Temer era extremamente impopular. Ninguém ia para rua com uma camiseta defendendo a reforma. O que a gente passou quase 2016 inteiro fazendo? Defendendo a reforma da Previdência, e sob ataque. Sobre o racha que você falou, o que tinha ali era uma direita completamente heterogênea unida em um objetivo comum: tirar a esquerda do poder. A partir do momento que tirou, os diferentes nichos de direita vão se diferenciando novamente. E eu não diria racha porque não é possível rachar com alguém com quem você nunca esteve junto.

Os diferentes movimentos estiveram juntos nas manifestações pró-impeachment.
Mais ou menos. Não é porque eu estou na rua para derrubar a Dilma e o outro também está, com uma camiseta “Olavo tem razão”, que nós somos do mesmo time. Estamos nos manifestando sobre uma pauta específica, sobre a qual, ali, a gente está junto. Mas isso não significa aliança. Eles (olavistas) são um grupo mais ideológico. Não são de direita, eles são revolucionários. E ser revolucionário não é ser de direita. O cara que quer acabar com STF e fechar o Congresso quer fazer revolução. O cara que acha que tem de legitimar uma intervenção militar através de apoio popular é um revolucionário. Eu não apoio isso, nunca apoiei e nunca vou apoiar.

ReproduçãoReprodução“Aquelas pessoas que estavam nas galerias são vagabundas. Não se trata de população espontânea. São sindicalistas pagos com dinheiro público”
Quem é hoje o principal adversário do que o sr. chama de “liberais puros”?
Hoje, de fato, quem mais atrapalha é a direita revolucionária. Esses caras não representam o que a gente é. Hoje, isso acontece menos, mas no começo do ano eu encontrava um cara na rua e ele dizia: “Ô, Arthur, tiramos o PT e agora estamos juntos com o Bolsonaro!”. Tiramos o PT, é verdade. Estar junto com Bolsonaro, não é verdade. Há, de fato, o perigo de que essa narrativa da direita revolucionária contamine essas pessoas que não entendem o que está acontecendo. Há diferentes aspectos, inimigos diferentes. Ao mesmo tempo, tem uma esquerda que quer regulamentar a imprensa, que quer pautar ações afirmativas de gênero, com cotas para mulheres, negros, que vai te tolher de cima para baixo.

O que mudou para o MBL com a saída de Lula da prisão?
Acho que nada. O MBL não surgiu de uma pauta antipetista ou anti-Dilma. O MBL é um movimento liberal que, para impor suas teses, precisava derrubar um governo totalitário de esquerda. Midiaticamente, ficou conhecido por ser antagonista ao PT. Agora, o Lula livre interfere no movimento da mesma forma que interfere no Brasil. Tem consequências. Isso representa outras coisas, como uma crise moral no país, uma crise de confiança no sistema Judiciário, com impacto na economia.

O sr. foi do DEM, partido comandado em São Paulo por Rodrigo Garcia, acusado de comandar um esquema de corrupção. Isso nunca o constrangeu?
Não, porque isso não acontece só no DEM. Se for pensar por esse lado, não tem nenhum partido para eu me filiar. Não existe nenhum, nem o Novo. Como não tem candidatura independente, a gente fica à mercê disso.

Nenhum partido é limpo?
Não estou condenando, é apenas um diagnóstico. Vamos pegar o Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Ele é filiado ao Novo e faz parte do governo Bolsonaro, que tem um ministro do Turismo enrolado com corrupção. Se a gente pensar assim, não existe nenhum partido. Eu estou cagando para partido. Eu ligo para o indivíduo. Se o partido me der a liberdade de ser quem eu sou, eu me candidato. Eu só quero um número. E se pudesse me candidatar de forma independente, eu me candidatava. Mas não posso.

Políticos novatos e veteranos que passaram pela Assembleia de São Paulo já disseram que a casa não tem função, apenas chancela o que o governador quer. Para que serve a Assembleia?
Quer a primeira utilidade? A primeira delas? Gastar dinheiro público. Esta casa é muito boa em gastar o dinheiro público. É uma casa apagada. Nessa estrutura que custa 1,3 bilhão de reais, temos 94 deputados para um resultado residual. A minha impressão é que esta casa serve para gastar o dinheiro do contribuinte.

O que o sr. tem feito, na prática, para combater isso?
Não usei fundo partidário e fui o segundo mais votado. Isso é um grande trunfo. Não precisa de grana para fazer democracia. Segundo, sou o deputado mais barato da casa. Tenho seis assessores dos 32 que poderia ter. Faço os discursos mais famosos da casa, diria até da história. Desconheço discursos tão falados ao redor do Brasil sem ser os meus. Eu voto sempre contra os benefícios e os aumentos de custo que o pessoal aprova aqui. E o quarto ponto para mim, que é o mais efetivo, é o resultado. Na comissão de finanças, da qual eu nem sou membro, foi aprovado um aumento de 4 mil reais para cada deputado alugar um carro. Desci lá como suplente, que só pode falar por cinco minutos. Em cinco minutos fiz um discurso que viralizou no WhatsApp. Eles recuaram. Isso é um resultado prático de ser um cara que não tem rabo preso e de assumir um jeito de falar que não é bonitinho.

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