Um contrato com o Brasil

03.01.20

Muitos brasileiros, em parte induzidos pela ala militante da imprensa engajada, acreditam que Bill Clinton foi um grande presidente. É verdade que seu governo obteve conquistas importantes, mas essa é só uma parte da história. Um dos capítulos mais importantes desse enredo costuma ser convenientemente omitido, mas é hora de revisitar a história neste momento tão polarizado que vive o Brasil.

A América tem um presidencialismo que reserva papel especial ao Congresso, um poder que influencia diretamente no sucesso ou fracasso de qualquer governo. Com o legislativo hostil ao presidente, suas chances de conseguir o que quer ficam bastante reduzidas e é por isso que muitos presidentes bem-sucedidos são, antes de tudo, bons articuladores políticos ou, ao menos, sabem falar com o Congresso em troca de uma agenda positiva para a sua gestão e para o país. E essa é uma das principais característica dos oito anos do mais famoso predador sexual que já passou pela Casa Branca.

Tão importante quanto Bill Clinton naquele período foi Newton (“Newt”) Leroy Gingrich, o historiador e congressista Republicano que presidiu a Câmara a partir de 1995. O Partido Republicano recuperou o controle da Câmara depois de 40 anos nas eleições de 1994, segundo ano do mandato de Bill Clinton, e Newt Gingrich deixou claro que não estava lá a passeio desde o primeiro dia no cargo mais importante do Legislativo. Sem a sua atuação como líder da oposição, é impossível imaginar que o ex-governador de Arkansas teria conseguido os notáveis resultados econômicos de que até hoje se vangloria.

Na eleição de 1994, Gingrich redigiu, com Dick Arney e a ajuda da The Heritage Foundation, o célebre “Contrato com a América”, um conjunto de compromissos oferecidos pelos candidatos Republicanos ao Congresso naquela eleição como contraponto aos arroubos expansionistas de gastos de Clinton e, evidentemente, de praticamente qualquer presidente mais à esquerda no espectro político. O histórico documento prometia aos eleitores que, se houvesse uma maioria republicana no ano seguinte, os seus representantes iriam baixar impostos, controlar os gastos públicos, equilibrar o orçamento governamental, fomentar o empreendedorismo e reformar os perdulários e ineficientes programas sociais dos Democratas. Deu certo.

O “Contrato com a América” foi um compromisso explícito dos futuros congressistas com uma pauta de estado e não apenas partidária. Mesmo com um presidente do partido adversário, os legisladores comandados por Newt Gingrich ofereciam à nação um plano que não tinha como objetivo minar o governo Clinton ou obstruir suas pautas, mas contribuir com medidas de responsabilidade fiscal para o saneamento das contas públicas e o impulsionamento da economia, o que acabaria, como acabou, beneficiando o próprio Bill Clinton politicamente. O que falou mais alto foi o interesse do país e a luta para continuar o período de desenvolvimento iniciado por Ronald Reagan na década anterior e que acabou levando a 25 anos de bonança. Com uma pauta republicana, mas apartidária ao mesmo tempo, todo mundo venceu.

Lembro desse episódio no início deste novo ano ao ver as reações de muitos oposicionistas derrotados nas eleições de 2018 no Brasil que atravessaram 2019 minando os avanços do atual governo na área econômica e nas políticas do ministro da Justiça, Sergio Moro. Há ainda muito para ser melhorado no país, não se arruma um estrago de 13 anos em 13 meses, mas é inegável (para aqueles com o mínimo de honestidade intelectual) que passos largos e significativos já foram executados neste governo. Além da tão sonhada – e absolutamente necessária – reforma da Previdência que passou com números excepcionais em 2019, testemunhamos uma redução histórica na criminalidade em todo o país, recordes na bolsa de valores, investimentos em estradas, conclusão de ferrovias, concessão de portos e aeroportos, mais de 100 bilhões de reais em privatizações, cerca de 1 milhão de novos empregos, aprovação da Lei da Liberdade Econômica e o menor risco-país da década.

No entanto, mesmo com avanços robustos em importantes pilares do país, tudo indica, infelizmente, que a mesma turma que passou 2019 fazendo cara de nojo para o atual governo entrará em 2020 dobrando a aposta no “quanto pior, melhor”. O país dos 60 mil assassinatos por ano, quase 60 milhões de inadimplentes e dos 13 milhões de desempregados — herança maldita dos governos petistas — que se dane. A meta é minar tudo e todos que se atrevam a investir energia e trabalho sob a tutela do governo Bolsonaro. É o que vemos também nos EUA em relação ao governo Trump, que enfrenta uma oposição igualmente terrorista e que não pensa duas vezes em jogar o país no caos para avançar com a sua própria agenda. Tempos estranhos onde o narcisismo partidário sufoca num piscar de olhos os anseios da população.

A vitória de Jair Bolsonaro em 2018 foi maiúscula, acachapante, inquestionável. O Brasil escolheu dar uma chance para o ex-capitão, e todo brasileiro, tendo votado nele ou não, deveria pensar no país antes de bancar o homem-bomba e colocar suas fichas na obstrução e na oposição destrutiva, mesquinha e suicida como a que presenciamos ao longo de todo o ano de 2019. Quem pagará essa conta serão os mais vulneráveis da sociedade que não merecem ser joguetes na mão de políticos oportunistas e insensíveis. Alguém precisa pensar no país. Por que não todos nós?

O que define uma democracia não é haver governo, já que ditaduras também têm. Uma democracia não só permite como precisa de oposição, mas uma oposição patriota, propositiva e que tenha o interesse da população como o seu norte moral e guia de ação. Quando o governo errar, que seja cobrado por seus erros; quando for omisso, que disso seja lembrado — mas quando acertar, que seja apoiado, não para seu benefício, mas pelo país. Quando se critica tudo, nada acaba sendo criticado.

O PT perdeu em 2018 a sua primeira eleição presidencial desde 2002, mas tem uma significativa bancada no Congresso e continua uma força política inegável na chamada “classe falante”, formada por jornalistas, acadêmicos, artistas, sindicalistas e parte do funcionalismo público. Partidos de expressão, como o PSDB, MDB e DEM, perderam capital político e ainda mostram permanecer em uma bolha desconectada da sociedade. Espero que sejam, assim como todos nós, signatários deste contrato em nome do Brasil, em 2020. Assim como aconteceu na América nos anos 90, todos ganham. Inclusive a oposição.

A eleição mais polarizada dos últimos tempos ficou para trás, o tão sonhado “terceiro turno” de quem foi derrotado nas urnas em 2018 não aconteceu em 2019 e não vai acontecer em 2020. Agora é hora de um “Contrato com o Brasil” de todos os lados, em prol da população e de uma nação que não suporta mais décadas de tanta violência, corrupção e desemprego. Continuar jogando contra o governo em 2020 é penalizar quem menos pode se defender, é dar as costas para a vontade popular claramente expressa nas urnas. Temos que propor um convite sincero à trégua. Posso estar sendo ingênua, talvez seja o espírito de início de ano, mas temos que tentar agregar com críticas justas e pertinentes e com respeito e esperança nos acertos. Feliz 2020.

Ana Paula Henkel é analista de política e esportes. Jogadora de vôlei profissional, disputou quatro Olimpíadas pelo Brasil. Estuda Ciência Política na Universidade da Califórnia.

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