Adriano Machado/CrusoéO Congresso e o Planalto: o sucesso de 2020 depende das excelências

Entre a esperança e a resistência

Os sinais da economia animam os brasileiros, mas a luta por um país mais limpo ainda deve enfrentar resistências: o que esperar de 2020 na política
03.01.20

As projeções para a economia brasileira em 2020 são alvissareiras. O PIB pode crescer o dobro do registrado em 2019, a inflação deve ficar abaixo da meta, os setores industrial e agropecuário emanam expectativas favoráveis e o desemprego tende a assumir de vez uma trajetória de queda. Mas para a conservação desse cenário de bonança, os três poderes, mais do que manter a harmonia consagrada por Montesquieu e pregada pela Constituição, precisarão, mais do que nunca, cumprir o seu papel.

O Executivo tem que fechar sua usina de crises políticas desnecessárias, como ocorreu em diversos momentos em 2019; o Legislativo precisa prosseguir com a agenda de reformas a despeito da pressão do calendário eleitoral; o Judiciário, em vez de se alinhar aos que tentam impor travas ao combate à corrupção, deve atuar no sentido de manter viva a Lava Jato e seu legado de intransigência com os criminosos de colarinho branco e ficha partidária.

Na reta final de 2019, não foram poucas as iniciativas destinadas a retomar o ambiente de vale-tudo que vingou por tanto tempo no país. Do Judiciário vieram decisões de ocasião destinadas a afrouxar os mecanismos de investigação contra poderosos. Uma delas foi a tentativa de limitar o compartilhamento de informações sigilosas produzidas pela Receita Federal e pelo Coaf, que acabou frustrada meses depois graças à reação de uma parte dos ministros do Supremo que se mostrou sensível à opinião pública. Outra foi a decisão do plenário da corte de rever o entendimento sobre a prisão em segunda instância – veredicto que levou à libertação do ex-presidente Lula.

Neste 2020, o Supremo pode evitar que outra excrescência jurídica produzida no apagar das luzes do ano ganhe fôlego: a criação do juiz de garantias. O jabuti foi incluído pelo Congresso no pacote anticrime e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro, para a contrariedade do ministro da Justiça, Sergio Moro. Pela medida, o juiz que atua na fase de coleta de provas não será mais o mesmo que vai julgar, o que pode afetar casos da Lava Jato. Além disso, há um dado da realidade que pode reinstalar a cultura de impunidade no país: se o investigado conseguir um juiz de garantias, digamos, compreensivo, poderá garantir para sempre que não será mais importunado pela Justiça.

Entidades que representam magistrados e procuradores denunciam que a medida poderá inviabilizar a Justiça criminal no país. Em 40% das comarcas do Brasil, há apenas um juiz. Significa que, para a implementação da nova lei, será necessário contratar magistrados ou deslocar juízes de outras praças. Nas duas hipóteses, além de complicações operacionais, haverá novas despesas em tempos que exigem cortes de gastos.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéPara não atrapalhar a economia, Bolsonaro tem que suspender o funcionamento da usina de crises do palácio
Congressistas encrencados com a Justiça, claro, soltaram foguetes. A bola, de novo, estará com o Supremo. Partidos e associações de classe recorreram à corte para barrar a novidade. Favorável à figura do juiz de garantias, Dias Toffoli não apreciou os pedidos até agora – e nem deve fazê-lo. A expectativa é que Luiz Fux, que assume o plantão do Supremo no próximo dia 20, conceda uma liminar suspendendo a medida, prevista para vigorar a partir do dia 23.

O Congresso, se também quiser demonstrar sintonia com os anseios da população, pode aprovar a PEC que permite a prisão em segunda instância, corrigindo a catastrófica decisão produzida pelo Supremo, segundo a qual réus condenados só poderão ser presos após o trânsito em julgado, ou seja, depois de esgotados todos os recursos – algo que, todos sabemos, leva uma eternidade.

Na economia, a revisão do sistema tributário brasileiro, a reforma administrativa, a criação de gatilhos para o controle das contas públicas e a redistribuição de recursos da União aos estados e municípios são algumas das prioridades. Diante da urgência, as discussões prosseguirão durante o recesso parlamentar, com a criação de uma comissão especial mista para discutir a reforma tributária.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre,  ambos do DEM, são unânimes ao afirmar que o Congresso não dará aval a qualquer aumento de carga tributária idealizado pelo governo. Eles rechaçaram, por exemplo, a ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de criar um imposto sobre transações financeiras digitais.

Maia e Alcolumbre se mobilizam para acelerar o debate sobre as mudanças no modelo de tributos. As duas casas têm propostas sobre o tema tramitando em paralelo e o governo elabora um terceiro texto com mudanças no sistema de cobrança de impostos, taxas e contribuições. “Não adianta ficar procurando quem é o pai, eu só quero que o filho nasça”, diz Alcolumbre.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéRodrigo Maia e Davi Alcolumbre: reformas dependem do Congresso
Uma comissão criada para debater o assunto se reunirá neste mês de janeiro, durante o recesso, para conciliar os textos em curso na Câmara e no Senado com as propostas da equipe econômica do governo. O grupo será formado por 15 deputados e 15 senadores, sob a presidência do senador Roberto Rocha, do PSDB.

O equacionamento do déficit fiscal do setor público segue como o grande desafio do Brasil. Apesar da redução de despesas, a estimativa incluída no orçamento do ano que vem é de um déficit de 124 bilhões de reais. Em novembro, o governo enviou ao Senado um pacote de três propostas de emenda à Constituição que compõem o Plano Mais Brasil. Uma das propostas tem como meta justamente limitar as despesas correntes, sobretudo as de pessoal, reduzindo o déficit fiscal. Paulo Guedes resumiu assim o ousado objetivo do plano: “transformar o estado brasileiro”. A proposta ganhou o sugestivo nome de PEC Emergencial.

“Existe uma lei básica: nenhum de nós pode gastar mais do que ganha. Desrespeitar essa regra gera uma situação de insolvência e de inflação. O déficit primário, que é a diferença entre o que o governo arrecada e gasta, é o grande problema da nossa economia”, disse a Crusoé o senador Oriovisto Guimarães, do Podemos, relator da proposta, apontada como a mais relevante do conjunto de medidas propostas por Guedes.

A previsão é que a PEC seja votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado em fevereiro. As expectativas mais otimistas indicam que ela será aprovada nas duas casas até maio. Se isso acontecer, será mais uma boa novidade na cena econômica. O orçamento de 2020, aprovado pelo Congresso no último dia 18, já trouxe uma previsão de economia de 6 bilhões com o funcionalismo público, em função da possível promulgação do texto.

As outras duas propostas do Plano Mais Brasil devem seguir o mesmo cronograma. Uma delas reorganiza as regras de aplicação de recursos de cerca de 280 fundos públicos e permite que o dinheiro, hoje destinado a áreas específicas, possa ser usado em outros projetos e programas considerados prioritários, como os de erradicação da pobreza e de infraestrutura.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéPelo Supremo devem passar temas importantes da pauta anticorrupção
Já a reforma administrativa, igualmente fundamental para o equilíbrio das contas públicas, deve ser votada até julho. Ela pode gerar uma economia de 400 bilhões de reais em dez anos em todo o setor público (considerando União, estados e municípios). O montante equivaleria à metade do impacto estimado pelo governo com a versão final da reforma da Previdência.

A reforma administrativa prevê a possibilidade de contratação por meio de um sistema alternativo ao regime jurídico único, que ficaria restrito a carreiras de estado. A estabilidade será revista para os funcionários federais que ingressarem sob o novo regime. Eles terão de passar não só pelo prazo de estágio probatório, de três anos, mas também por um período adicional para obter o direito à estabilidade.

Trata-se de outra medida positiva no horizonte de um país que tem sérias dificuldades para lidar com a inchada máquina do funcionalismo. Como noticiou o Diário de Crusoé nesta quinta-feira, 2, dados da Controladoria-Geral da União mostram que nos últimos 16 anos o governo exonerou 7.766 servidores, mas nenhum deles foi mandado embora por mau desempenho.

Na definição das novas regras, a definição de quais carreiras serão enquadradas como de estado provavelmente ficará para um segundo momento. Já se sabe, porém, que diplomacia, policiais federais e auditores fiscais estarão entre elas. Para economizar nos gastos com pessoal, a ideia do governo é trabalhar com salários iniciais mais baixos para os novos servidores públicos e ter processos mais lentos de promoção ao longo das carreiras.

Para Marcel Balassiano, pesquisador da área de economia aplicada da Fundação Getulio Vargas, a aprovação de reformas só tem impactos positivos a médio e longo prazo, mas são medidas estruturais indispensáveis a um crescimento robusto e sustentável. “A expectativa para 2020 é de uma expansão econômica mais forte, de 2,2%. Vai ser o melhor resultado desde 2014”, diz ele. “A queda da inflação possibilitou que a taxa de juros chegasse a um mínimo histórico. Esses são fatores importantes para termos um crescimento maior no ano que vem.”

Para a população, as variáveis macroeconômicas mais relevantes são a inflação e o mercado de trabalho. “Não adianta ter inflação baixa e desemprego alto. A taxa que em 2017 chegou a quase 14% hoje está em 11,6%. Houve uma melhora, mas em ritmo lento. Para uma retomada efetiva do mercado de trabalho, a economia tem que reagir. Agora, com o PIB crescendo, a situação deve melhorar”, afirma Balassiano. Um dos setores para os quais convergem as apostas de retomada dos empregos formais em 2020 é a construção civil. Ao traçar as perspectivas econômicas para este ano, a Confederação Nacional da Indústria indicou que “o setor da construção será o principal motor para o crescimento de 2020”.

A engrenagem está pronta para fazer o Brasil deslanchar. Basta as excelências fazerem seu dever de casa — o que inclui parar de sabotar a luta contra a corrupção. O controle dessa praga é também um fundamento da economia.

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  1. EXCELENTE RESUMO DO Q PRECISA ACONTECER PRA BOTAR O TREM NOS TRILHOS, A COMECAR PELO EXECUTIVO NAO CRIAR CONFUSOES DESNECESSARIAS E PRINCIPALMENTE APOIAR DUEDES, MORO, TARCISIO E TEREZA CRISTINA. MANDAR A FAMILIA CALAR E NAO SE METER EM COISAS ESCUSAS, TB AJUDARIA MUITO.

  2. que tal fazer uma coluna explicando qual é a alteração na legislação que trará mais segurança jurídica: a PEC para alterar a prisão de Segunda instância ou alterar a legislação ordinária

  3. um ano para a reforma da previdência. para as outras reformas com a vontade política de quase quarenta partidos, esqueçam jamais seremos país de ponta. continuaremos claro de ponta cabeça.

    1. Não foram criados as diferenças, as desavenças, os desencontros e sim os votantes kiserem mudanças e qq mudança vai acontecer batalhas e desentendimentos, pois anterior às urnas, já se sabia se o governo q aki estava perdesse, seria inevitável tais ajustes justamente em função do candidato eleito ser “descolado” “atrevido” “impróprio para corruptos” e formação Militar. Então se a culpados, ou são o Povo ou kem estava no comando.

    1. as cotas dos fundos imobiliários já anteciparam essa valorização imobiliária que está para ocorrer.

  4. Quando vejo todas essas projeções otimistas e me lembro que o Judiciário tem Tofolli, Gilmar, levandowski entre outros, e onLegislativo tem toda aquela corja liderada por Rodrigo Maia e Alcolumbre, chega a me dar arrepio de pensar na oportunidade perdida de limpar o País!

    1. Concordo. Todavia tenho esperanças em um futuro próximo. Ainda no mandato do presidente Bolsonaro ele indicará dois ministros para o STF que entrarão nos lugares de Celso de Melo e do Marco Aurelio de Melo, que são dois ministros que quase nunca correspondem aos anseios da sociedade. Outro ponto que também concordo é de que o presidente do Senado não é o dos nossos sonhos, mas poderia ser Renan Calheiros... provavelmente estaríamos em uma condição bem mais complexa.

  5. O eleitor elegeu para o executivo federal e em boa parte dos estados indivíduos e grupos dispostos a trabalhar positivamente. Falta depurar mais o legislativo ainda carregado de verdadeiros bandidos - respondendo a processos ou valendo-se de injustificável imunidade. Quanto ao judiciário, está fora do alcance do eleitor. Aí é torcer para que seus próprios integrantes, através do CNJ ou entidades similares, corrijam as gritantes distorções e desvios.

  6. Com Maia e Alcolumbre à frente do Congresso e Toffoli e Cia Ltda no STF, o Brasil vai ter muita dificuldade em sair do atôleiro em que se encontra.

    1. Ainda mais com este presidente. Está tudo errado. Em 2022 vamos corrigir esta NAU. CIRO vai navegar. NAVEGAR “É PRECISO”. Tem que ter comandante.

  7. alguém tem que resolver o problema dos assinantes da Crusoé que trocaram de e-mail, além do cadastro no site Antagonista. Está tudo complicado e a central de atendimento não resolve.

  8. Apenas um adendo: Há muitas comarcas sem juiz nenhum (!). Afora que vários juízes tiram férias de dezembro até o fim do carnaval, entende? É o tal do veraneio na praia. ;-))

  9. É o que todos os brasileiros de bem pensam. Favor enviar para todos os congressistas e todos do judiciário para ver se aprendem o que devem fazer.

  10. quem dera.... que o país fosse sério como texto!!!! pressão nas ruas, sem essa ferramenta nada vai acontecer. o congresso continua podre, k judiciário com câncer e o executivo sendo boicotado. afastem os filhos pelo amor de Deus!!!

  11. Texto muito bom. Só não abordou possíveis gargalos que podem surgir com o crescimento econômico, como por exemplo a questão da qualificação profissional, educação e treinamento de capital humano. Isso porque há estudos dizendo que faltarão mão-de-obra qualificada como em TI.

    1. Eu tenho a esperança de que o governo organize um plano de repatriação da nossa juventude bem preparada que migrou para o exterior por falta de oportunidades por aqui, só da minha família tem seis na Europa que se lhes derem oportunidade voltarão para o Brasil

  12. Sem uma tomada de posição concreta e honesta contra a corrupção, muitos desses indicadores positivos acabarão se perdendo no pantanal da roubalheira.

  13. Esse texto mostra o caminho, mas a realidade é outra, grande parte de congressistas comprometidos com a corrupção e um judiciário em manter seu status quo, a solução é o voto consciente.

    1. Concordo, vamos dar um susto nas eleições municipais este ano, vão entender o recado das urnas.

  14. Acho válido toda forma de mudança que venha pra melhorar a vida de todos os cidadãos que vive nesse país, mas a principal mudança, deveria começar pelo judiciário, uma suprema corte contaminada com alguns ministros que todos nós sabemos quem são, totalmente comprometidos com o passado recente de venda de sentença, isso o legislativo e nem o executivo tem coragem de enfrentar, todos nós sabemos porque. MUDA BRASIL Sem essa mudança não tenho esperança mais em nada.

  15. TUDO O QUE FOI PONTUADO A RESPEITO DOS 3 PODERES QUE DEVE CUMPRIR O SEU PAPEL CONSTITUCIONAL O SERÁ FEITO AO INVERSO. FOI PAVIMENTADO A VIA EXPRESSA PARA A ROUBALHEIRA E TODA SORTE DE CORRUPÇÃO QUE HÁ DE ENTRAR NAS VÍCERAS DO ESTADO COMO UMA METÁSTASE MALIGNA EM PROPORÇÕES MAIORES DA ENTÃO ERA PETISTA. PORTANTO, O ROUBO AO ERÁRIO PÚBLICO ESTÁ DEVIDAMENTE PROTEGIDO PELO NOVO ARCABOUÇO LEGAL ELABORADO PELOS LÍDERES DO CENTRÃO E ADJACÊNCIAS COM A SANÇÃO DE UM INEPTO; DUAS CARAS NO COMANDO DO PAÍS.

  16. Síntese perfeita, mas as incertezas mencionadas nos fazem acreditar que ainda temos muita estrada pra percorrer, talvez 2020 nos seja frustrante...

  17. Parabéns, Helena Mader, pelo texto enxuto, objetivo, esclarecedor. E mais: pela pontuação irrepreensível! Em linguagem simples, concisa, direta, você discorre sobre sobre os mais variados temas, sem utilizar termos ou expressões empoladas, fornecendo ao leitor todos os elementos para assimilar as informações. Esse é o tipo de português que, por sua beleza, está em fase de extinção. O internetês que o diga. JRCampos, jornalista

  18. Como confiar num Legislativo onde vários políticos possuem CODINOME em listas de PROPINAS? Eles sempre boicotarão o combate à corrupção.

    1. Pra completar, o governo tem dois desses que você cita como seus líderes e boicota todas as iniciativas da parcela do Congresso que busca avançar no combate à corrupção. O prognóstico, por ora, é muito ruim e decepcionante.

  19. Ótima síntese. Tomara q o quinteto maldito do STF é os fisiologistas do CONGRESSO tenham consciência com a NAÇÃO, com o todo. Não dá pra esses representantes das máfias, os quais pagamos PRA NOS FUDER, mudarem de posturas só conosco indo às RUAS. Desejando eles o pior p a sociedade, vai chegar uma hora em q nossa reza braba apanha um por um, q nem vôo particular quererão fazer!!!

  20. O Brasil precisa destravar as amarras do passado, limpar essa corja de vagabundos que só roubaram, que se rebelem a parte boa do STF, de todo o judiciário e enquadrem os deputados bandidos ..

  21. Infelizmente minha esperança de um país justo vai diminuindo a cada nova notícia... Nesse sentido já não acredito que o presidente fará alguma coisa que, realmente, impeça a continuação de tantas falcatruas do congresso e do STF. A vontade popular e nada, para o governo, é a mesma coisa. Só posso continuar com meus planos de deixar o Brasil e tentar esquecer o que se passa por aqui, Absolutamente frustrante o que temos vivido.

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