RuyGoiaba

Tira já essa arte da boca, menino!

13.12.19

Na semana passada, um cara comeu uma banana de 120 mil dólares. Se vocês não ficaram sabendo da história, resumo: colada à parede com fita adesiva, a banana — madura demais — era uma obra do italiano Maurizio Cattelan, exposta na feira Art Basel e arrematada por esse preço. O trabalho mais famoso de Cattelan, de notável sutileza metafórica, é uma privada de ouro maciço que ele batizou de América, roubada em setembro de um palácio no Reino Unido (adoraria que tivesse sido a mando de Chiquinho Scarpa: consigo imaginar o milionário brasileiro instalando a privada em sua mansão do Jardim Europa e convidando amigos para “dar uma cagadinha lá em casa”. Mas divago).

Pois bem: um sujeito chamado David Datuna foi à feira (de arte), tirou a banana da parede, descascou e comeu. A princípio, acreditei que o gesto merecia minha solidariedade de gordo esfomeado: se eu encontrasse uma bananinha dando sopa — ainda que num lugar esquisito como uma parede de museu –, tenderia a mandar para dentro. Depois fui informado de que não era fome, e sim performance, postada inclusive no Instagram: ou seja, o ato de descascar e comer a banana TAMBÉM era arte. E não me espantaria se os seguranças que escoltaram Datuna para fora da Art Basel fossem atores contratados.

Meu ponto é simples: desde que Marcel Duchamp batizou um urinol de Fonte e mandou para aquela exposição, tem sido cada vez mais difícil para os leigos ter certeza do que é arte. Antes bastava olhar para um quadro e apontar: “olha lá a arte”. Hoje complicou. Você vai ao museu, vê um interruptor de luz e não aperta porque, sei lá, vai que também é arte. Olha para um extintor e não sabe se ele vai servir para apagar incêndio ou se está lá apenas como metáfora de alguma coisa. Tropeça em jornal velho no chão e, bem, será que não é uma instalação? E topa com videowalls que parecem TVs em lojas de eletrônicos — você só sabe a diferença porque, em vez de Curtindo a Vida Adoidado na Sessão da Tarde, eles transmitem umas imagens meio esquisitas. Nesse caso, é arte.

(No ano passado, o Radiohead veio ao Brasil e se apresentou no Allianz Parque. Como se trata de uma banda MUITO artística, o telão do show, em vez de mostrar o palco para quem estivesse mais longe, dava closes na orelha do Thom Yorke, numa tarraxa do baixo etc. Lá pelas tantas, o telão ficou inteiramente verde-claro; até hoje não sei dizer se era bug ou parte da performance.)

Entendidos me dizem que, se tiver um CONCEITO e, às vezes, gente pelada, é arte. “Conceito”, pelo que averiguei, pode ser qualquer coisa que envolva crítica ao capitalismo, ao patriarcado, à exploração predatória do ambiente, à própria ideia de arte ou a tudo isso junto. Gente pelada nem sempre aparece, graças a Deus, mas isso só dificulta as coisas: como é que alguém pode entender uma crítica ao capitalismo sem o artista fazer pirocóptero ou exibir o períneo?

O fato é que, hoje, arte parece um negócio cada vez mais difícil de identificar e cada vez mais fácil de fazer. Eu mesmo, que não tenho o menor talento para desenhar, pintar ou esculpir, poderia produzir tranquilamente — aliás, produzo; só não acondiciono em latas — obras como a Merda d’Artista do Piero Manzoni. Minha impressão é que muitas pessoas desse mundo da arte contemporânea se comprazem em comer de colherinha o conteúdo das latinhas do Manzoni. Mas deve ser porque sou leigo, ignorantão e escrevo numa “revista reaça”.

De todo modo, aquele conselho das mães continua válido: se você não conseguir identificar –ou ter certeza de que é mesmo arte –, melhor não pôr na boca.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Quer dizer que estavam tentando ressuscitar o imposto sindical e chamá-lo de “taxa de liberdade sindical obrigatória”? Mas que gracinha. Lembra as disciplinas optativas da minha faculdade, que nós éramos obrigados a cursar para ter os créditos e chamávamos de “optatórias”. Parece também aquele P de CPMF, o provisório facinho de transformar em permanente. E parece mais ainda a “proteção” cobrada pela Máfia para proteger alguém dos próprios mafiosos. Você não quer ficar amarrado ao sindicato? Pois trate de pagar.

Tenho certeza de que o Paulinho dá a maior Força.

José Cruz/Agência BrasilJosé Cruz/Agência BrasilPaulinho dá força a qualquer “liberdade sindical” que meta a mão no seu bolso

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO