Sérgio Lima/Follha ImagemFábio Luís, o Lulinha: os milhões que ele recebeu agora estão sendo esquadrinhados pela polícia

A vez do Fenômeno

A Polícia Federal finalmente chega aos negócios milionários de Lulinha, o primogênito de Lula, com empresas do setor de telecomunicações
13.12.19

Em 2006, logo após virem a público notícia de que a empresa de telefonia Telemar despejara mais de 10 milhões de reais na Gamecorp, criada por Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, o pai dele, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disparou uma frase lapidar, do alto de sua arrogância. “Que culpa tenho eu se meu filho é o Ronaldinho dos negócios?”, respondeu Lula ao ser indagado sobre a ascensão repentina de seu primogênito. Dez anos depois, em março de 2016, a Lava Jato batia à porta do petista para levá-lo para depor e inaugurava a extensa investigação cujos desdobramentos o conduziriam à prisão. Por muito tempo ecoou a pergunta: quando a operação se debruçaria sobre os negócios feitos por Lulinha à sombra do poder do pai poderoso? Em várias ocasiões, os investigadores tangenciaram o assunto. Ao tatear a relação entre Lula, as empreiteiras do petrolão e o sítio de Atibaia, por exemplo, descobriram que a propriedade estava formalmente em nome de dois sócios de Lulinha, Jonas Suassuna e Kalil Bittar. Ao esquadrinhar as contas da dupla, viram que por elas passaram volumes amazônicos de dinheiro cuja origem, quase sempre, estava nas empresas nas quais eles eram parceiros do filho do ex-presidente. Não era coincidência.

Nesta semana, finalmente, a resposta para a velha pergunta — quando chegará a vez de Lulinha — veio na forma da 69ª fase da Lava Jato, batizada de “Mapa da Mina” em alusão aos caminhos percorridos pelo filho de Lula e por seus sócios para fazer dinheiro. Os números gerais das transações realizadas pelas empresas dão a dimensão do portento. Segundo a Receita Federal, elas receberam em suas contas nada menos que 287 milhões de reais. Na lista de pagadores estão companhias investigadas ou ao menos citadas em esquemas de corrupção, como a Cervejaria Petrópolis (7,1 milhões de reais), órgãos públicos (44,9 milhões) e o grupo empresarial Oi/Telemar, aquele do negócio com a Gamecorp, que lidera o ranking (repassou 132 milhões às empresas que têm em Lulinha seu principal expoente e atrativo). Jonas Suassuna, o sócio principal, já estava sob investigação e exercia o papel de interlocutor do grupo com as grandes empresas. Era, por assim dizer, a cara da holding. Kalil Bittar, o outro sócio, também era proprietário formal do sítio de Atibaia, juntamente com Jonas. Ele e o irmão Fernando Bittar, outro “executivo” da holding de Lulinha, são filhos de Jacó Bittar, petista de Campinas, interior de São Paulo, e amigo do peito de Lula.

Quando Lula ainda era presidente, chamava atenção da vizinhança o vaivém em uma vistosa casa recém-comprada por Jonas Suassuna na região da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Era o endereço de algumas empresas dele, que experimentavam àquela altura seu auge no mundo dos negócios. O Grupo Gol, que apesar do nome nada tem a ver com a companhia aérea, reunia uma editora e algumas firmas ligadas ao universo digital. A mina da qual jorrava o dinheiro que abastecia as contas do emaranhado de pessoas jurídicas criado por Jonas estava nas empresas de telefonia. Eram elas as principais clientes do grupo, que, ao menos oficialmente, desenvolvia aplicativos e conteúdos digitais e os vendia para as telefônicas. Lulinha era frequentador assíduo da casa na Barra, embora não figurasse formalmente como sócio da Gol. Sua ligação com Jonas Suassuna estava em outro negócio, sediado em São Paulo: ele aparecia no quadro societário de outra teia de empresas ao redor da Gamecorp. Eram negócios cruzados, propositadamente cruzados, para evitar que ficasse tão explícito o papel do filho de Lula nos contratos generosos.

ReproduçãoReproduçãoLula e Lulinha na visita ao Grupo Gol, no Rio. Os irmãos Bittar aparecem ao fundo
A despeito das suspeitas que àquela altura já pairavam sobre a turma, só os órgãos oficiais tinham a real dimensão de seus negócios. Como o PT estava no poder, pouco ou nada podia ser feito. Foi com a Lava Jato que surgiram as primeiras chances de esquadrinhar o mapa da mina de Lulinha, que, antes de virar empresário de sucesso durante o governo do pai, era só um biólogo com um cargo modesto no Zoológico de São Paulo. Jonas Suassuna é peça-chave da estrutura montada ao redor do filho mais velho de Lula. Além de ser o dono, no papel, de parte do sítio de Atibaia, ele também é o proprietário formal do luxuoso apartamento de 335 metros quadrados para onde Lulinha se mudou com a família, na exclusiva Vila Nova Conceição, em São Paulo. Em documentos colhidos pela Lava Jato, como e-mails e extratos bancários, apareceram os sinais concretos de que por trás do sucesso estaria o interesse das empresas parceiras em se aproximar de Lula e do governo durante os mandatos do petista. É justamente esse o ponto central da investigação. A Polícia Federal e o Ministério Público suspeitam que as empresas de Lulinha não prestavam os serviços pelas quais eram remuneradas – quando muito, entregavam apenas uma parte do contratado. O objetivo central seria vender influência. O material já reunido pelos policiais e procuradores dá força à hipótese: ao mesmo tempo que ganhavam muito dinheiro, Lulinha e seus sócios tinham acesso a informações privilegiadas do governo, influenciavam a agenda do então presidente da República e facilitavam a vida das companhias que contratavam suas empresas.

Uma dessas mensagens, de 2008, chamou atenção dos investigadores. Enviado para Lulinha, Suassuna e outros funcionários da Gamecorp, o e-mail tinha por objetivo atualizar o faturamento do grupo: “Para conhecimento de todos abaixo está o resultado obtido pela equipe comercial nos últimos 12 meses. Foram expurgados os números de Brasil Telecom que por ser uma verba política poderia distorcer os resultados”. Eram tempos em que a certeza da impunidade permitia a menção explícita ao papel da “verba política”. E era assim mesmo que funcionava. Como Crusoé já publicou, executivos das companhias eram obrigados a chancelar, por ordens superiores, faturas que chegavam das empresas de Lulinha. Tudo em nome da manutenção da boa relação com Lula, numa lógica semelhante à das empreiteiras que pagavam vultosas propinas para obter benesses do governo.

Para a Lava Jato, parte dos milionários repasses para as empresas de Lulinha podem estar ligados ao processo de fusão da Oi, surgida da antiga Telemar, com a Brasil Telecom, um dos capítulos mais rumorosos do setor de telecomunicações brasileiro. Foi uma canetada de Lula que permitiu que o negócio, pelo qual as duas empresas trabalharam intensamente, saísse do papel. O pretexto? Ah, sempre há um. Desta vez, era criar um gigante brasileiro no setor de telecomunicações. Foram vários passos, um de cada vez. Primeiro a Telemar despejou dinheiro na Gamecorp de Lulinha entrando como sócia da empresa. Depois, passou a contratar os serviços oferecidos pelo Grupo Gol. Paralelamente aos pagamentos, a empresa via seus interesses junto ao governo serem atendidos. “Evidências indicam que o maior ativo que o grupo Oi/Telemar buscava na contratação da Gamecorp era o fato de que entre seus sócios estava o filho do então presidente da República”, disse o procurador Roberson Pozzobon, um dos integrantes da força-tarefa de Curitiba, horas após a deflagração da Mapa da Mina, na segunda-feira, 9.

Barriga com barriga: o petista cumprimenta Jonas Suassuna
Eram as necessidades de momento que orientavam o fluxo de pagamentos. Informações em poder da Lava Jato dão conta de que, em 2005, a então Telemar, mais tarde rebatizada de Oi, comprou um pedaço da Gamecorp a pedido de Lula porque o então presidente queria evitar que Daniel Dantas se aproximasse de seu filho – àquela altura, o banqueiro queria virar sócio da empresa. Para impedir a aproximação, o próprio petista teria pedido aos donos da Telemar, entre eles Sérgio Andrade, com quem mantinha uma amizade antiga, para atravessar o negócio. Pedido feito, pedido atendido. Anos depois, veio a necessidade de criar as condições legais para que a companhia se fundisse com a Brasil Telecom. Como os canais de comunicação com o governo estavam bem azeitados, o empecilho foi removido: um decreto presidencial assinado por Lula em 2008 abriu caminho para o negócio. A conta foi ficando mais alta. Era preciso arrumar um meio de fazer os pagamentos. Foi então que surgiu a ideia de repassar o dinheiro por meio de contratos para a prestação de serviços, muitos deles desnecessários. Havia, ainda, outras formas de fazer o dinheiro chegar. Embora as empresas de Lulinha tivessem atuação no setor de comunicação, um e-mail capturado pela PF revela um repasse de 900 mil reais da conta corporativa da presidência da Oi para Gamecorp a título de “assessoria jurídica”.

Ao longo da investigação, a Lava Jato também encontrou indícios de que dinheiro proveniente da Oi/Telemar pode ter sido usado na compra do sítio de Atibaia, o retiro de campo de Lula reformado à custa de empreiteiras como OAS e Odebrecht. Por um lado, as empresas da turma de Lulinha recebiam somas polpudas das operadoras telefônicas e, por outro, Jonas Suassuna e Kalil Bittar, sócios do filho do ex-presidente, bancavam a boa vida da primeira-família petista. Os dados da quebra de sigilo bancário de Jonas Suassuna mostram que a compra do sítio contou com dinheiro das empresas do Grupo Gol que, antes, haviam recebido valores da Oi/Telemar. Lula, que já foi condenado em segunda instância a 17 anos de prisão pelos favores das construtoras do petrolão que reformaram a propriedade, pode ser implicado nessa frente da Lava Jato. Uma coisa é certa: ele não pode dizer que não sabia dos negócios de seu primogênito. Logo após deixar o Planalto, acompanhado de seguranças, ele desembarcou na casa da Barra da Tijuca onde funcionava o quartel-general dos negócios “dos meninos”, como ele mesmo costumava se referir à turma do filho. Foi recebido com pompa. Lulinha estava lá, acompanhado de Jonas Suassuna e dos irmãos Bittar. O petista foi apresentado aos novos projetos do grupo – um deles, batizado com o sugestivo nome de GolGov, previa o estreitamento das relações (e dos negócios) com o governo. Em uma das paredes do QG a gratidão dos “meninos” ao petista estava literalmente emoldurada: como homenagem, um grande quadro mostrava o Lula sindicalista e o Lula presidente, com a faixa verde-amarela no peito.

Em 2006, meses depois de pronunciar a célebre frase comparando Fábio Luís a Ronaldinho, o comandante petista deu uma entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura. Indagado se não era no mínimo imoral a relação da Telemar com a empresa de Lulinha, ele disse que, do ponto de vista legal, não havia problema, mas defendeu uma possível investigação. “Eu não posso tomar as dores do meu filho. Se ele está errado, ele paga”, afirmou. A julgar pela última fase da Lava Jato, chegou a hora de o “Ronaldinho dos negócios” se explicar à Justiça. A ver se o pai dele, desta vez, posará novamente de perseguido ou manterá o que disse lá atrás. À frase, novamente: “Se ele está errado, ele paga”. Nunca é demais repetir.

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